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segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Realização de novos exames forenses aos corpos da família Romanov - Resumo


Em 2008, quando foi anunciado que se tinham localizado e identificado os restos mortais de Maria e Alexei, os únicos membros da família imperial que não se encontravam na vala comum descoberta em 1979, muitos pensaram que o mistério dos Romanov estava finalmente encerrado e que, em breve, os seus corpos se juntariam aos do resto da família na Fortaleza de Pedro e Paulo em São Petersburgo.

No entanto, sete anos e muitos contratempos depois, muitos foram apanhados de surpresa quando, em Setembro deste ano, surgiu a notícia de que um grupo de trabalho liderado por Dmitri Medvedev,  antigo presidente da Rússia, pretendia exumar os corpos da família Romanov com o objectivo de realizar novos testes forenses nos mesmos.

Túmulos dos Romanov na Fortaleza de Pedro e Paulo
Na altura houve muita especulação relativamente ao motivo que levou a governo russo a tomar esta decisão tanto tempo depois da descoberta dos primeiros corpos há mais de trinta anos, nomeadamente de que tinham havido erros nos primeiros testes e que, na verdade, os corpos que se encontram actualmente enterrados na Fortaleza de Pedro e Paulo pertencem a outras vítimas do regime comunista e não à família de Nicolau II. 

Embora esse rumor circule já há décadas, segundo o grupo de trabalho responsável por esta nova investigação, o único motivo que levou à reabertura do caso prende-se com o facto de a Igreja Ortodoxa Russa, apoiada por uma das actuais representantes da família Romanov, a grã-duquesa Maria Vladimirovna, nunca ter aceite a autenticidade nem dos corpos enterrados em 1998 nem dos descobertos em 2007 e, por isso, há vários anos que tem vindo a recusar dar seguimento aos procedimentos necessários para o enterro de Maria e Alexei. Uma vez que Nicolau II e a família são portadores da paz da igreja, um estatuto semelhante aos beatos da Igreja Católica, tornou-se necessário acabar de forma definitiva com qualquer dúvida existente relativamente à autenticidade dos corpos. 

Tal não significa que os cientistas, o governo russo e até alguns membros da Igreja Ortodoxa não reconheçam que os corpos encontrados são realmente os da família Romanov, no entanto, dada a sensibilidade do processo, é necessário dissipar qualquer dúvida e conseguir obter a aprovação da igreja para que seja possível avançar com o enterro dos dois corpos que faltam. O grupo espera que as inovações que se verificaram no campo da ciência forense ao longo destes últimos vinte anos possam ajudar a dissipar qualquer dúvida sobre a identidade dos corpos.

Maria, Alexei e Anastásia
Até ao momento, o grupo já completou as seguintes tarefas:

  • Exumação dos corpos de Nicolau II, Alexandra Feodorovna e dos filhos para recolha de amostras;
  • Exumação do corpo de Alexandre III com o mesmo objectivo;
  • Recolha de amostras do corpo da grã-duquesa Isabel Feodorovna que se encontra sepultado na Palestina;
  • Recolha de amostras de sangue do uniforme ensanguentado do czar Alexandre II.
Fotografia tirada durante o processo de exumação do corpo de Alexandre III que se realizou o mês passado em São Petersburgo
Não existem informações concretas, mas espera-se que sejam novamente recolhidas amostras de sangue de alguns descendentes próximos dos Romanov para ajudar à investigação. Na década de 1990, uma das pessoas que forneceu material genético aos cientistas russos e americanos foi o príncipe Filipe, duque de Edimburgo, consorte da rainha Isabel II do Reino Unido, que é sobrinho-neto da imperatriz Alexandra.

A informação mais recente relativamente à investigação é que esta ainda vai demorar algum tempo, mais uma vez para que todos os procedimentos sejam realizados com cuidado e de modo a evitar dúvidas futuras. Depois de os resultados serem divulgados e se confirmar a identidade dos corpos, será também necessário mais um período de espera considerável até que seja definida uma data de enterro para os corpos da grã-duquesa Maria e do czarevich Alexei.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

As visitas da imperatriz Alexandra Feodorovna (Carlota da Prússia) à Prússia

A imperatriz Alexandra Feodorovna, nascida Carlota da Prússia
No início de cada Verão, os parentes russos dos Hohenzollern faziam a sua peregrinação anual à Prússia, inundando Berlim e Potsdam com "uma cheia" de grã-duquesas russas e os seus empregados. Além das implicações políticas destas visitas, Vicky [Vitória, Pincesa Real do Reino Unido, filha da rainha Vitória e casada com o futuro kaiser Frederico III da Alemanha] andava sempre ocupada de um lado para o outro, entre Berlim e Potsdam, em paradas, lanches, jantares, bailes e recepções que, muitas vezes, a obrigavam a mudar de roupa seis vezes por dia. Até Fritz [futuro kaiser Frederico III] se queixava que as suas tias o obrigavam a ele, à esposa e a toda a corte prussiana a correr de um lado para o outro como se fossem "empregados". Vicky, cujos dias começavam quase sempre às 7 da manhã, hora em que apanhava o comboio para Potsdam, e acabavam muito depois da meia-noite, quando tinha finalmente permissão para sair das soirées nocturnas, andava a sofrer de dores de cabeça, pés inchados e ressentimento.

Vitória, Princesa Real do Reino Unido, pouco depois da sua chegada à Prússia
No Verão de 1859, Vicky foi a única responsável pelas honras sociais a prestar aos Romanov, uma vez que Augusta [de Saxe-Weimar, sua sogra] se encontrava em Weimar, de visita à sua mãe, a grã-duquesa Maria Pavolovna da Rússia, que estava muito doente e prestes a falecer. Durante a sua visita, as senhoras russas tentaram convencer o seu sogro a não declarar guerra contra Napoleão III. Embora nem a irmã de Guilherme [futuro Guilherme I da Alemanha], Carlota, nem a sua cunhada pró-russa, a rainha Isabel [esposa do rei Frederico Guilherme IV da Prússia] tivessem conseguido convencer Guilherme a mudar de opinião, Vicky nunca mais conseguiu voltar a confiar nos parentes russos do marido.

Maria Pavlovna da Rússia, mãe da futura imperatriz Augusta da Alemanha e cunhada da imperatriz Alexandra Feodorovna
Em 1860, a viagem anual da imperatriz-viúva Alexandra da Rússia para assinalar o aniversário da morte do seu pai, o rei Frederico Guilherme IV da Prússia, coincidiu com as últimas semanas da segunda gravidez de Vicky. Com tudo pronto para o nascimento da bebé, Vicky teve ainda de lidar com os russos que apareceram em Potsdam um mês antes da data prevista para o parto. Embora lhe tivessem sido oferecidos aposentos em outros dois palácios, um dos quais tinha sido recentemente restaurado e redecorado para ela, a imperatriz Alexandra (viúva do czar Nicolau I), insistiu em ficar no Neues Palais, ocupando os aposentos que ficavam mesmo por baixo dos de Vicky.

Alexandra Feodorovna (Carlota da Prússia)
De todos os visitantes russos, a imperatriz-viúva era a mais venerável. Alta, magra e erecta, a antiga czarina de sessenta-e-um anos andava, de dia, sempre vestida de petro com um lenço de renda preto no cabelo e, à noite, vestia-se de branco e cobria-se com cascatas de pérolas. No Verão anterior, a imperatriz-viúva tinha mostrado a sua colecção de jóias a Vicky, uma colecção pela qual os Romanov eram muito conhecidos. "As tuas são mais bonitas", Vicky tinha garantido numa carta à mãe. "As dela são coisas enormes e de uma variedade tal que quase parece magia - safiras, esmeraldas, pérolas, rubis, etc., mas a qualidade não é muito boa - excepto os diamantes que são magníficos."

Alexandra Feodorovna, vestida de luto
A imperatriz-viúva viajava sempre com "um grande número de criados" que incluía quatro damas-de-companhia (que usavam vestidos negros de caxemira), que, por sua vez, possuíam várias criadas cada uma. Os criados russos dormiam sempre no chão, e era considerado necessário retirar toda a mobília dos quartos e redecorá-los após cada visita imperial.

Alexandra Feodorovna nos seus últimos anos de vida
"O barulho mesmo debaixo de mim não tem fim e não é nada agradável," queixou-se Vicky à mãe. "O que mais se ouve é o barulho de portas a bater e passos no chão que está sem carpetes - depois também se ouve os criados russos a conversar e a fumar (...) Ela sabe quanto tempo falta para me deitar [entrar em trabalho de parto] e onde ficam os meus aposentos, porque esteve aqui o ano passado. (...) É difícil não pensar que esta atitude não é a mais considerável, viver com uma multidão de gente na nossa casa. (...) Enfin, não me incomodo muito com isto, mas tenho pena dos nossos criados quando estes russos sujos estão cá."
Vicky
O pior de tudo era que o quarto onde os russos estavam a pensar reunir-se para chorar o aniversário da morte de Frederico Guilherme III era a sala-de-estar privada de Vicky, de onde se tinha retirado toda a mobília e cujas paredes tinham sido cobertas de papel-crepe negro. Um aspecto deprimente que durou toda a visita.

O Neues Palais em Potsdam, onde Vicky vivia e a imperatriz Alexandra ficou hospedada em 1860
O momento de irritação final aconteceu quando Vicky recebeu um convite formal da parte da rainha Isabel [da Baviera, esposa de Frederico Guilherme IV] para estar presente no Neues Palai no dia sete de Julho, data em que se assinalava a morte de Frederico Guilherme III. "Acho que se pode considerar um abuso ser convidada a estar presente na minha própria sala (...)", escreveu Vicky à mãe. Para mostrar o seu desagrado, Vicky enviou convites da sua parte a todos os que tinham sido convidados pela rainha para a cerimónia "para que pelo menos saibam quem é a dona da casa!" - e depois recusou estar presente. Acabou por ser uma boa decisão, uma vez que a tia mais conservadora de Fritz, a princesa Alexandrina da Prússia, tinha anunciado que nunca iria pôr os pés no Neues Palais enquanto a liberal Vicky lá estivesse. Furiosa, a princesa escreveu à mãe: "Pode ficar com a grande satisfação de lá ir no dia 7, já que eu não vou lá estar para a irritar com a minha presença."

Alexandra Feodorovna
Texto retirado do livro "An Uncommon Woman - The Empress Frederick" de Hannah Pakula

Notas:

A imperatriz Alexandra Feodorovna nasceu a 13 de Julho de 1798 como princesa Carlota da Prússia. Era filha do rei Frederico Guilherme III da Prússia e da princesa Luísa de Mecklenburg-Strelitz, o que a tornava irmã do rei Frederico Guilherme IV da Prússia e do primeiro imperador da Alemanha unida, Guilherme I da Alemanha. Casou-se em 1817 com o czar Nicolau I da Rússia de quem teve dez filhos, incluindo o czar Alexandre II. Morreu poucos meses depois da visita descrita acima, no dia 1 de Novembro de 1860.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

O noivado de Alexandre Alexandrovich e Dagmar da Dinamarca


A lenda diz que, no seu leito de morte, o czarevich Nicolau Alexandrovich uniu as mãos do seu irmão mais novo, Alexandre, com as da sua noiva, a princesa Dagmar da Dinamarca para simbolizar o seu desejo de os ver casados. No entanto, esta história sentimentalista deve-se a um erro de tradução das memórias do príncipe Vladimir Petrovich Meshchersky, um companheiro oficial do czarevich que o acompanhou nas suas viagens pela Rússia e pela Europa. A tradução correcta da passagem que sugere esta ideia refere-se, na verdade, ao momento em que Nicolau "transmitiu a sua confiança e amor ao novo herdeiro da coroa" e não à transferência da sua amada.

Nicolau Alexandrovich, czarevich da Rússia
Podemos encontrar mais verdade na explicação prosaica dada por Dagmar que, sabendo aquilo que era esperado dela, transferiu, em compromisso de dever, o seu afecto para o novo czarevich. Apesar de os dois jovens ainda não estarem apaixonados um pelo outro na altura, a vontade de Alexandre em seguir os planos da família ficou a dever-se tanto às suas inclinações naturais como ao seu sentido de dever. Talvez tivesse sentido ciúmes da forma calma e natural como aquela encantadora princesa dinamarquesa se tinha unido ao irmão. Quando a irmã dela, a princesa Alexandra da Dinamarca, tinha ficado noiva do príncipe de Gales em Inglaterra, a rainha Vitória tinha olhado com preocupação e desconfiança para o laço afectivo que se tinha formado entre ela e o irmão mais novo do noivo, o príncipe Alfredo que dizia que, se o seu irmão recusasse "aquela jóia", ele teria todo o gosto em ficar com ela. Embora fosse verdade que, na altura, Alexandre estivesse apaixonado pela princesa Meshcherschky, uma dama-de-companhia da sua mãe, era também sensível o suficiente para saber que, no papel de filho do soberano, ainda que no terceiro lugar de sucessão, nunca lhe seria permitido casar com ela. Agora, como filho mais velho e herdeiro, não precisava que ninguém lhe explicasse o caminho que tinha de tomar.

O jovem Alexandre Alexandrovich, futuro Alexandre III
A condessa Alexandrina Tolstoy escreveu sobre o estado de espírito miserável que ele sentiu na altura e sobre a expectativa generalizada de que se casasse com a princesa que estivera perto de se tornar viúva antes de se tornar esposa: "Fala do irmão, das últimas memórias que tem dele, da sua doença, dos erros que se cometeram no seu tratamento, de forma tão desoladora (...) Com um coração que ama de forma tão profunda e leal, uma educação tão correcta, não tem nada a temer do futuro. Se Deus quiser, vai casar-se com esta princesa encantadora, a Dagmar".

A jovem princesa Dagmar da Dinamarca, futura czarina Maria Feodorovna
Dagmar também sentia que os acontecimentos estavam fora do seu controlo. Olhando em retrospectiva, o grão-duque Alexandre Mikhailovich, o seu futuro genro e que, nesta altura, ainda não tinha nascido, afirmou que a sua sogra tinha sofrido um duro golpe. Segundo ele, que escrevia da perspectiva de um exilado político em Paris na década de 1930, "os deuses tinham feito todos os esforços para a avisar daquilo que a esperava". Após a morte de Nicolau, "qualquer pessoa supersticiosa teria fugido para casa e tentado casar-se com um dos cinquenta príncipes alemães disponíveis", mas, devido às ambições imperialistas do seu pai ambicioso, que utilizou as filhas para aumentar o prestígio da sua família, "já para não falar de uma frota e um exército amigos à sua disposição", Cristiano terá incentivado Dagmar a casar-se com Alexandre.

Dagmar (no centro) com a sua mãe, avó e irmãos e o seu primeiro noivo, Nicolau.
Mesmo quando o czarevich Nicolau estava ainda a morrer, já corria um rumor em São Petersburgo e Moscovo de que o czar Alexandre II achava que o seu segundo filho não era digno de ocupar o lugar do seu irmão e queria nomear o seu terceiro filho, o grão-duque Vladimir Alexandrovich, herdeiro. Se tal acontecesse, algumas pessoas diziam de forma pouco convincente, não seria a primeira vez, já que, o pai de Alexandre, o czar Nicolau I, tinha apenas chegado ao trono depois de o seu irmão mais velho, o grão-duque Constantino Pavlovich, o ter recusado. Não demorou muito até o czar esclarecer que seria o seu segundo filho mais velho a ocupar a posição de herdeiro. Pouco depois de o novo czarevich regressar a São Petersburgo após a morte do irmão, o czar convocou os seus súbditos para prestar o juramento de obediência ao novo herdeiro, o grão-duque Alexandre. Também recebeu uma deputação de nobres polacos que tinham viajado para dar as condolências ao czar pela morte do seu filho mais velho. Depois de os reprimir pelos pecados políticos dos seus compatriotas, que tinham agitado a independência do país, o czar apresentou-lhes o novo czarevich, dizendo que este tinha recebido o nome do czar que tinha criado o reino da Polónia; "Espero que ele saiba como governar esta herança com sabedoria e que não aceite aquilo que eu próprio não tolerei até hoje". Se alguma vez considerou excluir o seu segundo filho da linha de sucessão, é algo altamente discutível.


Alexandre II (sentado) com os filhos Paulo, Sérgio, Maria, Aleksei, Alexandre e Vladimir, a nora Maria Feodorovna e o neto, o futuro czar Nicolau II
Educado como soldado, um contemporâneo anónimo afirmou que o novo czarevich "não possui qualquer educação política, tem um conhecimento muito questionável de línguas para um homem na sua posição e possui um temperamento mais vocacionado para o comodismo do que para o trabalho. Acima de tudo, o novo herdeiro acha que aquilo de que mais precisa é de tempo para se adaptar a esta nova situação."

Alexandre (futuro Alexandre III, à direita) com o irmão mais velho, Nicolau
Tinha sido dada pouca atenção à sua educação até aquele momento; uma vez que ele não era herdeiro ao trono, os seus tutores não se tinham esforçado particularmente para o limar para o cargo de futuro soberano. Grande parte achava que teria um futuro pouco promissor na área académica, considerando-o lento e ponderado principalmente quando comparado com o seu irmão que possuía uma inteligência rápida. O czarevich tinha-se sempre esforçado arduamente por agradar aos outros, mas, a nível mental, era lento e tinha a tendência de levar a vida demasiado a sério. Era descrito como deselegante, grosseiro e com mau-feitio, quase como se fosse uma ovelha nega na família a quem faltavam boas maneiras, tinha uma disposição demasiado vincada para conflitos, era trapalhão, esbarrava contra tudo e deitava cadeiras e tudo o mais que se metesse no seu caminho ao chão. Os oficiais da corte nunca lhe tinham prestado grande atenção e tinham até a tendência de o ignorar pelo que a sua subida de posição e o facto de os outros o tratarem com mais respeito deve ter sido um motivo de satisfação para ele. Até Constantine Pobedonostsev, que mais tarde se tornaria seu amigo leal e conselheiro, tinha sempre elogiado os talentos naturais do seu falecido irmão mais velho ao mesmo tempo que lamentava o facto de Alexandre "ter sido tão mal tratado pela Natureza, que o colocou neste mundo sem o mínimo talento intelectual".

Alexandre em inícios da década de 1860
De modo a limá-lo como seu sucessor, o czar Alexandre II passou a convidá-lo a estar presente em reuniões com os seus ministros e conselheiros como observador, ao mesmo tempo que os seus tutores redobraram os seus esforços. No entanto, nenhum deles teve tanta influência como Pobedonostsev, cuja missão principal era convencer Alexandre dos seus deveres de respeitar e defender a autocracia na Rússia.

O futuro czar Alexandre III a cavalo
Dagmar da Dinamarca era filha do empobrecido príncipe Cristiano de Schleswig-Holstein-Sonderburg-Glucksburge da sua esposa, a princesa Luísa de Hesse-Cassel. A sua família, conhecida como os Glucksburg, vinha de meios modestos e os seus pais criaram os seus vários filhos de uma forma pouco ostensiva e religiosa, mas num ambiente despreocupado. Ninguém poderia imaginar que, um dia, os descendentes dos Glucksburg iriam reinar a Dinamarca, a Grécia e a Noruega e dar consortes para a Rússia, Grã-Bretanha, Hanôver, Roménia e Espanha. Mas, no final, esta família de poucos meios expandiu a sua influência por toda a Europa continental, o que valeu a Cristiano e à sua esposa a alcunha de “avós da Europa”.  

Cristiano IX e Luísa de Hesse-Cassel, pais de Dagmar
Dagmar foi uma das responsáveis pelo aumento da influência da família. Nascida na casa modesta da família, o Palácio Amarelo, em Copenhaga, a 26 de Novembro de 1847, era pouco mais do que a filha de um soldado nobre, uma vez que, na altura, o seu pai se encontrava a combater com o pequeno exército da Dinamarca enquanto que a sua mãe cuidava da família que crescia cada vez mais. As finanças da família eram de tal forma reduzidas que os seus pais não tinham possibilidades de contratar tutores, pelo que se responsabilizaram pessoalmente pela educação dos seus filhos.

Dagmar (à direita) com a sua mãe Luísa (centro) e três dos seus cinco irmãos (Thyra, Valdemar e Alexandra)
A sorte dos Glucksburg começou a melhorar quando o escandaloso rei Frederico VII da Dinamarca, que não tinha descendentes, reconheceu o príncipe Cristiano como seu herdeiro em 1852. Uma vez que a linha de sucessão principal da família real dinamarquesa se iria extinguir após a morte de Frederico VII, era necessário escolher um herdeiro. Cristiano não era o parente mais próximo do rei, mas a sua imagem era a que se encontrava menos comprometida perante a opinião internacional. Entretanto, enquanto o momento da sucessão não chegava, Dagmar e a sua irmã mais velha, Alexandra, continuaram a sua educação calmamente no Palácio Amarelo.

Frederico VII da Dinamarca com a sua esposa morganátia, Louise Rasmussen 
O início da década de 1860 trouxe consigo três eventos que mudariam para sempre o destino dos Glucksburgs. Primeiro, a princesa Alexandra da Dinamarca casou-se com o príncipe de Gales, depois o príncipe Guilherme foi escolhido como novo rei da Grécia, adoptando o nome de Jorge I e, por fim, o rei Frederico VII morreu e foi sucedido pelo príncipe Cristiano que passou a ser conhecido como rei Cristiano IX da Dinamarca. De um momento para o outro, as perspectivas de matrimónio da princesa Dagmar melhoraram consideravelmente. A sua mãe, agora rainha, mantinha contacto regular com a corte imperial russa, na qual pensava encontrar um substituto para a sua filha mais velha, Alexandra, caso a aliança com a Grã-Bretanha não se concretizasse. O contacto mais próximo que Luísa tinha na corte era a própria imperatriz Maria Alexandra, uma vez que ambas eram primas afastadas e conheciam-se dos seus tempos de juventude passados na Alemanha.

Luísa de Hesse-Cassel, rainha da Dinamarca e mãe de Dagmar
Assim que o casamento de Alexandra com o príncipe de Gales se realizou sem incidentes, Luísa centrou o seu entusiasmo e perseverança na sua filha Dagmar, recorrendo às suas relações familiares para chamar a atenção dos seus primos Romanov. Em finais de 1864, os seus esforços pareciam estar a dar resultado quando foi anunciado que o czarevich Nicolau Alexandrovich, herdeiro do czar Alexandre II da Rússia, iria casar-se com a jovem princesa dinamarquesa. A rede matrimonial dos Glucksburgs parecia imparável e colocou-os em confronto directo com a chancelaria de Berlim, governada por Otto von Bismark. Em 1863, após a morte de Frederico VII, Bismark orquestrou uma guerra contra a Dinamarca pelo controlo das províncias alemãs de Schleswig e Holstein. Ao mobilizar os exércitos dinamarqueses, Bismark conseguiu um ganho territorial importante, mas tornou-se também uma figurada odiada pelos Glusckburgs. Na qualidade de chanceler da Prússia, Bismark solidificou o ódio que a família real dinamarquesa sentia por tudo o que era prussiano, um ódio que foi transmitido por Dagmar e pelos seus irmãos aos seus filhos e netos, incluindo ao czar Nicolau II e ao rei Jorge V da Grã-Bretanha.

Dagmar (esquerda) com o pai Cristiano, o irmão Guilherme e a irmã Alexandra
Dagmar passou pela sua primeira grande tragédia da vida quando o seu noivo adoeceu subitamente e morreu em 1865. Com dezoito anos acabados de fazer, Dagmar perdeu aquele que tinha sido o seu primeiro grande amor. Não passou muito tempo até que a sua mãe e a sua futura sogra decidirem que Dagmar se deveria casar com o novo czarevich. O grão-duque Alexandre Alexandrovich era um jovem alto e bem-constituído que muitos desconfiavam estar secretamente apaixonado pela sua futura cunhada. Substituir Nicolau por Alexandre não foi uma tarefa demasiado complicada. Por seu lado, Dagmar também se começou a apaixonar intensamente pelo seu novo príncipe.

Postal publicado pela altura do noivado de Dagmar com o czarevich Nicolau Alexandrovich
No Outono de 1866, a princesa Dagmar chegou a São Petersburgo para se preparar para o seu novo papel como esposa do herdeiro do trono russo. Uma das suas primeiras aparições em público foi uma visita à catedral da Fortaleza de Pedro e Paulo para deixar uma coroa de flores na sepultura de mármore branco do seu primeiro noivo. Depois de ser baptizada na Igreja Ortodoxa pouco depois da sua chegada, recebeu o nome e título de grã-duquesa Maria Feodorovna.

Maria Feodorovna e Alexandre, pouco depois da chegada dela à Rússia
O casamento realizou-se a 28 de Outubro/9 de Novembro de 1866 na capela do Palácio de Inverno. A noiva usou um vestido de tecido prateado, uma cauda de brocado prateada forrada com arminho que brilhava com jóias. Foi a czarina Maria Alexandrovna que lhe colocou a coroa nupcial na cabeça. A cidade vibrou com uma salva de 21 balas de canhão. O czarevich, por seu lado, levou o uniforme azul do seu regimento de cossacos, e conduziu a sua noiva por uma série de galerias cheias de gente até à igreja onde se celebrou a cerimónia.

Gravura do casamento de Maria Feodorovna e Alexandre
Os pais de Maria não tiveram meios suficientes para viajar até São Petersburgo para estar presentes no casamento da filha, mas enviaram o irmão mais velho dela, o príncipe Frederico. O tesouro da família real dinamarquesa nunca fora abundante, mas, após a guerra de 1864 com a Prússia, tinha ficado particularmente pobre. Na cerimónia estava também presente o cunhado de Maria, o príncipe de Gales, mas teve de viajar sozinho, uma vez que a sua esposa, a irmã de Maria, estava grávida do seu terceiro filho na altura e não o pôde acompanhar. 

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

8 Curiosidades sobre Catarina, a Grande


Catarina II da Rússia (1729-1796) foi uma das governantes mais improváveis da História. Depois de se casar e entrar para a família Romanov na Rússia, viu-se no centro de um golpe de estado para retirar o seu marido do trono e coloca-la a ela no seu lugar. As conquistas conseguidas durante o seu reinado, que durou trinta-e-quatro anos, são muitas vezes ofuscadas pela sua vida pessoal que é vista como uma das mais escandalosas da sua e de outras épocas. No entanto, por detrás dos rumores e dos mexericos, encontra-se uma das governantes mais astutas e capazes da longa e turbulenta História da Rússia. Agora, 250 anos depois de ter subido ao trono a 9 de Julho de 1762, fique a saber algumas curiosidades sobre Catarina, a Grande.


1. O nome de Catarina, a Grande não era Catarina e ela nem sequer era russa.

A mulher que ficaria para a História como Catarina, a Grande, a mulher que durante mais tempo governou na Rússia, era na verdade a filha mais velha de um príncipe prussiano que estava na miséria. Nascida em 1729, Sofia de Anhalt-Zerbst recebeu várias propostas de casamento graças às origens nobres da sua mãe. Em 1744, quando tinha quinze anos de idade, Sofia recebeu um convite da czarina Isabel, filha do czar Pedro, o Grande da Rússia, que tinha subido ao trono três anos antes graças a um golpe de estado, para a visitar na Rússia. Isabel, que era solteira e não tinha filhos, tinha escolhido o seu sobrinho Pedro como herdeiro e estava agora à procura de uma noiva para ele. Sofia, que recebeu uma educação excelente da sua mãe e estava ansiosa por agradar os seus anfitriões, causou imediatamente um grande impacto em Isabel, mas não no seu futuro marido. O casamento realizou-se a 21 de Agosto de 1745 e a noiva teve de se converter à Igreja Ortodoxa Russa, mudando de nome para Ekaterina, ou Catarina.

Catarina com o seu marido, o futuro czar Pedro III
2. É provável que o filho mais velho – e herdeiro – de Catarina fosse ilegítimo

Catarina e o seu novo marido tiveram um casamento conturbado desde o início. Apesar de a jovem princesa prussiana ter sido importada para dar à luz um herdeiro, passaram oito anos sem que o casal tivesse filhos. Alguns historiadores acreditam que Pedro não conseguiu consumar o casamento enquanto outros defendem que era infértil. Profundamente infelizes na sua vida conjugal, Pedro e Catarina começaram a ter casos amorosos com outras pessoas, ela com Sergei Saltykov, um oficial do exército russo. Quando Catarina deu à luz um filho, Paulo, em 1754, surgiram rumores de que o pai da criança era Saltykov e não Pedro. Nas suas memórias, Catarina deu crédito a este rumor, chegando mesmo a afirmar que a imperatriz Isabel a tinha ajudado a encontrar-se com Saltykov. Embora hoje em dia os historiadores sejam da opinião que as afirmações de Catarina tinham como único objectivo descredibilizar Pedro e que ele era realmente o pai biológico de Paulo, existem poucas dúvidas relativamente aos restantes três filhos de Catarina: acredita-se que nenhum deles era filho de Pedro.


3. Catarina chegou ao poder num golpe de estado sem derramamento de sangue que, mais tarde, se tornou mortal

Isabel morreu em Janeiro de 1762 e o seu sobrinho sucedeu-a como Pedro III, tendo Catarina como consorte. Ansioso por deixar a sua marca na nação, terminou imediatamente a guerra que a Rússia estava a travar contra a Prússia, uma decisão que foi muito mal recebida pela classe militar do país. O seu plano de implementar um programa de reformas internas liberais que tinha como objectivo melhorar a qualidade de vida das classes mais baixas da Rússia também prejudicava membros da baixa nobreza. À medida que as tensões iam aumentando, surgiu o plano de tirar Pedro do poder. Quando a conspiração foi descoberta em Julho de 1762, Catarina movimentou-se rapidamente, conquistando o apoio do regimento militar mais poderoso do país que conseguiu fazer com que o seu marido fosse preso. A 9 de Julho, apenas seis meses depois de se tornar czar, Pedro abdicou e Catarina foi proclamada governante única. No entanto, aquele que tinha sido um golpe de estado sem derramamento de sangue não demorou a causar vítimas. A 17 de Julho, Pedro foi assassinado por Alexei Orlov, irmão do amante de Catarina, Gregory. Apesar de não existirem provas de que Catarina soubesse do assassinato antes deste acontecer, o acontecimento ensombrou o início do seu reinado.


4. Catarina enfrentou mais de doze revoltas durante o seu reinado.

Entre as muitas revoltas que ameaçaram o reinado de Catarina, a mais perigosa foi a que sucedeu em 1773, quando um grupo de cossacos e camponeses armados liderados por Emelyan Pugachev se revoltaram contra as condições sociais e económicas difíceis que viviam a classe mais pobre da sociedade russa, os servos. Tal como aconteceu com muitas das outras revoltas que Catarina enfrentou, a Revolta de Pugachev questionou a validade do seu reinado. Pugachev, um antigo oficial do exército, dizia ser o deposto Pedro III, que todos acreditavam estar morto, e, por isso, era ele o herdeiro legítimo do trono. Um ano depois de dar início à sua campanha, Pugachev já tinha conseguido juntar milhares de apoiantes e conquistado uma parque significativa do território, incluindo a cidade de Kazan. Inicialmente, Catarina preocupou-se com a revolta, mas não demorou a responder com força. Enfrentados pelo grande exército da Rússia, os apoiantes de Pugachev acabariam por abandoná-lo e ele acabaria preso e executado em público em Janeiro de 1775.


5. Ser amante de Catarina dava grandes lucros.

É conhecida a fama de Catarina ser fiel aos seus amantes, tanto durante a sua relação como depois de esta terminar. Normalmente, Catarina terminava as suas relações nos melhores termos com os seus parceiros, dando-lhes títulos, terras, palácios e até pessoas – chegou a presentear um antigo amante com mais de 1000 servos, ou escravos. Mas talvez aquele que mais lucrou tenha sido Estanislau Poniatowski, um dos seus primeiros amantes e pai de um dos seus filhos. Membro da nobreza polaca, Poniatowski envolveu-se com Catarina (que ainda não tinha chegado ao trono) quando foi enviado para a embaixada britânica em São Petersburgo. Mesmo quando um escândalo provocado em parte pela sua relação o obrigou a deixar a corte russa, os dois continuaram próximos. Em 1763, muito depois do final da sua relação e um ano depois de Catarina chegar ao trono, a imperatriz apoiou Poniatowski financeira e militarmente no seu esforço para se tornar rei da Polónia, o que acabaria por acontecer. No entanto, assim que chegou ao trono, o novo rei, que Catarina e outros achava que seria um mero fantoche para servir os interesses da Rússia, deu início a uma série de reformas para fortalecer a independência do seu país. Aquela que foi outrora uma ligação forte entre dois antigos amantes não demorou a azedar e Catarina obrigou Estanislau a abdicar, sendo a Rússia o país que mais forçou a dissolução da recém-criada República das Duas Nações.



6. Catarina via-se como uma governante iluminada

O reinado de Catarina ficou marcado pela sua vasta expansão territorial, algo que contribuiu muito para os cofres da Rússia, mas que aliviou pouco o sofrimento do seu povo. Até as suas tentativas para implementar reformas governamentais eram muitas vezes vetadas pela vasta aristocracia russa. No entanto, Catarina considerava-se uma das governantes mais iluminadas da Europa e muitos historiadores concordam. Escreveu vários livros, panfletos e materiais educativos que tinham como objectivo melhorar o sistema educativo na Rússia. Apoiava as artes, tendo mantido durante toda a vida correspondência com Voltaire e outros filósofos proeminentes da época e criou uma das colecções mais impressionantes de arte do mundo no Palácio de Inverno, em São Petersburgo (agora inserida no famoso Museu Hermitrage) e até tentou compor uma ópera. 



7. Ao contrário do mito popular, Catarina teve uma morte bastante normal e nada de especial aconteceu.

Tendo em conta a reputação chocante da imperatriz, talvez não seja de admirar que houvesse sempre rumores sobre ela, mesmo depois de morta. Quando morreu a 17 de Novembro de 1796, os seus inimigos na corte começaram imediatamente a espalhar vários rumores sobre os últimos dias da imperatriz. Alguns diziam que a governante toda poderosa tinha morrido na casa-de-banho. Outros levaram os rumores ainda mais longe e criaram um mito que ainda se prolonga até aos dias de hoje: que Catarina, cuja vida luxuriosa era um segredo aberto, tinha morrido enquanto praticava relações sexuais com um animal que muitos acreditam ter sido um cavalo. Obviamente este rumor não tem qualquer fundo de verdade. Apesar de os seus inimigos terem esperado por um fim escandaloso, a verdade é que Catarina simplesmente sofreu uma apoplexia e morreu calmamente na sua cama no dia seguinte.

Catarina, a Grande com a sua nora Maria Feodorovna e o filho, o futuro czar Paulo I
8. O filho mais velho de Catarina teve o mesmo destino macabro que o pai.

Era conhecida a relação conturbada de Catarina com o seu filho mais velho, Paulo. O menino tinha sido retirado à mãe pouco depois de nascer e foi criado em grande parte pela antiga czarina Isabel e uma série de tutores. Depois de ter subido ao trono, Catarina, temendo que o seu filho se vingasse dela pela deposição e morte do seu pai, manteve-o afastado dos assuntos de estado, o que o tornou ainda mais isolado. A relação entre eles era tão má que, às vezes, Paulo se mostrava convencido de que a sua mãe o planeava matar. Embora Catarina nunca tivesse tido tais planos, era verdade que temia que Paulo se tornasse um governante incompetente e procurou outras alternativas para a linha de sucessão. Tal como a imperatriz Isabel tinha feito antes de si, Catarina controlou a educação dos filhos mais velhos de Paulo e havia vários rumores que diziam que era sua intenção nomear os seus netos herdeiros, passando Paulo à frente na sucessão. De facto, acredita-se que Catarina pretendia tornar esta decisão oficial em finais de 1796, mas morreu antes de o fazer. Temendo que o testamento da mãe incluísse clausulas para tornar esse plano possível, Paulo confiscou o documento antes deste se tornar público. Alexandre, o filho mais velho de Paulo, sabia dos planos da avó, mas cedeu à pressão e não enfrentou o seu pai. Paulo tornou-se czar, mas não demorou a tornar-se tão imprevisível e pouco popular como a sua mãe tinha temido. Após cinco anos de reinado, acabaria por ser assassinado e o seu filho, Alexandre, de vinte-e-três anos, subiu ao trono como Alexandre I. 

Tradução do artigo "8 Things You Didn't Know About Catherine the Great", escrito por Barbara Maranzani para o site do Canal História e publicado a 9 de Julho de 2012.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A Morte de Maria Alexandrovna e o Segundo Casamento de Alexandre II

Alexandre II, Maria Alexandrovna e três dos seus filhos
Em Maio era costume a corte imperial mudar-se para Gatchina para assistir às manobras de verão ao mesmo tempo que o czarevich, o grão-duque Vladimir e as suas respectivas famílias partiam para as suas residências de verão. Embora estivesse a perder as suas forças, a czarina [Maria Alexandrovna] queria ir passar o verão a Gatchina e os médicos concordaram que ela o devia fazer se assim o entendesse. Tinha passado o outono e o inverno em Cannes e sentia-se bem o suficiente para viajar. Em Maio, a sua filha Maria foi avisada que já não restava muito tempo de vida à mãe, por isso decidiu viajar até à Rússia, para estar com ela. A duquesa de Edimburgo estava tão desencantada com a vida em Inglaterra sob a vigilância matriarcal da sua sogra, a rainha Vitória, que estava desejosa por arranjar alguma desculpa para poder regressar a casa. Apesar disso, ficou chocada quando descobriu que Catarina Dolgorouky, a amante do pai, e os seus filhos se tinham instalado em aposentos no Palácio de Inverno que ficavam directamente acima dos aposentos da sua mãe e teve uma discussão séria com o seu pai. Abalado por perder a sua última aliada na família, o czar partiu apressadamente para Gatchina antes dela para poder assistir às manobras militares. No entanto, a discussão com a filha pesou-lhe na consciência, já que regressava todas as manhãs a São Petersburgo para saber da saúde da esposa.

Alexandre II com a sua filha, a duquesa de Edimburgo
No entanto, no dia 3 de Junho de 1880, os sofrimentos da czarina Maria Alexandrovna terminaram quando ela morreu em paz enquanto dormia. No dia do funeral, que se realizou na catedral da Fortaleza de Pedro e Paulo, o czar carregou o caixão com a ajuda dos filhos desde a catedral até à sua sepultura, embora os seus filhos talvez considerassem com alguma amargura que Alexandre tinha contribuído para a sua morte. Uma vez que ainda era apenas uma dama-de-companhia, Catarina Dolgorouky não foi obrigada a estar presente.

A czarina Maria Alexandrovna nos seus últimos anos de vida
O viúvo passou então a estar livre para oficializar a sua relação com a mulher que já considerava ser a sua "verdadeira esposa perante Deus". Um mês após a morte de Maria Alexandrovna, apanhou o seu camareiro, o conde Adlerberg, quando o informou de que tencionava casar-se com a princesa Dolgorouky daí a uma semana numa divisão escondida do Palácio de Isabel em Czarskoe Selo, no mais profundo dos segredos. Alderberg questionou se não seria mais prudente esperar até que o herdeiro do trono e a sua esposa, que, na altura, estavam no estrangeiro, regressassem, mas o czar insistiu que não havia tempo a perder. De qualquer das formas, o conde já devia saber qual era a opinião do seu filho relativamente ao assunto. A Igreja Ortodoxa exigia no mínimo um período de luto de quarenta dias para viúvos. Segundo Alexandre, todos os dias havia o risco de ele vir a sofrer um atentado terrorista que o mataria e, por isso, "estava preocupado em garantir o futuro do ser que tinha vivido só para mim ao longo dos últimos quarenta anos", assim como o dos seus filhos com ela.


Catarina Dolgorukov
A 6/18 de Julho, os dois casaram-se num dos apartamentos do palácio em Czarskoe-Selo. Os únicos que os ajudaram a preparar-se foram o padre, um diácono e um corista. O czar vestiu o seu uniforme azul de hussardo da guarda e a princesa levou o seu casaco de dia beije preferido. Foi montado um pequeno altar com uma mesa com uma cruz em cima, o evangelho, duas lanternas, os anéis nupciais e as coroas. Quando o casal chegou, começou a cerimónia com dois ajudantes-de-campo a segurar as coroas matrimoniais por cima das cabeças do noivo e da noiva que estavam ajoelhados. Os preparativos para a cerimónia secreta tinham sido realizados com tal secretismo que não só não havia convidados nem tinham sido chamados os representantes de outras potências estrangeiras, como nem sequer tinham sido avisados os oficiais do governo, funcionários do palácio nem criados, excepto os que organizaram a cerimónia. No dia do casamento, o czar deu à sua nova esposa o título de Sua Alteza Sereníssima, a princesa Youriecsky e os seus filhos foram legitimados através de uma ukaze imperial. Quando o czarevich e a sua esposa regressaram da Dinamarca, o czar convocou-os à sua presença e comunicou-lhes a notícia, pedindo-lhes para a tratarem sempre bem. Alguns dias depois, Alexandre II chamou Loris-Melikov e pediu-lhe para o aconselhar relativamente ao título da sua esposa. Este admitiu que, embora não existe qualquer precedente de um czar que se tivesse casado uma segunda vez e tivesse coroado a sua segunda esposa imperatriz (Pedro, o Grande tinha-se divorciado da sua primeira esposa e ambas tinham sido coroadas imperatrizes), esses precedentes poderiam ser sempre criados por um autocrata.

Alexandre II
A decisão do czar foi condenada por todas as cortes europeias, apesar de a maior parte mostrar um certo nível de compreensão pela atitude. Em Berlim, a princesa-herdeira Vitória considerou que "penso que a pressa incrível com que o imperador se casou enquanto a corte estava ainda de luto pela pobre imperatriz poderá ser atribuída e, até certo ponto, justificada pela sua vontade de cumprir o dever de um homem honrado perante uma senhora e os seus filhos que ele tinha colocado numa situação muito dolorosa". Embora fosse quase impossível não sentir algum ressentimento pela falta de respeito demonstrada à memória da falecida imperatriz, "e por muito que os filhos tenham ficado magoados com o segundo casamento do pai, penso que é preferível que assim seja do que se tivessem continuado a sentir-se envergonhados da vida que ele vivia".

Vitória, princesa-herdeira da Alemanha
Os grão-duques mão podiam fazer nada relativamente à ordem do czar para que eles e as suas esposas jantassem com ele e com a sua nova esposa, mas as grã-duquesas nunca deixaram de tratá-la de forma fria e chamávam-na "aquela aventureira manipuladora". Na posição de filho mais velho da czarina e sendo aquele que mais ressentia a atitude do pai, o czarevich mostrava-se particularmente insensível. Pelo bem das boas maneiras, tal como os irmãos faziam, estava preparada para ser civilizada, mas não cortês perante a sua madrasta. No entanto, quando ela não estava presente, não hesitava em denunciar "a intrusa" que achava "manipuladora e imatura". Com trinta-e-três anos de idade, ela era apenas dois anos mais nova do que ele. Até chegou a considerar mudar-se com a esposa e os filhos para a Dinamarca, apesar de o momento de subir ao trono poder chegar a qualquer altura e isso não passar de uma ameaça sem conteúdo.

O czarevich Alexandre, futuro Alexandre III
Catarina não era tratada oficialmente como "Sua Majestade", mas o czar planeava coroá-la sua consorte numa data futura. Existe a teoria de que Loris-Melikov tinha sugerido que o casamento deveria ser anunciado publicamente, que ela deveria ser declarada imperatriz e que se deveria enfatizar o facto de, pela primeira vez na história da casa imperial, havia uma imperatriz que era realmente russa. Ao mesmo tempo, uma zemsky sobor, ou seja uma assembleia de delegados dos zemstvos, deveria ser convocada para colocar o regime czarista numa nova base constitucional e nacional. Alguns temiam que, se tal tivesse sido feito, teria surgido um movimento a favor de substituir o czarevich Alexandre por Jorge Alexandrovich Yourievsky, filho mais velho de Catarina e do czar. Embora Loris-Melikov pudesse considerar essa ideia viável, seria pouco provável. De qualquer das formas, o czar deixou claro em privado que, independentemente da relação que tinha com o seu filho, Alexandre era e continuaria a ser o seu herdeiro.


Jorge Alexandrovich Yourievsky, filho do czar Alexandre II e da sua segunda esposa, Catarina
Dentro da família, apenas os grão-duques Constantino e Miguel continuaram a apoiar completamente o irmão e a sua nova cunhada. Antes de levarem as suas esposas e filhos a São Petersburgo para os conhecerem, avisaram-nos de forma firme que tinham de estar preparados para conhecer a sua nova imperatriz, ignorando os protestos das suas esposas de que "ela" não era nenhuma imperatriz e relembrando-as que, como súbditos do czar, não tinham direito de criticar as suas decisões. A princesa seria coroada imperatriz assim que o período de luto pela "tia Maria" terminasse e, até lá, devia ser tratada como tal. Todos os filhos do grão-duque Miguel aceitaram o assunto sem problemas, apesar de ter terminado abruptamente a conversa quando um deles, o grão-duque Sérgio Mikhailovich, começou a fazer perguntas embaraçosas relativamente às origens da sua nova prima.

Grão-duque Miguel Mikhailovich
Alguns ministros, principalmente Loris-Melikov, aceitaram o casamento como algo perfeitamente razoável e procuraram sempre obter a amizade e apoio da princesa Yourievsky. O czar encontrou conforto na companhia da sua segunda família e, depois de passar uma hora com o seu filho mais velho do segundo casamento, Jorge (ou 'Gogo'), de oito anos, parecia estar sempre de bom-humor.

Catarina com os seus dois filhos mais velhos, Jorge e Olga
O grão-duque Alexandre Mikhailovich, sobrinho do czar, descreveu uma refeição em família na qual o czar, já com mais de sessenta anos, se comportou como um jovem de dezoito apaixonado, sussurrando palavras de encorajamento à sua esposa, perguntando-lhe se ela queria vinho, concordando com tudo o que ela dizia e satisfeito pelos membros mais jovens à mesa a terem aceitado. No fim do jantar, a governanta trouxe os seus filhos para a sala e o czar sentou Jorge no seu joelho. "Diz-nos, Gogo, qual é o teu nome completo?" ao que a criança de oito anos respondeu com orgulho: "Sou o príncipe Jorge Alexandrovich Yourievsky" enquanto brincava com as patilhas do pai com as suas mãozinhas. "Ficámos todos muito contentes por o ter na nossa presença, príncipe Yourievsky. Já agora, gostavas de ser grão-duque?" Quando ouviu esta pergunta, a princesa Youriesky corou profundamente. Foi uma manifestação de afecto paternal que o resto da família achou um quanto nauseabunda, principalmente a grã-duquesa Olga Feodrovna, esposa do grão-duque Miguel, que disse irritada ao marido que nunca na vida iria reconhecer aquela "aventureira calculista" que tinha separado a família e estava a "conspirar para arruinar o império".

Texto retirado do livro "The Romanovs: 1818-1959" de John van der Kiste