Anastásia, Olga, Maria e Tatiana em Oreanda, na Criméia |
A família de Alexandre III festejou dois grandes acontecimentos logo em inícios de 1894. Ainda antes do noivado do czarevich, houve o da sua irmã, a grã-duquesa Xenia, com o primo do pai, o grão-duque Alexandre Mikhailovich. Se mais nada tivesse acontecido, este teria sido um ano inesquecível. Mas o passar dos meses trouxe uma reviravolta mais triste. O czar estava a morrer. Alexandre III era um homem grande e forte que ainda não tinha cinquenta anos anos de idade e estava, aparentemente, cheio de vida, o que levava a pensar que fosse provável viver até à década de 1920, mas até os homens mais fortes são derrotados pela doença. Uma doença nos rins, que não foi reconhecida a tempo e era difícil de trtar, começou a afectar o czar no verão de 1894, e o último capítulo da sua vida desenrolou-se em Livadia, na Crimeia, um lugar associado a muitas coisas, tanto boas como más, para a Rússia e a sua família imperial.
Alexandre III com a sua família em Livadia, em 1891 |
Ai-Todor, o palácio da família do grão-duque Alexandre Mikhailovich na Crimeia. |
Nas memórias da Rússia antiga, a Crimeia é recordada como um lugar de beleza sobrenatural e paz. A península era remota. Mesmo nos últimos anos do império, a viagem de comboio de 2200 quilómetros que a separava de São Petersburgo demorava seis dias e o comboio só chegava até Sevastopol, o que fazia com que os viajantes imperiais tivessem ainda que percorrer as estradas ou andar de barco durante várias horas até chegar às várias casas da família que se espalhavam pela costa. Os czares estavam determinados a manter o seu paraíso intacto. Partilhavam as suas maravilhas com algumas das famílias mais abastadas da Rússia como os Vorontzov, Yusupov, Dolgoruky, etc., que também construíram casas na Crimeia, ao lado das pequenas aldeias tártaras, onde o silêncio só era interrompido pelas rezas diárias do almoadem. Lá, também desfrutavam de um estilo de vida idílico, longe do frio do norte. Também havia aspectos menos ideais, mas os exilados russos queriam apenas recordar a Crimeia pelo seu sol.
Ayu-Dag na Criméia |
Catarina, a Grande visitou a península na década de 1790, mas só quarenta anos depois é que um membro da família imperial comprou uma propriedade lá. Em 1825, o czar Alexandre I adquiriu Oreanda, que fiava perto do sudoeste de Ialta, na costa do Mar Negro e, nesse mesmo outono, levou a sua esposa, a czarina Isabel Alexeievna, até lá para mudar de ares. Tal como muitos outros membros da família imperial, Isabel sofria de uma doença crónica nos pulmões. Inicialmente, o casal ficou em Taganrog, na costa sul do Mar de Azov. Depois, algumas semanas mais tarde, Alexandre seguiu até à Crimeia e Oreanda. Numa carta, contou à mãe que o clima era traiçoeiro, uma vez que havia dias extremamente quentes que depois se transformavam em noites com temperaturas muito baixas. Por causa disso, tinha apanhado uma constipação. "Estas pequenas febres são muito comuns na Crimeia e não são muito graves se forem tratadas como deve ser", contou a sua mãe a outra filha, a rainha Ana dos Países Baixos. No entanto, pouco depois de regressar de Taganrog, Alexandre morreu.
O czar Alexandre I, o primeiro Romanov a comprar uma propriedade na Crimeia. |
O seu irmão Nicolau visitou Ialta em 1837 e fez planos para desenvolver aquela pequena cidade: tanto ele como a esposa ficaram encantados com a beleza de Oreanda. Nicolau contratou o arquitecto alemão Karl Friedrich Schinkel para desenhar um palácio lá para Alexandra Feodorovna, mas quando o plano foi apresentado, revelou-se de tal forma ambicioso e caro que o czar foi obrigado a chamar Andrei Stackenschneider, o arquitecto de vários palácios e igrejas em São Petersburgo, para tornar o projecto mais modesto. Mesmo assim, o palácio branco de Oreanda, que foi concluído em 1852, era um edifício magnífico que o czar e a sua família esperavam desfrutar durante muitos anos.
O Palácio de Oreanda na época de Nicolau II |
Na verdade, acabaram por visitar Oreanda apenas uma vez, no outono de 1852. Em 1853, rebentou a Guerra da Crimeia: as primeiras tropas inimigas desembarcaram na península em 1854 e, apesar das batalhas se terem desenrolado vários quilómetros a oeste do palácio, não era a altura nem o local ideais para umas férias de outono. Após a morte de Nicolau em 1855, Alexandra nunca mais voltou à Crimeia. Quando morreu em 1860, Oreanda passou para as mãos do seu segundo filho, o grão-duque Constantino Nikolaevich. O grão-duque visitou o palácio pela primeira vez em Agosto de 1861, e comemorou o terceiro aniversário do seu filho Constantino Constantinovich nos terraços de Oreanda. O Constantino mais velho adorava Oreanda e o seu cenário dramático, tão diferente da sua casa no norte. Ainda existe uma cruz de metal num dos picos favoritos de Constantino que, segundo dizem, foi lá colocada por ele.
Constantino Nikolaevich com a sua esposa Alexandra Iosifovna e a filha Olga. |
No entanto, não demorou muito até o centro de interesse dos Romanov na península desvanecer. Ao mesmo tempo que Constantino Nikolaevich se estabelecia em Oreanda, Alexandre II também se virou para a Crimeia, na esperança de encontrar cura para a sua esposa, cuja fraqueza física o preocupava constantemente. Foi devido ao estado de saúde dela que Alexandre tinha encontrado Sergei Petrovich Botkin, um respeitado professor na Academia de Medicina de São Petersburgo. Botkin acabaria por se tornar no médico pessoal de Alexandre II, acompanhando-o à Bulgária durante a guerra de 1878, mas a parceria quase acabou logo na primeira consulta. Seguindo a etiqueta estabelecida há várias gerações, a czarina Maria Alexandrovna não queria ser examinada sem roupa. O médico ameaçou demitir-se e teve de ser o czar a resolver o problema, conseguindo de forma calma e simples convencer a esposa a deixar os seus velhos escrúpulos.
Sergei Petrovich Botkin |
A recomendação do médico para a czarina foi uma visita prolongada, ou até várias, à Crimeia. Ele já estava a usar o clima do sul para ajudar no tratamento de doentes tuberculosos e, seguindo o seu conselho, Alexandre II comprou uma propriedade entre Oreanda e Ialta, onde as pessoas diziam que os pinhais emanavam um ar particularmente saudável. O primeiro dono da propriedade, o coronel Feodosy Revelioti, comandante do batalhão Balaklava grego, tinha-lhe dado o nome de "Livadia" em homenagem à sua casa: "Livadia" vem da palavra grega para "prado". Alexandre ofereceu Livadia a Maria como presente e colocou a administração da propriedade inteiramente nas suas mãos.
Maria Alexandrovna |
Livadia recebeu os seus primeiros visitantes imperiais em Agosto de 1861. O czar e a czarina, juntamente com os seus filhos mais novos, Alexei, Maria, Sérgio e Paulo, fizeram a longa viagem para sul, em direção a Sevastopol, onde puderam ver pela primeira vez os locais que se tinham tornado conhecidos durante a Guerra da Crimeia. A cidade ainda estava a recuperar do seu longo cerco: Alexandre colocou a primeira pedra de uma nova catedral dedicada a São Vladimir, onde alguns dos heróis russos da guerra seriam sepultados. Depois, a família embarcou no navio a vapor Tiger e, a 27 de Agosto/7 de Setembro, viu pela primeira vez a sua nova propriedade pouco antes de o navio atracar em Ialta. Ficaram imediatamente cativados com a beleza do cenário, como seria de esperar, uma vez que a paisagem que rodeia Ialta é de tirar a respiração. O edifício, que na altura era apenas uma casa, estava situado muito acima do nível do mar, com as montanhas de Jaila, que protegem a costa do vento do norte, como pano de fundo. A família passou esta primeira visita a explorar Ialta e a zona circundante, a aprender mais sobre a sua essência, as suas tradições e contos populares. Um dos maiores atractivos da Crimeia seria sempre a falta de cerimónia que era possível sentir lá. A família imperial podia conversar com pessoais normais na rua, algo que seria impensável em São Petersburgo, iam à missa nas igrejas locais e até estiveram presentes num casamento tártaro numa aldeia próxima. Para Maria Alexandrovna, aquele local já se tinha tornado na sua "querida Livadia" e tanto ela como o czar decidiram mandar construir um novo edifício para dar resposta às suas necessidades.
Maria Alexandrovna e Alexandre II com os seus três filhos mais novos: Maria, Sérgio e Paulo. |
Foi chamado mais um dos arquitectos da moda de São Petersburgo para transformar Livadia. Ippolite Monigetti criou o Grande Palácio: um edifício de madeira com varandas compridas e cobertas, com uma vista deslumbrante para o Mar Negro e uma grande faixa costeira para este, com Ialta protegida pelas montanhas mais abaixo. Foi construído também um palácio mais pequeno para o herdeiro do trono e outras casas para os empregados e Monigetti deu a Livadia uma igreja bizantina, feita em mármore branco. Os jardins foram desenhados segundo um novo plano, com pequenos pavilhões, casas de verão e casas de chá que estavam muito na moda na época. No cimo das montanhas, a cerca de uma hora de distância do palácio principal, o czar mandou construir uma datcha para a sua esposa. "Eriklik" era uma casa de madeira bonita, rodeada de pinheiros, com varandas e terraços onde a czarina podia descansar à sombra ao mesmo tempo que desfrutava das belas vistas dos planaltos e do mar. A datcha demorou dois meses a construir e diz-se que Maria Alexandrovna só passou quinze dias lá, mas os seus filhos e netos preservaram a casa que se tornou num local preferido para fazer piqueniques e para se abrigarem do calor durante caminhadas pela floresta.
O Grande Palácio de Livadia |
As visitas a Livadia tornaram-se parte da migração anual da família imperial. Ás vezes, os filhos de Alexandre e Maria eram enviados sozinhos para a Crimeia e, nessas ocasiões, os jovens animados corriam à solta, brincando com cabras montesas domesticadas que causavam estragos nos relvados e canteiros de flores cuidadosamente tratados. Eram a desgraça dos jardineiros e cabia à czarina acalmar os ânimos e restabelecer a ordem. Em 1867, um grupo de americanos, incluindo o escritor Samuel Langhorn Clemens ("Mark Twain"), passou por Ialta no navio a vapor de rodas laterais Quaker City e foi convidado a visitar a família imperial em Livadia. Tiveram a oportunidade de explorar o palácio e ficaram surpreendidos e encantados com a informalidade da sua receção:
"Reunimo-nos no belo jardim, uma vez que não havia espaço na casa que pudesse acomodar confortavelmente as nossas três dezenas de pessoas. A família imperial saiu, a fazer vénias e a sorrir, e pôs-se no meio de nós. A cada vénia, Sua Majestade dizia uma palavra de boas-vindas. Todos tiraram os chapéus e o nosso Cônsul dirigiu-lhe um discurso. A Imperatriz disse os russos adoravam os americanos e que esperava que os russos fossem considerados da mesma forma na América. Depois disto, a Imperatriz foi falar de forma sociável (para uma Imperatriz) com várias senhoras do nosso círculo; vários cavalheiros entraram numa conversa geral desarticulada com o Imperador; e quem quisesse, avançava e falava com a pequena e modesta Grã-Duquesa Maria, a filha do Czar. Tinha o cabelo loiro, olhos azuis e era muito bonita. Toda a gente fala inglês. O Czar usava um boné, uma túnica e não usava jóias nem qualquer insígnia de posição. Nenhum traje podia ser menos ostentoso."
A Imperatriz Maria Alexandrovna e Alexandre II com o Grão-Duque Sérgio Alexandrovich e a Grã-Duquesa Maria Alexandrovna |
Esta demonstração de felicidade familiar escondia já o facto incómodo da relação de Alexandre com Ekaterina Dolgorukaya, embora a princesa ainda não o acompanhasse para Livadia e tivesse de se contentar com cartas. Mas a czarita também se encontrava na Crimeia nesse outono e, apercebendo-se da insensibilidade desta situação - principalmente porque Livadia pertencia à sua mulher - Alexandre comprou uma casa separada chamada, na língua tártara, "Biuk Sarai". Assim, todos os anos, no final de agosto, quando a família imperial partia para a Crimeia, Ekaterina seguia a uma distância discreta para a sua própria casa, e foi em Biuk Sarai que nasceram as suas duas filhas.
Em julho de 1880, quatro semanas após a morte de Maria Alexandrovna, Alexandre casou-se em segredo com Ekaterina no Palácio de Catarina, em Czarskoe Selo. Chegou a altura de partir para Livadia, mas só alguns amigos íntimos tinham sido informados do casamento; oficialmente, mais ninguém sabia e, o que quer que soubessem de facto, era preciso continuar a fingir e tornar invisível a presença de uma mulher e três crianças com todos os seus acompanhantes, na viagem e no palácio. Por razões de segurança, dois comboios idênticos fizeram a longa viagem, mudando de posição em cada uma das grandes estações do percurso. O Czar e a sua comitiva apanharam o primeiro comboio em São Petersburgo, enquanto o bebé e a sua ama entraram "despercebidos" no segundo comboio. Entretanto, a própria Ekaterina, as crianças mais velhas e os criados percorreram treze milhas de troika e embarcaram no comboio do Czar na pequena estação rural de Kolpino. Durante o resto da viagem, Ekaterina e as crianças permaneceram na sua carruagem e a entoragem teve de se debater com o incómodo de chegar ao vagão-restaurante sem se cruzar nem serem vistos por ningiuém. Os problemas agravaram-se quando a chegada da entoragem a Livadia coincidiu com uma liturgia em memória da falecida Czarina na capela do palácio. O Czar e a sua comitiva assistiram à cerimónia, enquanto Ekaterina e as crianças se instalaram nos quartos outrora ocupados por Maria Alexandrovna.
Para o casal, demasiado absorvido um pelo outro para se aperceber do que os outros à sua volta sentiam e diziam, estes três meses em Livadia foram um interlúdio feliz de vida familiar, reconhecido abertamente pela primeira vez. No dia 16 de outubro, os cossacos da escolta do Czar realizam o seu desfile anual e Ekaterina apareceu ao lado do marido. Os espectadores ficaram surpreendidos ao verem que o filho de oito anos, Georgi, que ainda não tinha o estatuto de apelido de família, apareceu com o uniforme de cossaco, como se fosse um dos Grão-Duques. Os cortesãos ficaram chocados e preocupados com o futuro, com pena do Czar que lhes parecia estar completamente influenciado pela Princesa, mas para Alexandre e a sua nova família o outono foi um período de intensa felicidade, que nunca mais voltaria.
Após o seu assassinato, na primavera seguinte, Livadia passou para Alexandre III que fez a sua primeira visita à Crimeia como Czar no outono de 1884, com Maria Feodorovna e os seus filhos mais novos, Xénia, Miguel e Olga, viajando de Ialta a bordo do cruzador Yaroslavl. De Ialta dirigiram-se para Livadia, sem nunca preverem a situação embaraçosa que iriam encontrar. "Partimos para Livadia e para a casa do papá", escreveu o czar no seu diário, "onde demos de caras com a princesa Dolgorukaya e os seus filhos nos aposentos da mamã! Mal podia acreditar nos meus olhos e não conseguia compreender onde estava, principalmente porque Livadia é tão querida aos nossos corações e memórias! Cada coisinha aqui lembrava a nossa querida mamã! A Minny e eu estávamos completamente confusos e estupefactos. Não posso mesmo dizer que a nossa visita a Livadia tenha sido alegre ou agradável; o tempo arrastou-se e houve vários confrontos, mal-entendidos e explicações delicadas, mas no fim as coisas acabaram por correr pelo melhor e espero que agora não haja quaisquer mal-entendidos e que tudo continue como deve ser."
O encontro deve ter sido muito incómodo para ambas as partes uma vez que, depois disso, Ekaterina não voltou a aparecer em Livadia. Em 1892, vendeu Biuk Sarai.