Java

domingo, 26 de junho de 2011

O Jovem Oficial e as Bonecas - Margaret Eager

Margaret Eager (esquerda, a segurar Anastásia) com as filhas do czar
Depois de sairmos de Spala fomos para a Criméia. Chegamos a Alma à hora de ir dormir e fiquei triste por não ter visto nada do seu famoso campo de batalha. Quando acordei na manhã seguinte fiquei encantada ao descobrir que ainda estávamos na estação de comboio, por isso acabei por conseguir ver o local muito bem pela janela. Começamos a viagem às oito da manhã e atravessamos campos magníficos. Havia montanhas altas, cheias de árvores, ainda mais maravilhosas devido à sua folhagem de Outono; nunca tinha visto cores assim. Pouco depois chegamos a Inkermann onde existe um mosteiro maravilhoso, na borda de um grande penhasco. A natureza moldou grande parte das cavernas que são usadas como quartos, mas os monges também construíram muita coisa. As janelas e portas foram feitas por eles e o mosteiro está bem mobilado e tem uma bela igreja.
Pouco depois de termos saído de Inkermann, chegamos a Sevastopol. Os russos pronunciam este nome como Sevastdpol, com acentuação na terceira sílaba. Era aqui que o iate estava à nossa espera e onde embarcamos. Sou uma entusiasta de iates, desde que estes estejam ancorados, mas quando eles começam a andar é outra história.

Margaret Eager com a grã-duquesa Tatiana a bordo do iate imperial
Sevastopol deve ter parecido quase impenetrável, situada entre penhascos altos e áridos, que se erguem da água; uma pessoa pode perguntar-se como é que os exércitos inimigos conseguiram atracar. Estava a olhar para a paisagem, a pensar nestas coisas, quando o barão M., que é general do regimento de cossacos, me perguntou no que estava eu a pensar. Respondi-lhe e, com um brilho nos olhos, contou-me o seguinte: “Está a ver, os pobres russos estavam com muita fome e o cozinheiro tinha-lhes preparado um belo jantar. Quando ouviram a sineta do jantar, todos foram a correr e os ingleses entraram por aqui calmamente. Quando os russos voltaram, os ingleses já estavam à espera do seu jantar dentro da cidade. Foi um grande choque para os russos.” Agradeci-lhe educadamente pelo conhecimento que me tinha transmitido e ele disse que ficava feliz por melhorar a minha educação, mas se aquilo que ouvia dele fosse diferente daquilo que tinha ouvido antes, podia acreditar no que quisesse.

Olga e Tatiana
Só passamos um dia em Sevastopol dessa vez e continuamos a percorrer o mar até Yalta. O Mar Negro costuma ser muito difícil de navegar e foi o que aconteceu desta vez. A viagem de Secastopol até Yalta durou cerca de quarenta horas. Tinhamos começado à noite e chegamos ao nosso destino na manhã do dia seguinte. Foi um grande alívio quando finalmente chegamos a terra firme.
Yalta é uma cidadezinha bonita onde grande parte da sua população consiste de viajantes e turistas, fora da época alta tem muito poucas pessoas. As lojas ficam fechadas e os seus donos viajam para o Cáucaso ou para partes ainda mais remotas da Rússia para fazerem os seus negócios lá. Muitos deles são judeus e alguns são arménios. Uma das lojas que conheci era gerida por uma mulher arménia de baixa estatura e pelo seu marido. A mulher tinha salvado alguns missionários e colocada numa escola de missões inglesa onde tinha aprendido a falar inglês. Adorava Mr. Gladstone e acreditava verdadeiramente que ele era um santo. Tinha uma pequena loja, muito bonita, com todo o tipo de objectos orientais, prata caucasiana e pequenas bugigangas que serviam de presentes. Algumas destas coisas tinham um preço muito razoável, enquanto outros eram mais caras do que em Londres. A prata, por exemplo, é barata e de muito boa qualidade.

A família imperial a bordo do iate
A propriedade do imperador nesta região chama-se Livadia e está localizada a meio de uma montanha, rodeada de vastas vinhas que descem a montanha até ao mar. As uvas são deliciosas. O Mar Negro, tal como o Báltico, não tem ondas. Em Livadia há uma praia rochosa onde as crianças brincavam todas as manhãs. As criadas vestiam-nas nos seus vestidos e sapatos de banho e elas chapinhavam na água quente pelo sol e apanhavam conchas. Um dia estava a levá-las para casa quando nos encontramos com um jovem oficial do Standart que lhes perguntou o que tinham elas nas mãos. As meninas mostraram os pedacinhos de pedras verdes que tinham apanhado e perguntaram-lhe timidamente se ele queria ficar com elas. O jovem recolheu as pedras das mãos das meninas e quando o voltei a ver elas estavam decoradas com ouro e presas à corrente do seu relógio. O jovem disse que nunca se iria separar delas por nada deste mundo, visto que tinham sido as meninas a encontrá-las e a ter a gentileza de as oferecer. De facto, era muito divertido ver como as pessoas tratavam estas pequenas donzelas. Certo dia estávamos a entrar numa carruagem em Peterhof quando vimos um oficial a correr na nossa direcção só para dizer bom dia. As pequenas grã-duquesas, que eram muito amigáveis, começaram a falar com ele e uma delas tirou um brinquedo de madeira do bolso e perguntou-lhe se ele gostaria de ficar com ele. O oficial ficou muito agradecido e contou-me que estava a passar por um período difícil e que se chegasse a tempo de reverenciar as meninas, os seus problemas desapareceriam. “E como pode ver,” disse ele, “não só cheguei a tempo de as reverenciar como beijei as suas mãos e ainda recebi um pequeno brinquedo de uma delas. Vou guardar este brinquedo até morrer.” Quando o voltei a ver ele garantiu que o mau agouro tinha passado e que agora estava tudo bem.
Olga, Tatiana e Maria com Miss Eager na praia de Livadia
Havia um oficial alemão alto nos Guardas e ele costumava pedir sempre uma boneca à grã-duquesa Olga, uma pequena que ele pudesse levar no bolso e brincar com ela enquanto estivesse de serviço. A pobre Olga Nikolaevna não sabia se ele estava a brincar ou a falar a sério. Disse-lhe que uma boneca o ia deixar muito feliz e que devia ser uma muito pequena. Olga acabou por me trazer duas bonequinhas muito pequenas, vestidas com roupas masculinas, uma sem um pé e a outra sem um braço. Disse-lhe que era melhor oferecer bonecas que não estivessem partidas e ela respondeu: “Sim, mas estas são meninos e ele é um homem, acho que ele não ia gostar de uma boneca de menina.” Disse-lhe que lhe perguntasse quando o visse.
Olga Nikolaevna
Na manhã seguinte pus a boneca do bolso da grã-duquesa e durante o nosso passeio encontramo-nos com o capitão S., que começou imediatamente a dizer que se sentia muito sozinho e que talvez uma pequena boneca lhe pudesse fazer companhia. A Olga colocou a mão no bolso e retirou a boneca, escondendo-a atrás das costas. “Qual preferia? Uma boneca menina ou uma boneca menino?” O oficial respondeu de forma muito séria, “Uma bonequinha menina seria igual à menina e iria gostar muito disso, mas um menino seria uma boa companhia.” A Olga ficou muito contente e deu-lhe a boneca, dizendo: “Fico muito contente, estava com medo de que não gostasse da menina.” O oficial guardou a boneca com todo o cuidado.

Olga
Pouco depois o oficial foi de férias. Quando regressou, logo que viu a grã-duquesa, começou a pedir outra boneca. A Olga respondeu reprovadoramente: “Será possível que já tenha partido a boneca que lhe dei?” Com grande cuidado, ele respondeu que a boneca se estava a sentir sozinha sem mais ninguém e queria dar-lhe um companheiro, não importando se ele estivesse partido ou não. Então a grã-duquesa andou com outra boneca no bolso durante vários dias até o encontrar novamente e a entregar.


Margaret Eager foi a ama das crianças, quase desde do nascimento de Olga até pouco depois do nascimento de Aleksei. Inglesa de origem, foi ela a grande responsável pelo ensino desta língua às quatro grã-duquesas. Este relato aconteceu em 1901, pouco depois do nascimento de Anastásia, durante uma viagem à Crimeia durante a qual o czar Nicolau II viria a adoecer de Tifo e é retirada do livro de memórias da mesma: "Six Years at the Russian Court".

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