O Palácio de Gatchina na actualidade (fonte) |
Alexandre III ficou profundamente afectado com o assassinato do seu pai e acreditava que tinham sido as tentativas do último czar para reformar o governo do país que tinham provocado a onda perigosa de instabilidade. O caminho que o novo czar queria seguir não incluía concessões aos seus adversários: preferia governar numa posição de força, tal como o seu avô, o czar Nicolau I tinha feito. Vários anos depois, os liberais russos no exílio iriam culpar a mudança de direcção política de Alexandre III pela revolução, no entanto, havia outros que viam o seu reinado como uma época dourada. Durante o seu reino, o império esteve em paz, se não com o mundo exterior, pelo menos dentro das suas fronteiras. Alexandre sabia o que queria mas era, ao mesmo tempo, um homem de paradoxos: não se sentia confortável na sociedade desde criança, no entanto era capaz de presidir as ocasiões formais mais brilhantes, era um homem que conseguia dobrar uma barra de ferro com as próprias mãos, mas, ao mesmo tempo, conseguia ter o bom gosto e o requinte para mandar fazer as criações Fabergé mais delicadas. Nunca quis ser czar. No fundo, não havia nada que lhe desse mais prazer do que passear pelo campo com os filhos, e, de todos os palácios ligados à família imperial na Rússia, aquele que mais tem a sua marca é o Palácio de Gatchina, aquele que escolheu como residência oficial, uma vez que também Gatchina era um local de paradoxos.
Alexandre III, Maria Feodorovna e quatro dos seus filhos no Palácio de Gatchina. |
"Quase consigo ver Gatchina a esta altura. Mando-te um beijo carinhoso. O teu, Misha". Em Setembro de 1913, o grão-duque Miguel Alexandrovich, filho mais novo do czar Alexandre III, estava no topo da Torre Eiffel e escreveu estas palavras num postal dirigido à mulher que amava. Para se casar com Natália Sheremetevskaya, teve de aceitar o exílio e, apesar de haver humor na mensagem, também havia tristeza. Miguel sentia a falta de Gatchina, onde tinha conhecido Natália e onde, quando era criança, tinha acompanhado o pai em passeios pelo parque coberto de neve. Gatchina era a casa dele e, em cinco gerações da família, poucos tiveram a oportunidade de conhecer e amar tanto este palácio como ele. Alguns odiavam Gatchina e outros até o temiam. Ao longo da sua história com mais de trezentos anos, o palácio ganhou uma série de contrastes, de tal forma que há até quem diga que a cor das suas pedras muda ao longo do dia, conforme a luz disponível.
O grão-duque Miguel Alexandrovich com a sua esposa Natália. |
Era precisamente o contraste que o criador de Gatchina, Gregório Orlov, um dos amantes de Catarina, a Grande, tinha em mente. Queria um edifício com fachadas austeras, mas que escondesse um interior rico e czarina encontrou um arquitecto para dar vida às suas ideias. A casa original tinha dois andares e consistia em dois quadrados idênticos, um de cada lado que se uniam em galerias semicirculares. O efeito geral era uma mistura entre um castelo e um quartel militar. Por trás do edifício havia dois lagos, e a paisagem do parque que o rodeava foi cuidadosamente planeada. Quando Orlov morreu, a czarina comprou a propriedade aos seus herdeiros e ofereceu-a ao seu filho Paulo, para comemorar o nascimento da primeira filha dele. O grão-duque Paulo odiava a mãe, mas recebeu o presente de bom grado, e sua personalidade tornou-se indissociável da história de Gatchina.
O Palácio de Gatchina na época de Paulo I, em 1798. |
Paulo tinha vinte-e-nove anos de idade quando recebeu a propriedade. Ressentido por ter sido excluído do governo, decidiu transformar Gatchina no seu pequeno reino, desenvolvendo uma corte rival à da mãe e impondo um sistema de disciplina militar rígida. Tinha um exército de dois mil homens vestidos com uniformes em estilo prussiano e levantava-se de madrugada para vigiar os seus exercícios militares. As pessoas queixavam-se que tudo isto era demasiado estrangeiro, diziam que Gatchina era uma Potsdam russa e, com o passar dos anos, a obsessão de Paulo continuou a aumentar. Não confiava em ninguém e tinha um forte dispositivo de segurança à sua volta, mas nem toda a sua influência foi má. Na pequena vila de Gatchina, onde viviam os criados da propriedade e as famílias dos soldados, o grão-duque construiu uma igreja para católicos e luteranos, assim como um hospital, uma escola e um orfanato. Construiu fábricas e oficinas, controlava o preço das rendas e tentou até providenciar uma espécie de organização para ajudar os mais pobres.
Estátua do czar Paulo I em Gatchina |
Gradualmente, nas mãos de Paulo, a casa original foi sendo aumentada substancialmente. Paulo contratou o arquitecto Brenna para fechar as galerias semicirculares e construir um andar superior em cada uma das alas de serviço, colocando uma capela por cima das cozinhas e transformando os antigos estábulos em aposentos, com uma biblioteca, um teatro e uma sala de armas. Até aos dias de hoje, essa sala ainda é chamada do Arsenal ou Praça do Arsenal. Quando Paulo sucedeu ao trono em 1796, Gatchina voltou a ganhar uma importância especial, tornando-se a residência imperial e as suas mobílias foram melhoradas para se ajustarem ao novo estatuto. Foram também acrescentadas divisões para assuntos de estado e trazidas obras de arte da colecção do Hermitage para decorar as paredes. Foram também criados novos jardins mais formais e iniciou-se um grande projecto para gravar todos os cantos do palácio e dos seus quatro parques em aguarelas. Foi a última vez que iria florir nesse século. Em 1801, Paulo foi assassinado, alguns diziam com a ajuda do filho, e Gatchina ficou para a sua viúva.
O Palácio de Gatchina na década de 1840 |
Durante os quarenta anos seguintes, a história ignorou Gatchina. Maria Feodorovna visitava o palácio ocasionalmente, mas preferia Pavlovsk. Tentou despertar o interesse dos filhos mais velhos por Gatchina, mas ambos estavam demasiado concentrados em resistir a tudo o que os fizesse lembrar do pai. A mãe deles ia observando-os com preocupação e, no inverno de 1810, em sinal de protesto pela vida que eles levavam na cidade, decidiu levar os seus dois filhos mais novos, Nicolau e Miguel, até Gatchina, para que eles pudessem concluir a sua educação longe das distracções e tentações de São Petersburgo. Na altura, Nicolau tinha catorze anos e Miguel doze, e acabariam por ficar a odiar o palácio, por o associarem aos três anos mais aborrecidos das suas vidas.
O grão-duque Miguel Alexandrovich, com a sua esposa Helena Pavlovna, a czarina Alexandra Feodorovna e o czar Nicolau I |
No entanto, quando eram mais velhos, as coisas mudaram. Todos os outonos, a família juntava-se em Gatchina para festas de caça e a esposa de Nicolau, Alexandra Feodorovna, que tinha achado o palácio sombrio da primeira vez que o viu, acabaria por escrever numa carta que gostava muito "desta casa de campo e da vida activa que aqui vivemos. Estávamos felizes, faladores, fomos agradáveis, cada um à sua maneira, e partimos muito satisfeitos uns com os outros". À noite, a família juntava-se para ler os romances de Sir Walter Scott e Fenimore Cooper. O salão da Praça do Arsenal tinha um palco para a família fazer peças de teatro e brincar às charadas, um escorrega que era grande o suficiente para os adultos brincarem, e outros jogos para jogar dentro de portas. Alexandra falou também da "libertação da rigidez que lá há quando comparado com outros palácios (...) os jogos tornavam tudo mais alegre. Foi lá que experimentei pela primeira vez deslizar em pé pela colina de uma montanha".
A czarina Alexandra Feodorovna |
Em 1828, a czarina-viúva Maria Feodorovna morreu, deixando Gatchina a Nicolau I. Ao longo de vinte-e-sete anos, Maria tinha sempre viajado com relíquias do seu marido assassinado para onde quer que fosse: o uniforme e roupa interior de Paulo, a sua espada, a sua bengala e a cama onde dormia na noite em que foi assassinado, foram colocados nos seus aposentos em Gatchina. Com o passar do tempo, esta espécie de museu deu um certo fascínio aos aposentos e corredores do bloco central, e as pessoas começaram a acreditar que Paulo tinha sido assassinado lá. No entanto, Nicolau I sentia apenas a ternura de um filho para com os seus pais e decidiu preservar os seus aposentos como uma espécie de museu da família. Até a cama onde a sua mãe morreu foi transferida do Palácio de Inverno para Gatchina.
Galeria Gótica no Palácio de Gatchina |
Se os aposentos antigos não eram para ser utilizados, então era necessário reconstruir outros novos para a família imperial e a sua comitiva. Nicolau ordenou que os quadrados fossem completamente reconstruídos, mas, antes, contratou um jovem artista, Konstantin Ukhtomsky, para fazer pinturas das suas divisões favoritas antes de elas desaparecerem. A partir desse momento, o andar superior do quadrado da cozinha teria aposentos para a comitiva, empregados e convidados, assim como uma capela, enquanto que o centro da vida em Gatchina mudou para o Arsenal. O casal imperial, o czarevich e a sua esposa tinham os seus aposentos no andar de baixo enquanto que os restantes grão-duques, grã-duquesas e senhoras que ocupavam as posições mais importantes da comitiva, ficavam alojados no andar de cima. Havia um "entresol" entre ambos os andares, onde ficavam alojados os empregados. O salão foi completamente redecorado e foi acrescentado um barco de baloiço aos jogos que já havia. As obras de arte foram levadas para o Hermitage para serem limpas e restauradas e, a 1 de Agosto de 1851, o Palácio de Gatchina voltou a abrir em grande. No ponto mais alto das comemorações, Nicolau I revelou uma nova estátua do seu pai, na praça do palácio.
O Arsenal de Gatchina durante a época de Alexandre II |
Duas vezes por ano, na primavera e em Outubro, a corte viajava até Gatchina e, durante algumas semanas, o palácio voltava à vida. Os convidados vinham para relaxar, mas a presença do czar garantia uma onda constante de ministros, embaixadores e oficiais, assim como a família imperial que era numerosa e alegre. Havia jogos e charadas no Arsenal, noites musicais, passeios de carruagem, piqueniques e caçadas nas quais até as senhoras participavam. Era tudo diversão, mas alguns membros da comitiva não conseguiam perceber o encanto de Gatchina. Anna Tiutcheva, uma dama-de-companhia, descreveu a sua reacção quando chegou ao palácio:
Anna Tiutcheva |
"Estou em Gatchina pela primeira vez e já estou a achar a experiência difícil de suportar neste palácio vasto, com as suas escadarias e corredores sem fim. O palácio é composto por dois blocos habitacionais enormes, unidos por um edifício semi-circular (...) vivo no bloco direito e, por isso, tenho de passar pelos salões do edifício central três ou quatro vezes por dia para chegar ao Arsenal, onde todos os ocupantes devem tomar o pequeno-almoço, jantar e tomar chá. Muitas vezes atravesso estes salões à noite, apenas com a luz fraca de uma lamparina trémula, passo pelo quarto do imperador Paulo e pelo trono com o seu tecido gasto. Confesso que o meu coração bate acelerado e que começo a andar mais depressa, sempre com medo que a figura sinistra do imperador Paulo surja de repente dos cantos escuros (...).
No parque, perto do lago, vê-se uma caverna, fechada com um portão de ferro. Dizem que se trata da saída para os túneis subterrâneos que o imperador tinha construído por baixo dos seus aposentos. Foi uma precaução inútil, uma vez que não o salvaram da morte que ele tanto temia, e, segundo percebo, bem merecia. Todas estas memórias tornam a estadia em Gatchina muito sombria e desagradável. Não percebo porque escolhem Gatchina quando se querem divertir (...) o parque é enorme. No verão até pode ser bonito, mas agora não passa de campo desfolhado e outonal, com ramos negros e secos, e o chão pantanoso, cheio de poças, que lhe dá uma imagem melancólica".
Parte do parque em Gatchina |
Claramente, alguém tinha enchido a cabeça de Anna com histórias de terror, mas a sua primeira visita também aconteceu numa altura sensível. Longe, na Crimeia, as forças inimigas estavam a cercar Sevastopol e não era possível sentir grande alegria nos jogos em Gatchina nesse outono.
Quando Nicolau I morreu, Gatchina passou para o seu filho mais velho, na condição de que o palácio, o parque e as organizações caritativas na aldeia próxima deveriam ser mantidos como estavam. Alexandre II acrescentou alguns dos aposentos dos pais ao museu e mudou a cabana imperial de Peterhof para Gatchina. De resto, permaneceu tudo igual ao tempo do seu pai. Alexandre II encomendou a realização de mais uma série de quadros para registar os interiores do palácio e o parque. O artista, Eduard Petrovich Hau, recebeu aposentos privados no quadrado das cozinhas e criou uma série de cinquenta-e-oito pinturas ao longo de oito anos.
A Sala do Trono de Paulo I por Hau. |
O assassinato de 1881 mudou o destino de Gatchina de forma tão decisiva como tinha acontecido oitenta anos antes. Após o assassinato de Alexandre II, o seu filho aceitou o conselho dado pelo general Loris Melikov e mudou-se para longe da cidade, escolhendo Gatchina como sua residência oficial. Foi tudo feito à pressa: a nova czarina, Maria Feodorovna, contou aos pais que não tinha havido tempo para preparar Gatchina e que os aposentos estavam ainda cheios de trabalhadores. O inverno ia a meio e o palácio era frio e vazio. Para piorar ainda mais a situação, na pressa de abandonar a cidade, o casal imperial tinha sido obrigado a deixar os seus filhos mais novos para trás: o bebé, Miguel, apanhou uma constipação e não pôde sair de casa durante algumas semanas. Maria sentia falta dos seus aposentos acolhedores e confortáveis no Palácio de Anichkov e confessou se desfazia em lágrimas muitas vezes. No entanto, acrescentou também que o marido estava feliz por estar longe da cidade e que também ela estava a começar a encontrar conforto na sua nova casa, e a gostar da paz que tão rara tinha sido na sua vida na Rússia. Gatchina tornava-se novamente no centro do império russo, vigiado de forma tão apertada como no tempo de Paulo I. Era preciso ter passaportes especiais para entrar na aldeia onde os Couraceiros Azuis e o Regimento Combinado, os guarda-costas pessoais do czar, construíram o seu quartel-general. Com o passar do tempo, os soldados fizeram amizade com a família imperial e os filhos do czar gostavam de fugir até ao quartel para ouvir os soldados cantar e, talvez, serem atirados ao ar por um par de braços fortes.
Alexandre III, Maria Feodorovna e os seus filhos em Gatchina. |
Alexandre III impôs controlos rigorosos ao país, mas essa era a única semelhança que tinha com o seu bisavô, o czar Paulo I. A nível pessoal, Alexandre era extremamente humilde, e detestava todo o tipo de cerimonial. Optou por viver nos aposentos de abóbada baixa do "entresol", que costumavam estar reservados aos criados. Levantava-se cedo, vestia-se, fazia o seu próprio café e sentava-se a trabalhar até a sua mulher estar pronta para o pequeno-almoço. Quando não tinham convidados, os membros da família optavam por jantar juntos no andar de baixo numa sala que, anteriormente, tinha sido a casa-de-banho da avó do czar, Alexandra Feodorovna. A banheira tinha sido enchida com azáleas e colocada no jardim.
Alexandre III e Miguel Alexandrovich em Gatchina |
Além de ser o centro do governo, Gatchina era também uma casa de família. Alexandre guardava boas memórias da sua infância e, no escritório, escondia uma colecção de animais em miniatura feitos de vidro e desenhos de "Mopsopolis", o mundo de fantasia que tinha criado juntamente com o seu irmão Nicolau no pico da Guerra da Crimeia. Eram criaturas estranhas para um homem alto e forte, mas Alexandre adorava partilhá-las com os filhos. Sentia-se mais à vontade com os membros mais novos da família. Em certa ocasião, levou os seus filhos numa expedição ao parque de veados de Gatchina para ir buscar dois burros para acrescentar à já extensa colecção de animais de estimação. Com o passar dos anos, a família juntou animais, um papagaio, um corvo albino, uma lebre e uma cria de lobo.
Olga Alexandrovna e Miguel Alexandrovich em Gatchina |
Olga, a filha mais nova, recordou a magia especial que sentia quando ia passear com o pai e com Miguel, o irmão que tinha a idade mais aproximada da sua: "Caminhávamos até ao parque dos veados, só nós os três, como os três ursos do conto de fadas. O meu pai levava sempre uma pá grande , o Miguel levava outra mais pequena e eu tinha uma muito mais pequena do as deles só para mim. Cada um de nós também levava um machado, uma lanterna e uma maçã. Se estivéssemos no inverno, ele ensináva-nos a limpar a neve para criar um caminho e como cortar uma árvore morta. Ensinou-me a mim e ao Miguel a fazer uma fogueira. No fim, assávamos as maçãs, apagávamos a fogueira e, com a ajuda das lanternas, lá encontrávamos o caminho para casa. No verão, ensinava-nos a distinguir os animais uns dos outros, Queria que soubéssemos ler o livro da natureza tão bem quanto ele". Olga e Miguel eram os verdadeiros filhos de Gatchina e as suas memórias estavam repletas de alegria. Uma vez, fugiram para um telhado a meio da noite para ver o parque à luz da lua. Nem o fantasma de Paulo I os assustava: na verdade, Olga queria até vê-lo, mas nunca conseguiu.
Alexandre III com os filhos Miguel e Olga. |
Era uma existência estranha, algures entre a simplicidade e o esplendor. Eram crianças do campo que dormiam em camas amovíveis em quartos decorados com a mobília mais simples possível e, no entanto, os seus tutores usavam casacos de cerimónia. Olga tinha os aposentos mais sumptuosos da família porque a ama dela, Mrs. Franklin, achava que o "entresol" apertado e abafado prejudicava demasiado a saúde da criança. A sua comitiva de amas estava instalada nos aposentos do andar superior, por cima do Arsenal, onde havia tapeçarias com imagens de cenas das Bíblia penduradas nas paredes. As crianças brincavam às escondidas na galeria chinesa, onde havia vasos de valor incalculável grandes o suficiente para elas se puderem esconder. Aos domingos, Miguel e Olga podiam convidar os seus amigos para brincar nos salões estatais. Os seus brinquedos eram também saídos dos sonhos de qualquer outra criança da época: um dos mais populares em Gatchina era uma linha de comboio eléctrica em miniatura, que tinha sido presenteada por uma empresa de construção. "As carruagens e as carrinhas eram cópias exactas de outras que existiam mesmo e os motores conseguiam atingir velocidades de oito e dez quilómetros por hora. As linhas estavam equipadas com estações, túneis e pontes, que deixavam qualquer criança encantada".
Alexandre III com a sua filha Olga |
O encanto terminou cedo demais. Num dia, na primavera de 1894, Olga estava a caminhar com o pai no parque em Gatchina quando se apercebeu que ele estava doente. O czar acabaria por morrer antes do final do ano. O palácio passou para a sua viúva, que deu ordens para que não se voltasse a mudar nada nos seus aposentos, nem sequer o seu lenço. Maria Feodorovna continuou a utilizar Gatchina, mas nunca tinha gostado tanto da vida no campo como Alexandre e preferia passar mais tempo na cidade. O seu filho, Nicolau II, continuou a visitar a cabana de caça no inverno e, nos primeiros anos após a morte do pai, visitava o palácio com frequência na companhia da esposa quando a sua mãe se encontrava lá.
Olga Alexandrovna e Miguel na Galeria Chinesa em Gatchina |
As tensões começaram a aumentar de forma quase imperceptível entre as cortes da czarina-viúva e da jovem czarina Alexandra. Uma dama-de-honra de Czarskoe Selo descreveu a sua primeira visita a Gatchina com a jovem czarina que se realizou numa noite, em finais de 1894. Sophie Buxhoeveden achou a atmosfera tão opressiva quanto Anna Tiutcheva a descrevera cinquenta anos antes. A sala-de-estar para onde foi levada parecia "a fantasia de um decorador profundamente deprimido" e as damas-de-companhia mais velhas bombardearam-na com perguntas, condenando a forma como as coisas eram feitas na corte mais jovem. Sophie sentia-se cada vez mais desconfortável e, no andar de cima, a sua senhora não se estava a sair melhor com a czarina-viúva. Alexandra Feodorovna tinha até dificuldade em respirar quando estava nos aposentos abafados e demasiado aquecidos da sua sogra e estava tão ansiosa quanto Sophie para ir embora.
Maria Feodorovna com a neta Olga Nikolaevna nos braços, a grão-duquesa Olga Alexandrovna, Alexandra Feodorovna e, de pé, a grã-duquesa Xenia Alexandrovna com a filha Irina e o irmão, Nicolau II. |
No entanto, a noite acabaria de forma divertida: Alexandra aceitou de bom grande o convite do grão-duque Miguel para ir dar um passeio de trenó ao luar pelo parque coberto de neve. No momento em que Alexandra e Sophie começavam a relaxar e a desfrutar da paisagem encantada, o trenó derrapou e as duas foram atiradas para fora dele. Havia neve suficiente para amparar a queda e, depois de horas de tensão, a jovem czarina não conseguia parar de rir. "O que é que as velhotas não diriam se tivessem visto esta cena?" disse ela. "É melhor nunca saberem que aconteceu: não iriam encontrar palavras para descrever o horror". Ajudei-a a levantar-se e tiramos a neve das capas uma da outra com os nossos lenços. Depois voltámos para o trenó".
Miguel Alexandrovich com a cunhada Alexandra Feodorovna e o irmão Nicolau II. |
Durante aquela época, Gatchina perdeu um pouco a sua vida, mas, no Natal, a czarina-viúva e os seus filhos mais novos organizavam festas no Salão de Banquetes para os oficiais da guarda. Durante muitos anos, as famílias dos oficiais guardaram com carinho os doces embrulhados em papel dourado e os presentes que a própria Maria Feodorovna lhes entregava em mãos. No entanto, quem passava mais tempo no palácio era Miguel. Era comandante dos Couraceiros Azuis, um dos regimentos de Gatchine, e foi nessa capacidade que conheceu a sua futura esposa, Natália, que, na altura era casada com um dos oficiais e foi convidada para uma recepção no palácio. No entanto, essa não seria a única história de amor que começou em Gatchina. Miguel era um das poucas pessoas que sabia que, em 1903, a sua irmã mais nova, Olga, que sentia profundamente infeliz com o seu casamento, tinha conhecido e se tinha apaixonado por Nikolai Kulikovsky, outro oficial do seu regimento. Foi um segredo que se manteve durante treze anos.
Miguel Alexandrovich com a sua futura esposa, Natália Brassova e Olga Alexandrovna com o seu futuro marido, Nikolai Kulikovsky. |
Depois de serem enviados para o exílio por terem casado sem autorização do czar, em 1914, com o rebentar da Primeira Guerra Mundial, Miguel e Natália receberam permissão para regressar à Rússia. Miguel passava muito tempo longe, na frente de batalha, mas a sua esposa estabeleceu-se na aldeia de Gatchina e abriu um hospital militar. Nunca seria aceite na família do marido, mas tinha pouco tempo para eles. Uma pessoa sociável por natureza, Natália continuou a organizar festas em Gatchina, mesmo depois da Revolução de Fevereiro e Miguel não interferia nas suas vontades, apesar de não partilhar o mesmo prazer pela vida social. Um amigo descreveu mais tarde uma noite durante a qual ele e Miguel evitaram a companhia que se encontrava no palácio: "ele [Miguel] não queria nenhuma luz, apesar de ter escurecido cedo e estarmos a olhar um para o outro no crepúsculo. Deitado num sofá, a tremer por causa da febre, o Miguel falou numa voz triste sobre como era difícil viver com as lamentações, maldade e enganos dos homens e disse que Deus estava longe (...) Estava com medo do futuro. Tentei consolá-lo, mas não consegui encontrar palavras que diminuíssem a intensidade da sua dor. A sua voz estava embargada pelas lágrimas. Ficou muito escuro. Quando liguei a luz, fiquei chocado com o desespero puro que se via no seu rosto pálido e tive a sensação clara de que estávamos prestes a sofrer um grande infortúnio".
Miguel com a sua esposa Natália durante a Primeira Guerra Mundial |
Infelizmente foi exactamente isso que aconteceu e a história voltou a Gatchina. Nicolau II abdicou do trono a favor do Miguel e, durante algumas horas, o palácio foi a residência do último czar. Mais tarde, Kerensky mudou-se para o Palácio de Gatchina numa última tentativa para salvar o seu governo. Quando uma multidão de bolcheviques se aproximava do palácio, Kerensky fugiu pelo parque: algumas relatos dizem que terá utilizado o túnel que tinha assustado Anna Tiutcheva muitos anos antes. Miguel e Natália ficaram na aldeia de Gatchina durante a primavera de 1918, até Miguel ser exilado e, mais tarde, assassinado em Perm, nos Montes Urais. Natália e a família fugiram para ocidente, e palácio ficou abandonado com as suas memórias.
Miguel Alexandrovich |
Actualmente, o Palácio de Gatchina está a ser restaurado, depois vários anos de negligência. O edifício sofreu alguns danos na altura da Revolução e alguns objectos valiosos foram roubados e vandalizados enquanto que outros se perderam nos leilões de arte soviéticos da década de 1920, mas fotografias tiradas em 1940 mostram os aposentos de Miguel no Arsenal tão cheios de pessoas e de vida como se o dono tivesse saído rapidamente e pudesse voltar a qualquer momento. Quem quisesse visitar as salas de estado, os aposentos do czar Paulo, onde o seu fantasma costumava passear, e os aposentos da família no Arsenal só tinha de pagar alguns kopecks. Foi a Segunda Guerra Mundial que quase destruiu tudo: quando os alemães bateram em retirada em 19414, deixaram uma concha queimada e vazia e os tesouros que tinham sido salvos foram levados para outros locais. A aldeia de Gatchina foi uma zona militar fechada até 1977, ano em que se deu início ao restauro, recorrendo aos quadros de Ukhtomsky e Hau como referência.
O Palácio de Gatchina após a Segunda Guerra Mundial |
O trabalho é lento, mas a habilidade dos restauradores é incrível e, um dia, todo o palácio irá voltar à vida. Talvez até os seus fantasmas regressem. Havia algumas pessoas que odiavam Gatchina, mas outros pertenciam ao palácio. Exilado em Perm na primavera de 1918, o grão-duque Miguel escreveu: "é horrível não estar no nosso querido palácio de Gatchina nesta altura do ano. Costumava passar lá todas as primaveras e tenho muitas memórias perfeitas e felizes de infância passadas lá e também de anos posteriores. Parece que lá é sempre primavera".
Parque do Palácio de Gatchina em 2009 |
Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat
Nota: desde a publicação do livro em 2001, a maioria do Palácio de Gatchina já se encontra restaurado e aberto ao público.
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