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quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Este Jardim do Éden - Os Romanov e a Crimeia - Primeira Parte

Anastásia, Olga, Maria e Tatiana em Oreanda, na Criméia

A família de Alexandre III festejou dois grandes acontecimentos logo em inícios de 1894. Ainda antes do noivado do czarevich, houve o da sua irmã, a grã-duquesa Xenia, com o primo do pai, o grão-duque Alexandre Mikhailovich. Se mais nada tivesse acontecido, este teria sido um ano inesquecível. Mas o passar dos meses trouxe uma reviravolta mais triste. O czar estava a morrer. Alexandre III era um homem grande e forte que ainda não tinha cinquenta anos anos de idade e estava, aparentemente, cheio de vida, o que levava a pensar que fosse provável viver até à década de 1920, mas até os homens mais fortes são derrotados pela doença. Uma doença nos rins, que não foi reconhecida a tempo e era difícil de trtar, começou a afectar o czar no verão de 1894, e o último capítulo da sua vida desenrolou-se em Livadia, na Crimeia, um lugar associado a muitas coisas, tanto boas como más, para a Rússia e a sua família imperial.

 
Alexandre III com a sua família em Livadia, em 1891
"É difícil descrever a grandeza do cenário: algumas partes são completamente selvagens, com montanhas gigantescas sobre nós e águias a pairar sobre elas (...). Passámos por algumas dessas montanhas e depois descemos até aos belos vales. Depois de termos subido durante muito tempo, passámos por um arco antigo e depois, de repente, vimos todo o Mar Negro a estender-se perante os nossos olhos. É a vista mais bonita e surpreendente que se possa imaginar. Nasce quase todo o tipo de fruta nos vales e, na primavera, há uma grande riqueza de flores, rosas e brancas, das macieiras, cerejeiras, pessegueiros, amendoeiras, que transformavam todo o campo num jardim perfumado. No outono, era uma maravilha admirar as muitas frutas douradas. As flores nasciam como se fossem a própria alma da Terra. Nunca vi rosas iguais. Espalhavam-se por todos os edifícios em grandes vinhas, fortes como era, e espalhavam o seu rico aroma pelos relvados e caminhos, numa fragrância que se podia tornar avassaladora."

Ai-Todor, o palácio da família do grão-duque Alexandre Mikhailovich na Crimeia.

Nas memórias da Rússia antiga, a Crimeia é recordada como um lugar de beleza sobrenatural e paz. A península era remota. Mesmo nos últimos anos do império, a viagem de comboio de 2200 quilómetros que a separava de São Petersburgo demorava seis dias e o comboio só chegava até Sevastopol, o que fazia com que os viajantes imperiais tivessem ainda que percorrer as estradas ou andar de barco durante várias horas até chegar às várias casas da família que se espalhavam pela costa. Os czares estavam determinados a manter o seu paraíso intacto. Partilhavam as suas maravilhas com algumas das famílias mais abastadas da Rússia como os Vorontzov, Yusupov, Dolgoruky, etc., que também construíram casas na Crimeia, ao lado das pequenas aldeias tártaras, onde o silêncio só era interrompido pelas rezas diárias do almoadem. Lá, também desfrutavam de um estilo de vida idílico, longe do frio do norte. Também havia aspectos menos ideais, mas os exilados russos queriam apenas recordar a Crimeia pelo seu sol.

Ayu-Dag na Criméia

Catarina, a Grande visitou a península na década de 1790, mas só quarenta anos depois é que um membro da família imperial comprou uma propriedade lá. Em 1825, o czar Alexandre I adquiriu Oreanda, que fiava perto do sudoeste de Ialta, na costa do Mar Negro e, nesse mesmo outono, levou a sua esposa, a czarina Isabel Alexeievna, até lá para mudar de ares. Tal como muitos outros membros da família imperial, Isabel sofria de uma doença crónica nos pulmões. Inicialmente, o casal ficou em Taganrog, na costa sul do Mar de Azov. Depois, algumas semanas mais tarde, Alexandre seguiu até à Crimeia e Oreanda. Numa carta, contou à mãe que o clima era traiçoeiro, uma vez que havia dias extremamente quentes que depois se transformavam em noites com temperaturas muito baixas. Por causa disso, tinha apanhado uma constipação. "Estas pequenas febres são muito comuns na Crimeia e não são muito graves se forem tratadas como deve ser", contou a sua mãe a outra filha, a rainha Ana dos Países Baixos. No entanto, pouco depois de regressar de Taganrog, Alexandre morreu.

O czar Alexandre I, o primeiro Romanov a comprar uma propriedade na Crimeia.

O seu irmão Nicolau visitou Ialta em 1837 e fez planos para desenvolver aquela pequena cidade: tanto ele como a esposa ficaram encantados com a beleza de Oreanda. Nicolau contratou o arquitecto alemão Karl Friedrich Schinkel para desenhar um palácio lá para Alexandra Feodorovna, mas quando o plano foi apresentado, revelou-se de tal forma ambicioso e caro que o czar foi obrigado a chamar Andrei Stackenschneider, o arquitecto de vários palácios e igrejas em São Petersburgo, para tornar o projecto mais modesto. Mesmo assim, o palácio branco de Oreanda, que foi concluído em 1852, era um edifício magnífico que o czar e a sua família esperavam desfrutar durante muitos anos.

O Palácio de Oreanda na época de Nicolau II

Na verdade, acabaram por visitar Oreanda apenas uma vez, no outono de 1852. Em 1853, rebentou a Guerra da Crimeia: as primeiras tropas inimigas desembarcaram na península em 1854 e, apesar das batalhas se terem desenrolado vários quilómetros a oeste do palácio, não era a altura nem o local ideais para umas férias de outono. Após a morte de Nicolau em 1855, Alexandra nunca mais voltou à Crimeia. Quando morreu em 1860, Oreanda passou para as mãos do seu segundo filho, o grão-duque Constantino Nikolaevich. O grão-duque visitou o palácio pela primeira vez em Agosto de 1861, e comemorou o terceiro aniversário do seu filho Constantino Constantinovich nos terraços de Oreanda. O Constantino mais velho adorava Oreanda e o seu cenário dramático, tão diferente da sua casa no norte. Ainda existe uma cruz de metal num dos picos favoritos de Constantino que, segundo dizem, foi lá colocada por ele.

Constantino Nikolaevich com a sua esposa Alexandra Iosifovna e a filha Olga.

No entanto, não demorou muito até o centro de interesse dos Romanov na península desvanecer. Ao mesmo tempo que Constantino Nikolaevich se estabelecia em Oreanda, Alexandre II também se virou para a Crimeia, na esperança de encontrar cura para a sua esposa, cuja fraqueza física o preocupava constantemente. Foi devido ao estado de saúde dela que Alexandre tinha encontrado Sergei Petrovich Botkin, um respeitado professor na Academia de Medicina de São Petersburgo. Botkin acabaria por se tornar no médico pessoal de Alexandre II, acompanhando-o à Bulgária durante a guerra de 1878, mas a parceria quase acabou logo na primeira consulta. Seguindo a etiqueta estabelecida há várias gerações, a czarina Maria Alexandrovna não queria ser examinada sem roupa. O médico ameaçou demitir-se e teve de ser o czar a resolver o problema, conseguindo de forma calma e simples convencer a esposa a deixar os seus velhos escrúpulos.

Sergei Petrovich Botkin

A recomendação do médico para a czarina foi uma visita prolongada, ou até várias, à Crimeia. Ele já estava a usar o clima do sul para ajudar no tratamento de doentes tuberculosos e, seguindo o seu conselho, Alexandre II comprou uma propriedade entre Oreanda e Ialta, onde as pessoas diziam que os pinhais emanavam um ar particularmente saudável. O primeiro dono da propriedade, o coronel Feodosy Revelioti, comandante do batalhão Balaklava grego, tinha-lhe dado o nome de "Livadia" em homenagem à sua casa: "Livadia" vem da palavra grega para "prado". Alexandre ofereceu Livadia a Maria como presente e colocou a administração da propriedade inteiramente nas suas mãos.

Maria Alexandrovna

Livadia recebeu os seus primeiros visitantes imperiais em Agosto de 1861. O czar e a czarina, juntamente com os seus filhos mais novos, Alexei, Maria, Sérgio e Paulo, fizeram a longa viagem para sul, em direção a Sevastopol, onde puderam ver pela primeira vez os locais que se tinham tornado conhecidos durante a Guerra da Crimeia. A cidade ainda estava a recuperar do seu longo cerco: Alexandre colocou a primeira pedra de uma nova catedral dedicada a São Vladimir, onde alguns dos heróis russos da guerra seriam sepultados. Depois, a família embarcou no navio a vapor Tiger e, a 27 de Agosto/7 de Setembro, viu pela primeira vez a sua nova propriedade pouco antes de o navio atracar em Ialta. Ficaram imediatamente cativados com a beleza do cenário, como seria de esperar, uma vez que a paisagem que rodeia Ialta é de tirar a respiração. O edifício, que na altura era apenas uma casa, estava situado muito acima do nível do mar, com as montanhas de Jaila, que protegem a costa do vento do norte, como pano de fundo. A família passou esta primeira visita a explorar Ialta e a zona circundante, a aprender mais sobre a sua essência, as suas tradições e contos populares. Um dos maiores atractivos da Crimeia seria sempre a falta de cerimónia que era possível sentir lá. A família imperial podia conversar com pessoais normais na rua, algo que seria impensável em São Petersburgo, iam à missa nas igrejas locais e até estiveram presentes num casamento tártaro numa aldeia próxima. Para Maria Alexandrovna, aquele local já se tinha tornado na sua "querida Livadia" e tanto ela como o czar decidiram mandar construir um novo edifício para dar resposta às suas necessidades.

Maria Alexandrovna e Alexandre II com os seus três filhos mais novos: Maria, Sérgio e Paulo.

Foi chamado mais um dos arquitectos da moda de São Petersburgo para transformar Livadia. Ippolite Monigetti criou o Grande Palácio: um edifício de madeira com varandas compridas e cobertas, com uma vista deslumbrante para o Mar Negro e uma grande faixa costeira para este, com Ialta protegida pelas montanhas mais abaixo. Foi construído também um palácio mais pequeno para o herdeiro do trono e outras casas para os empregados e Monigetti deu a Livadia uma igreja bizantina, feita em mármore branco. Os jardins foram desenhados segundo um novo plano, com pequenos pavilhões, casas de verão e casas de chá que estavam muito na moda na época. No cimo das montanhas, a cerca de uma hora de distância do palácio principal, o czar mandou construir uma datcha para a sua esposa. "Eriklik" era uma casa de madeira bonita, rodeada de pinheiros, com varandas e terraços onde a czarina podia descansar à sombra ao mesmo tempo que desfrutava das belas vistas dos planaltos e do mar. A datcha demorou dois meses a construir e diz-se que Maria Alexandrovna só passou quinze dias lá, mas os seus filhos e netos preservaram a casa que se tornou num local preferido para fazer piqueniques e para se abrigarem do calor durante caminhadas pela floresta.

O Grande Palácio de Livadia

As visitas a Livadia tornaram-se parte da migração anual da família imperial. Ás vezes, os filhos de Alexandre e Maria eram enviados sozinhos para a Crimeia e, nessas ocasiões, os jovens animados corriam à solta, brincando com cabras montesas domesticadas que causavam estragos nos relvados e canteiros de flores cuidadosamente tratados. Eram a desgraça dos jardineiros e cabia à czarina acalmar os ânimos e restabelecer a ordem. Em 1867, um grupo de americanos, incluindo o escritor Samuel Langhorn Clemens ("Mark Twain"), passou por Ialta no navio a vapor de rodas laterais Quaker City e foi convidado a visitar a família imperial em Livadia. Tiveram a oportunidade de explorar o palácio e ficaram surpreendidos e encantados com a informalidade da sua receção:

"Reunimo-nos no belo jardim, uma vez que não havia espaço na casa que pudesse acomodar confortavelmente as nossas três dezenas de pessoas. A família imperial saiu, a fazer vénias e a sorrir, e pôs-se no meio de nós. A cada vénia, Sua Majestade dizia uma palavra de boas-vindas. Todos tiraram os chapéus e o nosso Cônsul dirigiu-lhe um discurso. A Imperatriz disse os russos adoravam os americanos e que esperava que os russos fossem considerados da mesma forma na América. Depois disto, a Imperatriz foi falar de forma sociável (para uma Imperatriz) com várias senhoras do nosso círculo; vários cavalheiros entraram numa conversa geral desarticulada com o Imperador; e quem quisesse, avançava e falava com a pequena e modesta Grã-Duquesa Maria, a filha do Czar. Tinha o cabelo loiro, olhos azuis e era muito bonita. Toda a gente fala inglês. O Czar usava um boné, uma túnica e não usava jóias nem qualquer insígnia de posição. Nenhum traje podia ser menos ostentoso."

A Imperatriz Maria Alexandrovna e Alexandre II com o Grão-Duque Sérgio Alexandrovich e a Grã-Duquesa Maria Alexandrovna

Esta demonstração de felicidade familiar escondia já o facto incómodo da relação de Alexandre com Ekaterina Dolgorukaya, embora a princesa ainda não o acompanhasse para Livadia e tivesse de se contentar com cartas. Mas a czarita também se encontrava na Crimeia nesse outono e, apercebendo-se da insensibilidade desta situação - principalmente porque Livadia pertencia à sua mulher - Alexandre comprou uma casa separada chamada, na língua tártara, "Biuk Sarai". Assim, todos os anos, no final de agosto, quando a família imperial partia para a Crimeia, Ekaterina seguia a uma distância discreta para a sua própria casa, e foi em Biuk Sarai que nasceram as suas duas filhas.

Em julho de 1880, quatro semanas após a morte de Maria Alexandrovna, Alexandre casou-se em segredo com Ekaterina no Palácio de Catarina, em Czarskoe Selo. Chegou a altura de partir para Livadia, mas só alguns amigos íntimos tinham sido informados do casamento; oficialmente, mais ninguém sabia e, o que quer que soubessem de facto, era preciso continuar a fingir e tornar invisível a presença de uma mulher e três crianças com todos os seus acompanhantes, na viagem e no palácio. Por razões de segurança, dois comboios idênticos fizeram a longa viagem, mudando de posição em cada uma das grandes estações do percurso. O Czar e a sua comitiva apanharam o primeiro comboio em São Petersburgo, enquanto o bebé e a sua ama entraram "despercebidos" no segundo comboio. Entretanto, a própria Ekaterina, as crianças mais velhas e os criados percorreram treze milhas de troika e embarcaram no comboio do Czar na pequena estação rural de Kolpino. Durante o resto da viagem, Ekaterina e as crianças permaneceram na sua carruagem e a entoragem teve de se debater com o incómodo de chegar ao vagão-restaurante sem se cruzar nem serem vistos por ningiuém. Os problemas agravaram-se quando a chegada da entoragem a Livadia coincidiu com uma liturgia em memória da falecida Czarina na capela do palácio. O Czar e a sua comitiva assistiram à cerimónia, enquanto Ekaterina e as crianças se instalaram nos quartos outrora ocupados por Maria Alexandrovna.

Ekatarina Dolgorukaya com os seus dois filhos mais velhos, Jorge e Olga.


Para o casal, demasiado absorvido um pelo outro para se aperceber do que os outros à sua volta sentiam e diziam, estes três meses em Livadia foram um interlúdio feliz de vida familiar, reconhecido abertamente pela primeira vez. No dia 16 de outubro, os cossacos da escolta do Czar realizam o seu desfile anual e Ekaterina apareceu ao lado do marido. Os espectadores ficaram surpreendidos ao verem que o filho de oito anos, Georgi, que ainda não tinha o estatuto de apelido de família, apareceu com o uniforme de cossaco, como se fosse um dos Grão-Duques. Os cortesãos ficaram chocados e preocupados com o futuro, com pena do Czar que lhes parecia estar completamente influenciado pela Princesa, mas para Alexandre e a sua nova família o outono foi um período de intensa felicidade, que nunca mais voltaria.

Após o seu assassinato, na primavera seguinte, Livadia passou para Alexandre III que fez a sua primeira visita à Crimeia como Czar no outono de 1884, com Maria Feodorovna e os seus filhos mais novos, Xénia, Miguel e Olga, viajando de Ialta a bordo do cruzador Yaroslavl. De Ialta dirigiram-se para Livadia, sem nunca preverem a situação embaraçosa que iriam encontrar. "Partimos para Livadia e para a casa do papá", escreveu o czar no seu diário, "onde demos de caras com a princesa Dolgorukaya e os seus filhos nos aposentos da mamã! Mal podia acreditar nos meus olhos e não conseguia compreender onde estava, principalmente  porque Livadia é tão querida aos nossos corações e memórias! Cada coisinha aqui lembrava a nossa querida mamã! A Minny e eu estávamos completamente confusos e estupefactos. Não posso mesmo dizer que a nossa visita a Livadia tenha sido alegre ou agradável; o tempo arrastou-se e houve vários confrontos, mal-entendidos e explicações delicadas, mas no fim as coisas acabaram por correr pelo melhor e espero que agora não haja quaisquer mal-entendidos e que tudo continue como deve ser."

O encontro deve ter sido muito incómodo para ambas as partes uma vez que, depois disso, Ekaterina não voltou a aparecer em Livadia. Em 1892, vendeu Biuk Sarai.

Ekaterina



segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Lembra-te de Coburgo - O Noivado de Nicolau e Alexandra

Membros de várias famílias reais europeias reunidos em Coburgo para o casamento de Ernesto Luís de Hesse com a princesa Vitória Melita, Coburgo, Abril de 1894
O czarevich Nicolau Alexandrovich chegou à maioridade a 6/18 de Maio de 1884, o dia em que completou dezasseis anos de idade e prestou o seu Juramento de Lealdade com grande pompa e circunstância no Palácio de Inverno. "O czarevich vestiu o uniforme azul dos Cossacos da guarda, uma vez que é o seu comandante," escreveu o The Graphic, "tinha um aspecto muito jovem e pequeno para ser o protagonista de uma cerimónia tão grandiosa, mas possui também um rosto alegre e inteligente, e é muito parecido com a mãe. Como na família Romanov, a maioria das pessoas é alta e imponente, a sua estatura baixa parece excepcional. Na igreja, ele caminhou sozinho e com coragem pelo altar e, com a mão direita pousada em cima da Bíblia encrostada de jóias, e da cruz de ouro, repetiu em voz audível e firme, o juramento que o padre lhe ia comunicando e que começava da seguinte forma: 'Em nome de Deus, todo poderoso, e pela a sua santa palavra, juro e prometo servir Sua Majestade Imperial, o meu gracioso pai, bem e de forma sincera', e terminava com: 'o meu coração está em tuas mãos, Senhor, Amén'".

Nicolau II enquanto czarevich
Apenas algumas semanas depois da cerimónia, Nicolau conheceu a jovem com quem se viria a casar. A princesa Alice de Hesse tinha doze anos de idade, e estava na Rússia para assistir ao casamento da sua irmã, Isabel, com o tio de Nicolau, o grão-duque Sérgio Alexandrovich. Alice e Nicolau gostaram imediatamente um do outro e a sua atracção inocente acabaria por florescer para algo mais sério quando a princesa voltou a visitar o país em 1889, altura em que Nicolau decidiu que queria casar com ela e discutiu essa possibilidade com o pai. A sua mãe teria preferido que ele se casasse com uma princesa francesa, mas Nicolau não queria sequer ouvir falar no assunto. Quando viram a determinação do filho, ambos os pais acabaram por ceder e dar a sua bênção a Nicolau. No entanto, com o passar dos meses e dos anos, continuava a haver um obstáculo ao seu casamento. Na primavera de 1894, chegou o momento crítico quando o jovem casal teria de decidir o seu destino, de uma forma ou outra.

Alice em 1885, um ano depois de conhecer Nicolau.
O ano de 1894 começou calmamente na família imperial, sem nenhum sinal de que haveria mudanças nos meses próximos. Alexandre III sentia-se doente, mas ninguém estava demasiado preocupado e as comemorações do Ano Novo continuaram como de costume. O czarevich foi beber com o seu tio Vladimir uma noite em Janeiro e, algumas semanas depois, divertiu-se numa das famosas festas da grã-duquesa Maria Pavlovna que duravam toda a noite. É possível que os Vladimirovich soubessem da infelicidade que o seu sobrinho sentia na sua vida privada. Já há quase cinco anos que ele tentava convencer a princesa Alice de Hesse a casar com ele, mas ela não se sentia preparada para se converter à religião Ortodoxa. No caso da esposa de Nicolau, uma futura czarina, não havia espaço para o tipo de excepções que Alexandre II tinha concedido no seu tempo: a czarina tinha de ser ortodoxa. Nicolau sabia que Alice o amava, mas também que ela tinha prometido ao pai que nunca se iria converter a outra religião, e, quando ele morreu na primavera de 1892, levou consigo toda a possibilidade de discutir o assunto ou de mudar de opinião. Para Alice, o assunto trazia uma onda de emoções dolorosas que ela preferia evitar completamente. Em Junho de 1893, decidiu não estar presente no casamento do seu primo, o duque de Iorque [o futuro rei Jorge V] porque sabia que Nicolau estaria lá. Em Novembro desse ano, enviou-lhe uma carta com a sua recusa final, mas Nicolau não estava pronto para desistir e continuava a esperar a oportunidade de se encontrar com ela para discutir o assunto pessoalmente. O casamento do irmão de Alexandra, Ernesto, estava marcado para Abril de 1894, em Coburgo, e era impossível ela não estar presente.

Alice com o seu pai, o grão-duque Luís IV de Hesse-Darmstadt.
À medida que o dia do casamento se aproximava, Coburgo estava em modo festivo. As ruas vibravam com as cores dos estandartes, bandeiras e coroas de flores, além de dois arcos triunfais que foram construídos no caminho entre a estação e o Schloss Platz, à medida que a pequena cidade se preparava para receber uma festa familiar a grande escala. O casamento da segunda filha do duque Alfredo de Saxe-Coburgo-Gota com o seu primo, o jovem grão-duque Ernesto Luís de Hesse, iria juntar primos, tios e tias da realeza de toda a Europa.

Vitória Melita e Ernesto Luís no dia do seu casamento
De Darmstadt, partiram o noivo, o seu tio Guilherme de Hesse, e Alix: as suas três irmãs mais velhas Vitória, Ella e Irene já estavam todas casadas e iriam juntar-se ao resto da família em Coburgo, assim como os seus maridos, que eram todos parentes do casal directamente e por casamento. O kaiser Guilherme II também partiu de Berlim, juntamente com a sua mãe, a imperatriz-viúva Vitória, a sua irmã Carlota e o marido dela, o duque Bernardo de Saxe-Meiningen (a filha deles, Feodora, era uma das damas-de-honor), o irmão dele, Henrique, marido da princesa Irene de Hesse, a sua prima Maria Luísa e o marido dela, Humberto de Anhalt. A maioria dos convidados iria ficar hospedada no Schloss Ehrenburg, o palácio principal da cidade, onde se iria realizar o casamento.

A família de Hesse-Darmstadt por volta de 1887 (sentados estão a princesa Irene de Hesse-Darmstadt, a grã-duquesa Isabel Feodorovna, a princesa Alice de Battenberg, a princesa Vitória de Battenbergo grão-duque Sérgio Alexandrovich e o grão-duque Luís IV de Hesse. Em pé, o príncipe Ernesto Luís, o príncipe Luís de Battenberg e a princesa Alice de Hesse-Darmstadt).
A 16 de Abril, chegaram os convidados russos. A mãe da noiva era a grã-duquesa Maria Alexandrovna, filha do czar Alexandre II, o que, por si só, já teria sido o suficiente para ter um grande número de convidados Romanov presentes na cerimónia. Oficialmente, o grupo que esteve em Cobrugo era composto pelo grão-duque Vladimir Alexandrovich, a sua esposa Maria Pavlovna, o grão-duque Sérgio Alexandrovich e a sua esposa Isabel, e o grão-duque Paulo Alexandrovich. Não se esperava que o czarevich estivesse presente e ele chegou mesmo a duvidar se deveria ir. No dia marcado para a sua partida, a irmã dele, a grã-duquesa Xenia Alexandrovna, recebeu uma carta de Alice onde ela mais uma vez salientava que nunca se iria converter à Igreja Ortodoxa e onde pedia que a deixassem em paz. A carta foi um golpe terrível para Nicolau, mas a sua mãe insistiu para que ele fosse na mesma e que aproveitasse aquela última oportunidade. Já há vários anos que também Sérgio e Isabel o encorajam, assim como Vladimir e Maria, e a sua mãe também o aconselhou a tentar colocar a velha avó de Alice, a rainha Vitória, do seu lado. O grupo viajou de comboio em três vagões-cama e atravessou a fronteira com a Alemanha nessa mesma noite. Foram recebidos na estação de Coburgo pelo duque e pela duquesa de Saxe-Coburgo-Gota e por três dos seus filhos: Maria (a futura rainha da Roménia), Vitória Melita e Alfredo, que estavam acompanhados também de Ernesto Luís e Alice. Quando os cumprimentos foram todos trocados, o grupo seguiu viagem para o Palais Edinburg, a residência oficial dos duques, onde se realizou um jantar em família e assistiram a uma operetta.

Nicolau e Alexandra em Coburgo por volta de 1900. Com eles estão os grão-duques André, Cyrill e Boris Vladimirovich, assim como o grão-duque Ernesto Luís, a princesa Vitória Melita e o príncipe Nicolau da Grécia e Dinamarca.
Na manhã seguinte, Nicolau teve a conversa com Alix pela qual ansiava e que temia. Ela não estava à espera de o ver chegar à estação com os tios e tias e o seu primeiro instinto tinha sido fugir, mas a grã-duquesa Isabel reagiu rapidamente e convenceu-os a encontrarem-se. Durante duas horas, a família deixou Nicolau e Alix sozinhos nos aposentos de Isabel, mas foi um encontro pouco satisfatório e cheio de lágrimas. "Ela esteve sempre a chorar", escreveu Nicolau à mãe, "e só sussurrava de vez em quando que não podia". Depois do almoço, Nicolau saiu com o grão-duque Sérgio e a grã-duquesa Isabel e, mais tarde, foi dar uma caminhada com o grão-duque Vladimir. À medida que toda a vila de Coburgo se preparava para receber a convidada mais importante de todas, a cabeça do czarevich estava ocupada apenas pelo seu futuro e, embora tenha descrito o momento em que deixou Alix como "mais calmo", no seu diário, é provável que se sentisse desapontado e sem saber o que deveria fazer a seguir.


Alix de Hesse-Darmstadt
Às 16:30, a rainha Vitória chegou de Itália acompanhada do príncipe e da princesa Henrique de Battenberg [a sua filha mais nova, Beatriz, e o marido]. À medida que o comboio abrandava na estação, as nuvens dissiparam-se e a velha senhora lembrou-se imediatamente do momento em que o seu falecido marido, o príncipe Alberto, a tinha levado pela primeira vez a Coburgo, quarenta anos antes. Agora o duque de Coburgo era o filho deles e ela estava prestes a assistir ao casamento de dois dos seus netos que o seu marido nunca tinha conhecido. Foi o duque Alfredo que a recebeu na estação, na companhia da sua esposa e dos seus filhos, incluindo a noiva. O kaiser tinha dado ordens para que um esquadrão do 1.º Corpo de Guardas Dragões da Prússia fosse a guarda-de-honra da rainha, e senhoras vestidas de branco encheram a carruagem de flores à medida que ela passava pelas ruas da vila. À chegada, a rainha teve direito a receber as boas-vindas do presidente da câmara e a uma marcha militar em frente ao Palais Edinburg antes de chegar ao Schloss, onde já se encontravam os convidados prontos para receber a rainha. Nicolau também estava lá, vestido no seu uniforme, e os dois foram apresentados, mas ainda não era a altura ideal para terem uma conversa privada. No entanto, de qualquer forma, a ideia que a mãe dele tinha de que a rainha Vitória o poderia ajudar, estava um quanto desajustada. Por muito que ela gostasse de Nicolau como pessoa, a rainha Vitória tinha muitas dúvidas relativamente a casamentos russos e era sempre contra eles.

Alix (segunda da esquerda) com a avó Vitória, o primo Eduardo Vítor, a tia Beatriz e a irmã Irene.
Na manhã seguinte, Nicolau foi dar uma caminhada de manhã cedo com o grão-duque Vladimir pelo caminho que levava até ao museu de armaduras do Veste, o antigo castelo onde Martinho Lutero tinha procurado abrigo dos seus inimigos. Estava a preparar-se para outro encontro com Alix depois do pequeno-almoço. Ainda marcado pelo encontro do dia anterior, tentou falar o menos possível do assunto de casamento, apesar de lhe ter entregue uma carta da mãe, que tinha a esperança de poder influenciá-la de alguma forma. Alix também estava a ser cada vez mais pressionada pelos membros da sua família. O seu irmão encorajou-a a encontrar-se em privado com Maria Pavlovna, e tanto ele como os outros deram tantas garantias a Nicolau que o jovem apaixonado e desapontado começou a sentir que algo iria correr mal.


Nicolau II
A tarde trouxe o alívio que estava a fazer tanta falta, quando os convidados viajaram até Rosenau, nos arredores da vila, para passar uma tarde relaxante que acabou com um chá. "Divertimo-nos muito quando conseguimos finalmente convencer o lacaio-chefe a cantar duas ou três canções", escreveu Nicolau, "começou a cantar na torre e acabou atrás dos arbustos". O kaiser chegou nessa noite e ficou hospedado em aposentos no Palais Edinburg. Esteve acordado até altas horas da noite a conversar com Nicolau e revelou que também apoiava completamente o plano do casamento e sugeriu que a situação se podia tornar mais fácil para Alix se os russos permitissem uma versão mais suave da fórmula de renúncia arcaica à qual ela se teria de submeter caso decidisse converter-se.

Nicolau II e Guilherme II
A manhã do casamento estava calma e cinzenta, mas os céus não demoraram a abrir e as ruas encheram-se de pessoas, ansiosas por ver a família ducal e a realeza a sair dos palácios que rodeavam a vila até ao Schloss Ehrenburg. Depois da longa conversa que teve com Guilherme na noite anterior, Nicolau chegou atrasado ao pequeno-almoço e teve de ir a pé e sozinho até ao Schloss Ehrenburg, furando entre as multidões que enchiam as ruas. Ás onze da manhã, os noivos fizeram os seus votos civis numa cerimónia discreta realizada no quarto da avó. É provável que a rainha tenha ficado emocionada quando viu Vitória Melita a usar o mesmo véu que a sua filha Alice tinha usado mais de trinta anos antes. Entretanto, os convidados que não faziam parte da realeza e a guarda de honra prussiana iam ocupando os seus lugares na capela, que estava decorada com coroas de galhos de abetos verdes e flores brancas. Pouco depois do meio-dia, a banda que estava instalada no quintal começou a tocar o hino nacional da Alemanha. A música assinalou o início da procissão real, liderada pelo kaiser e pela duquesa de Saxe-Coburgo. Quando estavam todos nos seus lugares, o duque Alfredo levou a sua filha pelo altar da capela juntamente com as suas duas damas-de-honor: a sua irmã Beatriz, que no dia seguinte fazia dez anos de idade, e a princesa Feodora de Saxe-Meiningen, sobrinha do kaiser, de treze anos de idade. Havia cinco clérigos na capela, mas a maior parte da cerimónia foi celebrada pelo capelão da corte de Darmstadt, o Dr. Müller. Os convidados reparam que ele se emocionou com a ocasião e a sua voz estava muito afectada quando deu as bênçãos.



Vitória Melita e Ernesto Luís
Depois da missa, os convidados seguiram para um pequeno-almoço de casamento que se realizou na sala do trono, e às 15:30, a paciência da multidão que esperava desde manhã foi recompensada quando uma carruagem decorada com flores apareceu na Schloss Platz, pronta para levar o jovem casal até à estação. Um grupo da realeza feliz e relaxado despediu-se deles, a rir e a dar vivas entre chuvas de arroz, e ninguém se opôs aos pedidos dos fotógrafos locais para fotografias. Até o príncipe de Gales [futuro rei Eduardo VII] se colocou em fila com os irmãos para ser fotografado. Ernesto Luís levou a sua nova grã-duquesa para casa, em Darmstadt, onde os dois entraram de forma triunfal na manhã seguinte, viajando numa carruagem aberta pelas ruas da cidade, decoradas com bandeiras e coroas de flores. As comemorações continuaram lá durante vários dias. Era a primeira vez que Darmstadt via comemorações daquele calibre desde a morte da princesa Alice, dezasseis anos antes, e o futuro parecia brilhante para o casal.

A rainha Vitória com alguns dos seus filhos (Vitória, imperatriz-viúva da Alemanha, o príncipe Artur, o príncipe Alfredo e o príncipe de Gales) e o neto, o kaiser Guilherme II da Alemanha, no casamento de Vitória Melita e Ernesto Luís.
Em Coburgo, a festa da família também continuava, e a tensão estava a aumentar para o czarevich. Ao longo de toda a missa, não tinha conseguido deixar de pensar em Alix, que estava sentado duas filas atrás dele, perto do altar. A tensão emocional em casamentos era sempre grande, no entanto, para Nicolau, que andava entre a esperança e o desespero, o sermão do Dr. Müller "foi directo ao meu problema. Naquele momento, quis, mais do que tudo, conseguir ver o que vai na alma da Alix". É provável que não se tenha apercebido de que era aquele mesmo clérigo, o capelão da família de Alix, que a tinha convencido várias vezes de que mudar de religião era um pecado. Nessa tarde, Nicolau e o seu tio, o grão-duque Vladimir, deram um passeio a pé até ao Veste e passaram muito tempo a explorar a sala das armas. Houve um pequeno jantar de família no Palais Edinburg e, depois, os dois foram ao teatro a pé, a correr para tentar fugir à chuva que tinha começado a cair.

Alix, Vladimir Alexandrovich, Maria Pavlovna e Nicolau II
Na manhã seguinte, dia 20 de Abril, os pesos pesados foram tentar convencer Alix. O kaiser, seu primo, teve uma conversa em privado com ela antes de a acompanhar até ao Palais Edinburg para se encontrar com a grã-duquesa Maria Pavlovna. Seria difícil imaginar uma situação mais icónica do que esta: a imperatriz-viúva da Alemanha, Vitória, estava muito divertida com o papel que o seu filho, o kaiser, estava a ter no assunto, uma vez que, poucos anos antes, tinha visto a conversão da sua irmã, a princesa Sofia, à Igreja Ortodoxa Grega como um pecado mortal. Maria Pavlovna também se tinha gabado abertamente do facto de se ter recusado a converter quando se casou com um Romanov. Mas nenhum deles tinha a capacidade de se rir das suas próprias inconsistências: neste caso a única coisa que queriam era ficar com a melhor imagem possível junto do jovem que, um dia, iria governar a Rússia, e da sua futura esposa, e essa era a única coisa que conseguiam ver. Às dez da manhã, o kaiser deixou Alix com Maria e, pouco depois, as duas mulheres juntaram-se ao resto do grupo russo: depois, todos se retiraram para uma sala ao lado, deixando Nicolau e Alix sozinhos. Finalmente, Alix cedeu e aceitou a proposta de Nicolau.

Alix e Nicolau no dia do seu noivado, em Coburgo.
A tensão dos dias anteriores evaporou-se imediatamente. "Para mim, o mundo inteiro mudou", escreveu Nicolau "a natureza, a humanidade, tudo. E tudo parece ser bom e cheio de amor e felicidade. Nem sequer conseguia escrever, as minhas mãos tremiam tanto". Todos os pormenores desse dia ficaram para sempre gravados nas suas memórias, e foram recordados várias vezes ao longo dos anos:

"Sabes que guardei o vestido de princesa cinzento que usei naquela manhã?"

"Tanto quanto me lembro, houve um concerto em Coburgo nessa noite e havia uma banda da Baviera a tocar. O pobre tio Alfredo estava tão cansado à hora do jantar que estava sempre a deixar cair a bengala com um grande estrondo. Lembras-te?"

"Ainda sinto o tecido do teu fato cinzento, o cheiro dele quando estávamos sentados naquela janela no castelo em Coburgo. Lembro-me de tudo muito nitidamente. Daqueles doces beijos com os quais tinha sonhado durante tantos e tantos anos e que pensei que nunca conseguiria ter".

"Lembra-te de Coburgo e de tudo o que passámos".

 
Fotografia de noivado de Nicolau e Alix
Havia uma pessoa que não fazia ideia de que tudo isto estava a acontecer e, caso Alix quisesse realmente recusar o pedido de Nicolau, poderia ter recorrido directamente a ela para pedir ajuda: a sua avó, a rainha Vitória. A velha rainha tinha feito todos os possíveis para encontrar um marido inglês ou alemão para a sua neta e ficou admirada quando a grã-duquesa Isabel a foi visitar ao seu quarto pouco depois do pequeno-almoço e lhe deu a notícia do noivado. Ainda com lágrimas de felicidade no rosto, Isabel abriu a porta e deixou entrar o casal feliz. No entanto, apesar das suas reservas, a rainha aceitou o que tinha acontecido e ficou bastante comovida com a atitude de Nicolau e a sua alegria óbvia. Um grupo de jornalistas interceptou o kaiser quando ele passava pela Schloss Platz a caminho de uma visita ao duque e à duquesa de Saxe-Coburgo-Gota e também ele "parecia rebentar de felicidade" quando lhes deu a notícia. Quando acabou o encontro com a rainha, o jovem casal regressou ao Palais Edinburg para um almoço de família e uma missa de acção de graças celebrada na capela privada da duquesa de Saxe-Coburgo-Gota, que tinha mantido a sua religião ortodoxa depois de se casar com o príncipe Alfredo.

Nicolau e Alix
Os acontecimentos daquela manhã devem ter ofuscado por completo as restantes comemorações do dia. A princesa Beatriz de Saxe-Coburgo-Gota fazia dez anos de idade e tinha sido organizado um baile no Rosenau para essa tarde, no qual estiveram presentes quase todos os convidados. Nicolau esteve presente, embora tenha preferido trocar as danças por um passeio a sós com Alix pelos jardins. Foram chamados fotógrafos para registar o noivado, e tiraram algumas das fotografias mais conhecidas tanto do casal a sós como com o restante grupo.

A princesa Beatriz de Saxe-Coburgo-Gota.
A partir de então, os dias passaram a correr, numa roda viva de jantares, concertos,  passeios e, no caso de Nicolau e Alexandra, uma montanha de telegramas para responder. O kaiser partiu no dia do noivado, mas sem antes tirar uma série de fotografias de grupo no jardim do Palais Edinburg, com a mãe e a avó no centro. Quando estava em Coburgo, os pensamentos da rainha nunca se desviavam muito do príncipe Alberto e ela tinha tirado algum tempo para visitar os locais que ele lhe tinha apresentado muitos anos antes. Antes de o grupo se separar, também deu um jantar e o concerto para as três gerações dos seus descentes, a maioria dos quais nunca tinha conhecido Alberto. No dia 22, houve mais uma celebração em família: era o dia do nome do grão-duque Vladimir e os russos deram-lhe presentes de manhã, antes de ele e a sua esposa partirem para São Petersburgo, levando consigo, com muito orgulho, cartas da parte de Nicolau e Alix para o czar e para a czarina.

A conhecida fotografia da rainha Vitória e da sua família tirada no dia de noivado de Nicolau e Alexandra.
Na Rússia, a notícia do noivado foi recebida com alegria e com um grande sentimento de alívio. "Não há palavras para descrever o prazer e grande alegria com os quais recebi a notícia!", escreveu a czarina ao seu filho, "Quase desmaiei de alegria! (...) Tínhamos esperado com um sentimento tão grande de desespero quando foste para aí que tinha o coração a sangrar quando te vi partir, e os meus pensamentos e orações nunca te abandonaram". O czar também lhe escreveu alguns dias depois: "tenho de admitir que não acreditei que este desfecho fosse possível e tinha a certeza que a tentativa ia falhar por completo, mas o Senhor guiou-te, deu-te força e abençoou-te, e agradeço-Lhe muito pela sua misericórdia. Quem me dera que tivesses visto a alegria e júbilo com que todos receberam a notícia". O seu primo, o grão-duque Constantino, esteve na missa do Domingo de Ramos em Gatchina a 11/22 de Abril e escreveu no seu diário: "Já não via a imperatriz tão radiante há muito tempo. O noivado do Nicky foi uma alegria para todos os russos que já há muito que esperavam que ele assentasse na vida de casado". Estavam todos ansiosos por voltar a ver o czarevich e dar-lhe os parabéns em pessoa, mas, ao contrário dos tios, ele não ia regressar directamente para a Rússia.

Alexandre III, Maria Feodorovna e Xenia
Após as emoções daqueles dias, Alix estava ansiosa por voltar a ver o irmão e voltar para casa, por isso, às 16:30 de dia 22 de Abril, apanhou o comboio para Darmstadt na companhia de Nicolau, das irmãs e dos cunhados, o grão-duque Sérgio e o príncipe Luís de Battenberg. "Fomos recebidos de forma trinfal", escreveu Nicolau "a Ducky [Vitória Melita] e o Ernie foram os nossos anfitriões pela primeira vez. Havia uma guarda de honra, um escolta, iluminações e multidões de pessoas. Comemos a ceia assim que chegámos ao palácio, porque estávamos cheios de fome". A estadia em Darmstadt foi curta. Na manhã seguinte, a família tomou o pequeno-almoço junta e Alix e Nicolau passaram mais algum tempo a responder a telegramas. Visitaram o mausoléu da família no Rosenhöhe, onde estavam sepultados os pais de Alix, e, depois do almoço, houve mais uma sessão fotográfica antes de apanharem novamente o comboio para Coburgo.

Nicolau e Alexandra com a família em Damstadt, Abril de 1894
O casal só passou mais uma semana juntos, rodeado pela família. Inicialmente, o tempo esteve bom e os dois puderam passear, andar a cavalo, visitar o Rosenau e encontrar-se em privado com a rainha. No caso de Nicolau, também houve as missas e cerimónias tradicionais da Páscoa ortodoxa. A sua tia deu-lhe autorização para sair do palácio e ficar numa residência mais pequena e mais perto de Alix, e os dois viram-se tantas vezes quanto foi possível. Além da sua felicidade, Nicolau também falou sobre um novo sentimento no seu diário: "é tão estranho poder passear de carruagem e a pé sozinho com ela, sem me sentir envergonhado de todo, como se isso não tivesse nada de anormal". No entanto, tudo tem um fim. A rainha Vitória partiu para Inglaterra a 28 de Abril, às seis da tarde, e, a 2 de Maio, chegou o dia de Nicolau e Alix se separarem. Ela deixou Coburgo pouco depois do meio-dia, para regressar a Damstadt, e, depois, para ir até Inglaterra, a convite da avó. Ele passou mais algumas horas com a família, antes de apanhar o comboio das nove para a Rússia, sendo o último convidado do casamento a partir. Partiram os dois, cada um com as suas memórias, esperanças e planos, mas uma coisa era certa: iriam lembrar-se de Coburgo durante muito tempo.

Nicolau e Alexandra
Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Chalotte Zeepvat

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Atrás da Imperatriz - A Grã-Duquesa Maria Pavlovna - Segunda Parte

Maria Pavlovna
É muito provável que, por vezes, Maria se sentisse isolada na Rússia, mas não fazia parte da sua personalidade mostrar isso. Em vez disso, dedicou-se à organização de festas luxuosas e caras e fez amizade com membros da comunidade diplomática e outros estrangeiros que viviam na cidade. Foi a primeira senhora da família imperial a receber divorciados no seu salão: os nouveau riche, as pessoas que estavam na moda e os actores, artistas e escritores que Vladimir conhecia na sua posição de presidente da Academia Imperial das Artes, encontravam todos lugar na sua mesa, onde as conversas eram inteligentes e divertidas e, muitas vezes, tinham um certo tom de vingança.

Vladimir Alexandrovich e Maria Pavlovna
Dentro da família imperial, Maria adoptou os ressentimentos do marido e sentia que eles deviam ser também seus. Ninguém podia acusar Maria de facilitar a paz. Vladimir envejava o irmão por ele ser czarevich e ter óptimas perspectivas de chegar ao poder. As sombras desta rivalidade vinham já desde a infância. Em Março de 1855, algumas semanas após a subida do marido ao trono, Maria Alexandrovna contou a uma das suas damas-de-companhia que tinha ouvido uma conversa preocupante entre os seus filhos. Tinha ouvido o czarevich Nicolau a dizer a Vladimir, na altura com cinco anos de idade, "quando fores czar (...)". Maria interrompeu-o. "Sabes perfeitamente que o Vladimir nunca será czar". "Não,  ele vai ser czar", respondeu Nicolau, "o nome dele significa 'governante do mundo'". A mãe dos rapazes explicou-lhes que a sucessão tinha a ver com a ordem de nascimento e não com os nomes, mas Nicolau não desistiu da sua ideia: "o avô era o terceiro filho e tornou-se czar. Eu vou morrer, depois o Sasha vai-me suceder. Mas o Sasha também vai morrer e depois será a vez do Vladimir".

Sasha (o futuro czar Alexandre III) com o seu irmão Vladimir Alexandrovich.
Não passavam de conversas de crianças, mas a czarina ficou arrepiada quando ouviu estas palavras saírem da boca de alguém tão novo. A ideia tornou-se mais séria quando Nicolau morreu mesmo e Alexandre se tornou czarevich. Vladimir ficou mais perto do que nunca de chegar ao trono quando Alexandre anunciou a sua intenção de renunciar ao trono para se casar com Marie Mescherskaya: se tivesse mesmo seguido o seu coração, Vladimir teria ocupado o seu lugar de czarevich e, depois, poderia suceder ao pai como czar. É possível que Vladimir tivesse ressentido o seu azar e, à medida que se foi afastando cada vez mais do trono com o nascimento dos filhos do czar, a sua desilusão deve ter aumentado consideravelmente. Por isso, com o passar dos anos, a relação entre os dois irmãos foi piorando cada vez mais e, quando Maria Feodorovna se juntou à mistura, a brecha tornou-se num precipício. Além de Maria Pavlovna, a esposa de Alexandre era a única mulher jovem na família directa do czar depois de a sua filha partir para Inglaterra quando se casou. Era seis anos mais velha do que Maria Pavlovna e também tinha conseguido estabelecer a sua posição e tornar-se popular. Além disso, não gostava de alemães. Não demorou muito até que as duas jovens, as mulheres que ocupavam a segunda e a terceira posições mais importantes na corte, começarem a sentir uma certa rivalidade uma pela outra.

Maria Feodorvna
Enquanto Alexandre II estava vivo, conseguiu controlar todas as rivalidades na sua família, mas o desconforto que os irmãos sentiam um pelo outro veio à tona na altura do assassinato do pai: quando o czar estava moribundo no seu escritório, foi Vladimir que controlou a situação e deu as ordens necessárias, uma vez que, nos primeiros momentos após a tragédia, o czarevich ficou sem reacção. Desde a infância que tinha sido Vladimir a dominar Alexandre e era provável que pensasse que esse domínio iria continuar. Mas estava enganado. Quando Alexandre III assumiu o poder e a poeira assentou, tornou-se claro que as coisas nunca mais voltariam a ser as mesmas.

Alexandre Alexandrovich e Vladimir Alexandrovich
O novo czar impôs a sua vontade à família, introduzindo uma série de alterações aos Estatutos da Família de modo a redefinir os seus direitos, títulos e até os seus rendimentos. Estas medidas faziam sentido e muita gente as apoiou, no entanto Vladimir era contra elas. Alexandre exigiu lealdade e recebeu-a, pelo menos em palavras, no entanto, é mais fácil desobedecer a um irmão do que a um pai. No dia da coroação de Alexandre, Vladimir foi nomeado comandante das forças militares na zona de São Petersburgo, apesar de não gostar particularmente da vida militar. Embora não houvesse um confronto directo entre os dois, o desconforto que ambos os casais sentiam um pelo outro tornou-se cada vez mais palpável.

Maria Feodorovna e Alexandre III
Vários anos mais tarde, esta fricção iria contribuir para a queda da monarquia, mas na década de 1880, não passava de um tópico divertido para as más-línguas da corte. Em 1888, o comboio imperial descarrilou em Borki quando o czar e a sua família se encontravam a bordo. Alexandre e os três filhos escaparam por pouco. Quando o czar surgiu por entre os escombros, a primeira coisa que terá dito foi: "imaginem qual não vai ser a desilusão do Vladimir". Um ano depois, rebentou um escândalo devido ao desaparecimento de fundos angariados em peditórios públicos para a construção de uma igreja em memória de Alexandre II. Vladimir presidia a comissão responsável pela obra há cinco anos e tornou-se suspeito de estar envolvido no desaparecimento dos fundos. As pessoas chamavam a atenção para as obras de redecoração que estavam a realizar-se no Palácio de Vladimir e os rumores foram-se espalhando. Sem consultar o irmão, Alexandre instaurou um inquérito através do qual se descobriu que o responsável pelo desfalque tinha sido o secretário da comissão que foi a julgamento, mesmo apesar de Vladimir o tentar proteger. Do lado de fora, Maria Feodorovna e Maria Pavlovna iam incentivando os respectivos maridos a levar a sua em diante.

Vladimir Alexandrovich e Maria Pavlovna
As suas diferenças não eram políticas. Vladimir não sentia mais afinidade pelas políticas do pai do que Alexandre, e Maria era tudo menos liberal. Tratava-se mais de uma questão de estilo e feitio. A família imperial, as famílias aristocráticas mais antigas da Rússia e todos aqueles que, tradicionalmente, prestavam serviços à corte, sentiam-se mais próximos de Alexandre III e de Maria Feodorovna. Os Vladimirovich eram mais arrojados e modernos. Durante as suas visitas a Paris e à Riviera Francesa, Maria tinha ganho um certo gosto pelos jogos de apostas e tinha até uma roleta na sua sala privada. As suas festas eram fabulosas e envolviam grandes gastos e preparativos. Na década de 1880, Maria organizou um baile de máscaras que ficou para a história. Para o preparar, Maria requisitou todos os livros relacionados com o tema da Biblioteca da Academia das Artes vários meses antes e exigiu que os seus convidados se vestissem rigorosamente de boiardos antigos. Não gostava nada de caminhar, mas dançava com gosto e entusiasmo e precisava de estar sempre no centro das atenções. Enquanto as pessoas estivessem a admirá-la, ela sentia-se feliz. Quando lhe pediam para receber e proteger alguém mais jovem e de origens mais humildes, era sempre gentil. Uma das filhas da grã-duquesa Olga Constantinovna, a princesa Maria da Grécia e Dinamarca, que visitou a Rússia pela primeira vez na década de 1889, recordou Maria Pavlovna como "a mulher mais charmosa que alguma vez conheci".

Maria Pavlovna
Os críticos diziam que Maria só se interessava pelas coisas boas da vida, mas ninguém se interessava pelo lado mais sério da sua personalidade. A correspondência que trocava com diplomatas e políticos por toda a Europa acabou por lhe causar ainda mais problemas. Alexandre III partilhava com a esposa um desdém pelos alemães enquanto que os Vladimirovich eram vistos como favoráveis ao país. Quando a polícia secreta descobriu que Maria trocava correspondência com Bismark, o czar ficou furioso e obrigou-a a parar de o fazer. Vladimir ficou indignado com a ordem, mas a suspeita de que ela não era leal, ou, pior ainda, uma agente da Alemanha, ficaria associada a ela durante muitos anos e não eram só os russos que acreditavam nessa possibilidade. Em 1884, o seu primo em segundo-grau, o kaiser Guilherme II, visitou São Petersburgo e contou ao seu avô que "a grã-duquesa Vladimir (...) faz maravilhas pela causa alemã".

Maria Pavlovna
Dez anos depois do seu casamento, Maria continuava a ser vista como uma estranha. Parecia desfrutar da sua posição e exercê-la com toda a dedicação. No entanto, há uma pista que mostra que o seu isolamento a magoava profundamente. Nem sequer Vladimir partilhava a sua religião, mas mesmo assim ela desafiava todas as convenções e ia à missa protestante em São Petersburgo sozinha. No entanto, em 1884, Maria ganhou duas possíveis aliadas. Isabel de Saxe-Altemburgo e Isabel "Ella" de Hesse-Darmstadt, casaram-se com membros da família Romanov nesse ano e ambas se recusaram a converter à Igreja Ortodoxa.

Maria Pavlovna rodeada das suas damas-de-companhia
Deve ter sido muito importante para Maria receber estes dois novos membros da família e sentir que elas estavam a seguir os seus passos. Ella foi a que mais se aproximou dos Vladimirovich. Era sobrinha de Maria Alexandrovna e conhecia Maria e Vladimir desde que nascera. Devia lembrar-se de como a sua mãe, a princesa Alice, tinha defendido Maria Pavlovna quando ela tinha decidido manter a sua religião. No entanto, em 1891, sete anos depois do casamento, Ella decidiu converter-se à Igreja Ortodoxa e uma das suas maiores preocupações foi não magoar Maria. Pediu mesmo ao pai para manter a notícia em segredo até que ela tivesse oportunidade de comunicar a sua decisão pessoalmente a Maria uma vez que "ela vai ficar muito triste, mas quero que ela saiba antes que se comece a falar muito nisto, para que a magoar o menos possível". No entanto, Maria ficou mesmo magoada e sentiu-se traída. Nunca perdoou Ella pela sua decisão.

Isabel Feodorovna
Era raro uma grã-duquesa mostrar-se tão vulnerável. A adolescente obstinada que tinha brincado com o pobre Jorge de Schwarzburg tinha-se tornado uma das jogadoras mais dinâmicas e interessantes no palco real, com contactos por toda a Europa. Na posição de segunda dama mais importante da corte, estava atrás da czarina em ocasiões oficiais, mas a sua corte era o local que estava mais na moda na altura. No entanto, durante a década de 1890, as coisas começaram a mudar. Os três filhos do czar, Nicolau, Jorge e Miguel estavam a crescer e, se os acontecimentos se desenrolassem como seria de esperar, o mais provável era casarem. Quando o fizessem, a posição de Maria iria perder importância. Esse era o maior medo e o que mais a preocupava.

Maria Pavlovna em 1895
A não ser que... Maria Feodorovna era uma mãe possessiva que não iria gostar de partilhar os filhos quando chegasse a altura de se casarem. Se, no futuro, Maria conseguisse atrair a esposa do czarevich para o seu circulo, orientar os seus primeiros passos na sociedade russa, poderia dar um significado completamente diferente às palavras "atrás da imperatriz".

Nicolau II, Maria Pavlovna, Vladimir Alexandrovich e Alexandra Feodorovna
Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat