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segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Outros - Entrevista à Grã-Duquesa Isabel Feodorovna (1917) - 2.ª parte



A porta abriu-se e a Grã-duquesa entrou com um sorriso radiante de boas-vindas e a sua mão branca estendida. “”Estou tão contente por ver que tive tempo para vê-la hoje, senhora Dorr!”, disse ela, numa voz de rara doçura.
“Vossa Alteza fala inglês?” exclamei eu, surpresa, e ela respondeu, apontando para uma cadeira confortável. “Porque não? A minha mãe era inglesa.”

Tinha-me esquecido por um momento que a Grã-duquesa e a sua irmã mais nova, a antiga Imperatriz da Rússia, eram filhas da Princesa Alice de Inglaterra e netas da Rainha Vitória. A Rússia também parecia ter-se esquecido disso e só se lembrava que o pai destas mulheres era o Grão-duque de Hesse e do Reno. A Grã-duquesa acrescentou enquanto nos sentávamos que quando era criança falava sempre inglês com a sua mãe e alemão apenas com o seu pai. “Fico feliz com a oportunidade de falar inglês, já que sendo completamente russa, como sou, e especialmente se formos uma russa ortodoxa, uma pessoa ouve muito pouco além de russo e francês.” Depois disse, com outro sorriso radiante: “Diga-me o que acha do meu convento.”


Disse-lhe que me sentia como se tivesse voltado atrás no tempo para o resplandecente e romântico século XIII.

“Era exactamente isso que eu queria para o meu convento!” Respondeu ela. “Queria que fosse um daqueles lugares ocupados e úteis dos tempos medievais. Os conventos assim eram magnificamente eficientes na idade média e acho que eles nunca deviam ter desaparecido. A Rússia precisa deles, de certeza, do tipo de convento que se coloque entre as ordens religiosas austeras e fechadas e o mundo exterior. Aqui lemos jornais, mantemo-nos informadas e recebemos conselhos de pessoas activas. Somos Marias, mas também somos Martas.”

O interesse da Grã-duquesa no mundo exterior é patente. Ela pediu-me entusiasticamente para lhe contar como estavam as coisas em Petrogrado e o seu rosto entristeceu-se quando lhe contei dos motins e acontecimentos sangrentos a que assisti durante a Revolução de Julho que ainda mal tinha passado. “É uma altura muito má para nós neste momento”, disse ela, “mas elas hão-de melhorar em breve, tenho a certeza. Os russos são bons e gentis, mas a maior parte deles são crianças grandes, ignorantes e impulsivas. Se conseguirem encontrar bons líderes, e se perceberem que lhes têm de obedecer, vão emergir do caos e construir uma Rússia nova e forte. Já viu Kerensky e o que pensa dele?”


Respondi-lhe com cuidado. Como toda a gente, ainda tinha esperança que o Kerensky deitasse tudo a perder e não queria abalar a confiança que alguém pudesse depositar nele. Disse-lhe que o Kerensky era muito admirado, que as pessoas gostavam dele e que poderia vir a tornar-se no líder forte que a Rússia precisava na sua aflição.

“Espero que sim,” respondeu a última dos Romanov, “rezo por ele todos os dias.”

Os sinos da igreja anunciaram a hora suavemente e a Grã-duquesa interrompeu-se para fazer o sinal da cruz. “Quero saber sobre essas maravilhosas escolas públicas,” disse ela, “mas primeiro diga-me o que está a América a fazer para se preparar para a guerra.”


À medida que eu falava, ela ouvia, acenando com a cabeça e sorrindo, imensamente agradada. A grande frota aérea que estava a ser construída parecia deixá-la muito feliz e, quando lhe falei sobre a conservação de mantimentos e das restrições ao fabrico de álcool, ela ficou radiante. “A América é simplesmente magnífica,” exclamou ela. “Lamento muito nunca ter lá ido. Claro que agora isso nunca vai acontecer. Para mim os Estados Unidos representam a ordem e a eficiência no seu melhor. O tipo de ordem que só um estado livre consegue criar. O tipo de liberdade que rezo para que um dia seja construído aqui na Rússia.” E depois mencionou brevemente o czar deposto. Não sabia que naquele momento o czar estava a caminho da Sibéria, mas é muito provável que ela já soubesse. Ela disse: “Fico feliz por saber que vão proteger os vossos soldados do mal da bebida. Ninguém compreende o bem que a abolição da vodka fez às nossas gentes. Acho que um dia a História vai dar crédito ao Imperador pela sua parte na ideia, não acha?” Concordei que o Imperador devia receber todo o crédito pelo que fez e disse-o com toda a sinceridade.


Isabel Feodorovna deixou-me falar durante quase três quartos de hora sobre as escolas Gary que ela gostaria muito de ver instituídas na Rússia; sobre o esforço das mulheres americanas na guerra e no trabalho social para as crianças, especialmente as tuberculose e as anémicas. “É maravilhoso,” disse ela com um suspiro. “Quase nem consigo impedir-me de cometer o pecado da inveja. Pense numa nação jovem, grande e apressada que ainda arranja tempo para estudar todos estes problemas assustadores da pobreza e da doença, e luta contra eles. Espero que continuem a fazer isso, e que ainda encontrem mais e mais maneiras de trazer paz à vida dos trabalhadores. Como se pode esperar que os trabalhadores que trabalham o dia inteiro em fábricas quentes e horríveis em quintas distantes, sem nada nas suas vidas a não ser o trabalho e a preocupação, possam ter paz nas suas almas?”


Ela queria muito saber sobre as mulheres soldado e disse que admirava muito o seu heroísmo. Queria saber como era a vida nos seus acampamentos e se tinham força suficiente para aguentar o tormento. A Grã-duquesa Sérgio é uma boa feminista e concordou comigo que a crise russa, tal como noutros países afectados pela guerra, tinha demonstrado completamente como as mulheres deviam, a partir de agora, ter um papel tão importante e proiminente como o dos homens.

Teve sempre uma devoção especial por Joana d’ Arc e acreditava que ela se tinha inspirado em Deus.


“Fico feliz por ter gostado do meu convento,” repetiu ela enquanto nos afastávamos. “Por favor visite-nos novamente. Sabe que ele já não me pertence, pertence ao Governo Provisório, mas espero que eles me deixem ficar com ele.”

Espero que a deixem. A Casa de Maria e Marta, com as belas mulheres que lá vivem, é uma das coisas que a nova Rússia não pode perder.


Em Março de 1918, Isabel foi presa no seu convento e levada para o exílio na Sibéria. Acabaria assassinada no dia 18 de Julho do mesmo ano. A Casa de Marta e Maria ainda existe e está em pleno funcionamento nos dias de hoje. As freiras ainda seguem as mesmas regras escritas por Isabel Feodorovna e existe uma estátua dedicada à fundadora no jardim.

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