Java

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A Imperatriz Alexandra por Lili Dehn



A imperatriz levantava-se cedo. Tinha seis criadas para a vestir, entre as quais a chefe, Madeleine Zanoty, uma italiana cuja família servia os Hesse já há muito tempo. Louise Toutelberg, conhecida por “Toutel”, a segunda na hierarquia, vinha do Bâltico e havia mais quatro. As criadas trabalhavam três dias, mas nenhuma delas alguma vez viu a imperatriz nua ou no banho. Levantava-se e ia tomar banho sem assistência, vestindo depois o seu robe de seda japonesa por cima da roupa interior quando estava pronta para arranjar o cabelo. A imperatriz era extraordinariamente simples na forma como se vestia, uma característica visivelmente vitoriana, e o seu quarto estava decorado ao estilo de Windsor e do Palácio de Buckingham de 1840. Não gostava de nada transparente nem teatral nem na roupa interior nem nas camisas de dormir. A sua roupa interior era feita do melhor linho, com lindos bordados, mas tirando isso era muito simples. O seu cabelo ruivo alourado nunca via ferros de encaracolar e normalmente estava sempre arranjado de forma muito simples, excepto quando participava em funções de estado.  


Alexandra na Finlândia

O quarto do imperador e da imperatriz era grande e tinha duas grandes janelas com vista para o jardim. Ficava no andar de baixo devido aos problemas de coração da imperatriz que tinha grande dificuldade em subir escadas. Havia um elevador no corredor que ligava o andar de baixo aos aposentos das crianças, mas durante a Revolução a água foi cortada e ele deixou de funcionar. Apesar de tudo a imperatriz insistia em subir e descer as escadas constantemente para tratar das grã-duquesas e eu acompanhava-a sempre, ajudando-a em cada degrau. Vinham-me lágrimas aos olhos quando via como ela estava doente, mas determinada a não perder uma única oportunidade de estar com os seus adorados filhos.


Alexandra com as filhas

Havia uma grande cama dupla feita de madeira perto das janelas entre as quais ficava o toucador da imperatriz. Do lado direita da cama havia uma pequena porta na parede que dava para uma capela minúscula iluminada por candeeiros suspensos onde a imperatriz se fechava muitas vezes a rezar. A capela tinha uma mesa, um genuflexório no qual se encontravam uma bíblia e um ícone de Cristo. Esse ícone foi-me depois oferecido por Sua Majestade em memória dos tempos que passamos juntas em Czarskoe Selo e é um dos bens mais valiosos que tenho hoje.



Alexandra e Nicolau

A mobília no quarto imperial estava coberta por mantos floridos e a alcatifa era de uma cor simples. O quarto de vestir do imperador encontrava-se separado do quarto de dormir pelo corredor e, do lado oposto, ficava o quarto de vestir da imperatriz e a casa de banho. Ora aqui estão as suas faladas extravagâncias! A casa de banho estava longe de ser luxuosa, tinha uma banheira antiquada em tijoleira negra e o gosto vitoriano da imperatriz pela arrumação fazia com que insistisse em ver a banheira coberta durante o dia com uma manta de cretone. Havia uma lareira no quarto de vestir e as criadas esperavam no quarto adjacente até que a imperatriz as chamasse. Os vestidos da imperatriz eram guardados lá e noutro quarto cheio de grandes armários que ficava a meio caminho para os aposentos das crianças e era utilizado sobretudo pelas criadas para passar a ferro e remendar as roupas de Sua Majestade.
Alexandra Feodorovna
A imperatriz preferia sapatos longos e pontiagudos com o tacão muito baixo. Normalmente usava sapatos de camurça, bronze ou brancos, nunca de cetim. “Não aguento sapatos de cetim, preocupam-me”, costumava dizer. Os seus vestidos, excepto aqueles que usava em cerimónias públicas, eram muito simples: gostava de blusas e saias e era viciada em vestidos de chá. O seu estilo era tão refinado como o da rainha Maria de Inglaterra; tal como ela não gostava de modas exageradas e não esquecerei com facilidade de quando ela não gostou de me ver a usar uma saia hobble:
- Gosta mesmo dessa saia, Lili? – perguntou a imperatriz.
- Bem… Madame, - respondi eu sem saber o que havia de dizer – c’est la mode.
- Não cumpre função nenhuma de uma saia – respondeu ela. – Agora, Lili, prove-me que é confortável: corra, Lili, corra, e deixe-me ver a que velocidade corta mato com isso.
Escusado será dizer que nunca mais voltei a usar uma saia hobble.

Fotografia de noivado de Nicolau e Alexandra
A imperatriz já foi acusada de ter uma demência por pedras preciosas. Nunca vi nenhum indício disso; é verdade que tinha a sua quota-parte de jóias magníficas, mas a maior parte pertencia à coroa e estavam em sua posse apenas porque era a imperatriz. Gostava de anéis e de pulseiras e usava sempre um anel com uma pérola enorme e uma cruz com jóias. Alguns escritores dizem que esta cruz era decorada com esmeraldas, mas não concordo. Tenho a certeza que as pedras preciosas eram safiras e como a via todos os dias tenho quase a certeza que estou correcta. A imperatriz tinha mãos macias e bem formadas, mas nunca tinha as unhas pintadas, já que o imperador detestava unhas demasiado arranjadas.

O boudoir da Imperatriz, conhecido como “Le Cabinet Mauve de l’Imperatrice” era uma sala maravilhosa onde o amor da imperatriz por todos os tons de malva era bem visível. Na primavera e no inverno, o ar era perfumado por grandes quantidades de lilás e lírios do vale que chegavam todos os dias da Riviera. As paredes estavam cobertas de fotografias, incluindo um retrato da falecida mãe da imperatriz, a princesa Alice de Inglaterra, grã-duquesa de Hesse-Darmstadt, que estava entre um quadro da Anunciação e outro de Santa Cecília.


A mobília era malva e branca, em estilo Heppelwait e era fácil encontrar muitos “cantinhos acolhedores”. Havia uma grande mesa onde se encontravam várias fotografias da família, com especial destaque para uma da rainha Vitória que ocupava um lugar de honra.

Alexandra no seu boudoir
A outra sala-de-estar privada era muito maior, decorada e estofada em tons de verde e a imperatriz tinha construído num canto uma espécie de escadaria com pequenos degraus e uma varanda que estava sempre cheia de violetas na primavera. Nesta sala havia fotografias dela e do imperador e algumas miniaturas maravilhosas das grã-duquesas pintadas por Kaulbach. A da Maria era particularmente bonita.

 
Havia livros por todo o lado; a imperatriz era uma leitora ávida, mas dedicava-se acima de tudo a literatura formal e sabia a bíblia de uma ponta à outra. A biblioteca ficava ao lado da sala-de-estar verde e era aí que todos os livros e revistas novos eram colocados em cima de uma mesa redonda e eram constantemente reorganizados pela data de publicação.
Alexandra com a filha Anastásia

A Imperatriz gostava muito de escrever cartas e fazia-o sempre que lhe apetecia. A sua mesa de escrever estava na sala ao lado do seu quarto, mas via-a muitas vezes a escrever cartas num bloco apoiado no seu colo e usava sempre uma caneta-tinteiro. Antes da guerra escrevia todos os dias a uma grande amiga que tinha deixado na Alemanha e lia-me sempre as cartas que essa senhora lhe enviava. Os seus artigos de papelaria, como tudo o resto, eram simples, mas tinham sempre o selo imperial.
A propósito do seu gosto por lilás e lírios do vale, posso também referir que a imperatriz adorava todo o tipo de flores, principalmente lilás, magnólias, glicínia, rododendros, frísias e violetas. Um amor por flores costuma ser sempre acompanhado por um amor por perfumes e a imperatriz não fugia à regra. Normalmente usava o “Rosa Branca” de Atkinson que era, como ela dizia, um perfume “limpo” e “infinitamente doce”. A sua eau-de-toilette preferida era Verveine.



Quando conheci a Imperatriz ela não fumava, mas durante a Revolução começou a fazê-lo. Penso que seria porque era a única coisa que a acalmava.
A imperatriz sempre teve um diário, mas acabou por me calhar a mim queimar todos os seus diários, bem como os da princesa Sofia Orbeliani e da Anna Vyrubova. Depois tive também de queimar todas as cartas que o imperador lhe tinha enviado desde o noivado até aos primeiros dias da Revolução.

Um Dia Na Vida da Família Imperial - Lili Dehn

Às nove da manhã a imperatriz tomava o pequeno-almoço com o imperador; era uma refeição simples à inglesa e depois do pequeno-almoço subia ao andar superior para ver as crianças. Depois chegava a Anna Vyrubova e, se havia reuniões extremamente importantes, normalmente aconteciam de manhã, mas, se a imperatriz estivesse “livre” ia inspeccionar o seu colégio de enfermeiras domésticas que se regia inteiramente por linhas inglesas. Acreditava piamente na qualidade das enfermeiras que recebiam um treino inglês, especialmente para crianças e empenhava-se extensivamente no trabalho e organização desta instituição.

Alexandra com um bebé, provavelmente Alexei

O almoço era à uma hora à semana e ao meio dia e meia aos Domingos, mas quando a imperatriz se sentia indisposta, o que acontecia com frequência, comia no seu boudoir ou apenas na companhia do czarevich. Depois do almoço a imperatriz ia dar uma volta a pé ou passeava numa carruagem aberta. O chá era tomado às cinco da tarde, mas por vezes recebia pessoas entre o almoço e o chá.

Nicolau, Alexandra, Olga e Anastásia com Vitória Melita

A família encontrava-se à hora do chá que era uma ocasião bastante familiar, e o jantar que era servido às oito, era uma ocasião bastante móvel no sentido literal da palavra. O imperador não gostava de comer só numa sala em específico, por isso a mesa era sempre levada para a sala que ele preferisse nessa noite. Depois de jantar (e esta era sempre uma refeição muito simples), a família passava o resto do serão junta e as grã-duquesas, que gostavam muito de puzzles, passavam quase sempre esta altura a trabalhar neles. Por vezes o imperador lia em voz alta para as filhas e para a esposa. Era a vida familiar de uma família unida, mas uma vida que o resto do mundo não estava disposto a aceitar. De facto, um escritor russo não hesitou em afirmar abertamente que “teria sido melhor para a Rússia se a imperatriz tivesse sucumbido a todas as fragilidades atribuídas a Catarina II.” É irónico pensar nesta opinião quando uma pessoa se lembra como os jornais e o publico em geral criticaram a sua associação com Rasputine. Mas se ela tivesse sido como Catarina II, é possível que essa “fragilidade” pudesse ter sido considerada “melhor para a Rússia!”
Nicolau II com os filhos e um oficial


quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Livros - Crónicas dos Czares Russos


Este livro inclui biografias de todos os czares russos desde Ivan III a Nicolau II e é ideal para quem quer ter uma ideia geral sobre a construção e a queda do Império Russo, com imagens, gráficos, tabelas e relatos de cada uma das épocas em primeira pessoa sobre cada um dos czares.

Encontra-se disponível na FNAC por 8 euros.
Também pode ser adquirido no Wook por 6,40 euros.

Um Pretendente no Século XVI

Não foram apenas os Romanov que tiveram pessoas a reclamar a sua identidade. Trezentos anos antes do aparecimento de Anna Anderson em Berlim, um nobre polaco surgiu em Moscovo, afirmando ser o czarevich Dmitri Ivanovich, um dos herdeiros do czar Ivan, o Terrível que tinha morrido em circunstâncias misteriosas dez anos antes.
A morte do czarevich Dmitri
A 15 de Maio de 1691, o meio-irmão mais novo do czar Fiodor I da Rússia, filho mais novo do sétimo casamento do czar Ivan, o Terrível com Maria Nagaya, aparece morto no jardim da sua casa em Uglich. A criança de oito anos foi encontrada com uma ferida fatal na garganta e um punhal por perto. Várias teorias surgiam imediatamente. A mais provável parecia ser a de que Dmitri se tinha ferido acidentalmente com o punhal depois de ter um ataque epiléptico enquanto jogava dardos, um jogo que, na Rússia da época, era jogado com as facas viradas ao contrário, mas muitos boiardos sentiam-se mais tentados a acusar Boris Godunov, o cunhado do czar que tinha uma grande influência no governo e que um dia se viria a tornar imperador da Rússia, de assassinar a criança. Havia ainda os que acreditavam que o suposto assassinato tinha sido obra de nobres polacos e lituanos que queriam conquistar a Rússia.
Boris Godunov
Depois de violentos protestos na cidade onde o czarevich vivia onde a população, que acreditava piamente que Dmitri tinha sido assassinado, queimou quinze pessoas, acusando-as de ser os assassinos, Boris Godunov ordenou que fosse feita uma investigação sobre a sua morte. Depois de ouvir várias testemunhas e de analisar os factos, os investigadores chegaram à conclusão de que a morte tinha sido acidental. A população e a mãe do czarevich aceitaram esta versão dos factos e o corpo foi enterrado sem grande alarido em Uglich.
Palácio onde Dmitri foi assassinado
Cerca de 1600, uma década depois destes acontecimentos e quando a Rússia passava por um período conturbado em que o czar, nesta altura já Boris Godunov, não conseguia controlar nem a população nem os boiardos, aparece um homem que afirma ser o falecido czarevich. A história que promoveu foi a de que a sua mãe tinha previsto que Godunov tentaria assassiná-lo, por isso entregou-o a um médico que o escondeu em vários mosteiros russos. Depois da morte do médico, o pretendente disse ter fugido para a Polónia onde foi professor antes de regressar à Rússia. Algumas pessoas que conheciam Dmitri disseram que o jovem se parecia com ele e tinha ares aristocráticos, sabia andar a cavalo, ler e escrever e falava polaco e russo. Até um dos boiardos que declarou a morte do czarevich Dmitri, Vassili Shuisky, que também seria czar, mudou a sua versão da história, afirmando que o morto tinha sido um amigo de Dmitri que brincava com ele.

Falso Dmitri I, o primeiro dos três que afirmaram ser o filho de Ivan, o Terrível

Apesar das qualidades do jovem, que mais tarde seria conhecido por Falso Dmitri I, a maior parte dos boiardos e a própria mãe do verdadeiro Dmitri não acreditaram que ele fosse a criança falecida dez anos antes o que, apesar de tudo, não impediu que apoiassem a sua pretenção ao trono. A maioria dos boiardos deu-lhe apoio imediato apenas para não pagarem impostos a Boris Godunov que consideravam seu igual e não poderoso o suficiente para ser czar. Além do apoio russo, Dmitri tinha já conseguido promessa de apoio militar por parte da Polónia e da Lituânia. Godunov acabaria por morrer antes do seu adversário conseguir alguma conquista efectiva, mas o seu filho e sucessor, Fiordor II, apanhado numa situação frágil de inicio de reinado, acabaria por ser preso e assassinado juntamente com a sua mãe pelos soldados fieis a Dmitri. O pretendente subiu ao trono no dia 21 de Julho de 1605.


O assassinato de Fiodor II e da sua mãe
Quando chegou ao trono com o nome de Dmitri II, mandou executar toda a família Godunov com a excepção da princesa Xenia Godunova que violou, prendeu e tornou sua comcumbina. Apesar de ser popular nos primeiros tempos do seu reinado, a sua popularidade começou depressa a decrescer devido a rumores fundados de que se tinha convertido secretamente ao catolicismo e planeava diminuir gradualmente o poder da Igreja Ortodoxa, principalmente pela presença de judeus no seu séquio real. Os rumores ganharam ainda mais força quando, em 1606, o czar se casou com Mariana Mniszech, uma nobre polaca católica.

Falso Dmitri I com a sua esposa
A queda de Dmitri foi tão rápida quanto a sua ascenção. Uma crónica da época afirma que, três dias depois do seu casamento, Dmitri mandou que se preparasse vitela assada à moda polaca, algo que fez os seus criados desconfiar seriamente da sua nacionalidade, visto que os russos ortodoxos consideravam a carne de vitela impura e imprópria para comer. A história espalhou-se rapidamente pela cidade, acompanhada de outros rumores mais antigos, de que o czar não tinha barba (quase obrigatória na época na Rússia), que já não ia à igreja, que não benzia perante o ícone de São Nicolau...

Na manhã de 17 de Julho de 1606, duas semanas depois do casamento, o kremlin é invadido por um grupo de boiardos liderados por Vassili Shuisky que, mais uma vez, mandara mudar a sua versão sobre a morte de Dmitri, afirmando que o czarevich tinha realmente morrido. Dmitri tentou fugir da multidão saltando de uma janela, mas partiu uma perna na tentativa, sendo morto pelos boiardos pouco depois.

Últimos momentos do Falso Dmitri I
Depois da morte de Dmitri, Vassili Shuisky tornou-se czar. Mais dois Dmitris apareceriam, o segundo em 1607 e o terceiro em 1612, mas nenhum conseguiu chegar tão longe como o primeiro. Para garantir que mais ninguém se voltaria a fazer passar pelo czarevich, Shuisky ordenou que o seu corpo fosse transladado com grande pompa e circunstância para Moscovo onde se encontra sepultado até aos dias de hoje. Mais tarde seria canonizado pela Igreja Ortodoxa Russa.

Dmitri Ivanovich como santo da Igreja Ortodoxa