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terça-feira, 27 de março de 2012

As Crianças Imperiais - Anna Vyrubova

Alexandra Feodorovna com os filhos em Czarskoe Selo

O ano de 1912, apesar de estar destinado a acabar com a doença quase fatal do czarevich, começou de forma feliz para a família imperial. O inverno e a primavera foram pacíficos, o imperador andava ocupado com os habituais assuntos do império, a imperatriz, até onde a saúde lhe permitia, supervisionava a educação dos filhos e todos eles andavam ocupados com os seus livros e tutores. Deve dizer-se que nada foi omitido da educação dos filhos de Nicolau II e da imperatriz Alexandra Feodorovna que não os tornasse russos verdadeiros e leais, e os métodos de ensino aplicados foram cosmopolitas. Tinham tutores franceses, suíços e ingleses, mas todos os seus estudos eram controlados por um russo, o culto senhor Petrov, enquanto que certas disciplinas como física e ciência natural lhes eram ensinadas em regime particular numa escola em Czarskoe Selo. A primeira professora das crianças, de quem elas receberam a sua educação básica, foi a senhora Schneider, que tinha a alcunha de “Trina”, uma nativa dos estados bálticos do império. A senhora Schneider começou a servir a família alguns anos antes do casamento do imperador e da imperatriz, tendo sido responsável por ensinar russo à grã-duquesa Isabel Feodorovna. Depois ensinou russo quando a imperatriz chegou ao país e acabou por ficar na corte como leitora da imperatriz. A “Trina” era uma pessoa bastante difícil em vários aspectos, aproveitando-se da sua posição, mas não havia dúvidas de que era importante e dedicava-se de alma e coração à família. Acompanhou-os para a Sibéria e desapareceu lá com eles.

Anastásia, Maria e Alexei com as primas Olga e Isabel da Grécia em 1912


Talvez o instrutor mais valorizado fosse o senhor Pierre Gilliard, cujo livro “Treze Anos na Corte Russa” foi publicado em várias línguas e foi muito bem recebido. O senhor Gilliard, um cavalheiro suíço de muitos talentos, chegou a Czarskoe Selo para se tornar primeiro professor de francês das pequenas grã-duquesas. Depois também se tornou tutor do czarevich. O senhor Gilliard vivia no palácio e tinha a total confiança e carinho de Suas Majestades. O senhor Gibbs, o professor de inglês, também era um dos seus amigos mais chegados. Ambos estes homens acompanharam a família no exílio e permaneceram fiéis e amigos dedicados até serem expulsos à força pelos bolcheviques.

Pierre Gilliard


No seu livro, o senhor Gilliard recordou que nunca conseguiu ensinar as grã-duquesas a falar francês fluentemente. Tal é verdade porque as línguas usadas pela família eram o inglês e o russo e as crianças nunca se interessaram por outras línguas. A “Trina” devia ter-lhes ensinado a falar alemão, mas teve ainda menos êxito nessa língua do que o senhor Gilliard com o francês. O imperador e a imperatriz falavam quase exclusivamente em inglês, assim como o irmão da imperatriz, o grão-duque de Hesse, e a sua família. Entre si, as crianças falavam russo. Apenas o czarevich, graças à companhia constante do senhor Gilliard, conseguiu dominar o francês.

Alexei com Pierra Gilliard e Mr. Gibbs


Cada pormenor da educação das crianças foi supervisionado pela imperatriz que muitas vezes se sentava com eles na sala-de-aula durante horas. Foi ela quem lhes ensinou a coser e a bordar e a sua melhor aluna era a Tatiana, que tinha um talento extraordinário para todo o tipo de trabalhos manuais. Não só fazia blusas e outras peças de roupa, bordados e croché, como também arranjava o longo cabelo da mãe muitas vezes e ajudava-a a vestir-se tão bem como uma criada profissional. Não que a imperatriz pedisse tantos pormenores na sua roupa como a típica mulher na sua posição. Possuía aquele tipo de modéstia vitoriana que proibia qualquer intromissão à privacidade do seu quarto-de-vestir. Tudo o que as criadas tinham permissão para fazer era arranjar-lhe o cabelo, apertar-lhe as botas, vestir-lhe o vestido e colocar-lhe as jóias. A imperatriz tinha muito gosto na forma como se vestia e escolhia sempre as suas jóias para complementar e não apenas como ornamento do seu vestido. “Só quero rubis hoje,” dizia ela, ou então “pérolas e safiras para este vestido.”

Alexandra


A imperatriz e os seus filhos foram representados como se estivessem sempre rodeados de criados alemães, mas essa acusação é absolutamente falsa. A responsável pelo governo da casa era a senhora Gheringer, uma senhora russa que vinha todos os dias ao palácio, encomendava vestidos, fazia todas as compras necessárias, pagava as contas e executava todos os serviços pedidos pela imperatriz. A criada principal da imperatriz era Madeleine Zanotti, de origem inglesa e italiana que tinha vivido em Inglaterra a vida inteira antes de se mudar para Czarskoe Selo. Era uma mulher de meia-idade, muito inteligente e, como era costume das pessoas na sua posição, tinha tendência a ser tirânica. Madeleine era encarregada de todos os vestidos e jóias da imperatriz e, como já disse anteriormente, criticava muitas vezes os hábitos indolentes da imperatriz em relação, por exemplo, a troca de correspondência entre outras coisas. Uma segunda criada era Tutelberg, ou “Toodles”, uma menina bastante lenta e calada do Báltico. Ela e Madeleine eram grandes inimigas, mas concordavam numa coisa: nenhuma das duas aceitava usar barretes e aventais. A imperatriz aceitou esta exigência de boa vontade e permitiu que as criadas usassem apenas vestidos negros com fitas na cabeça. Havia criadas menos importantes, todas elas russas, e completamente dedicadas à família imperial. Estas raparigas, que usavam os barretes e aventais brancos protocolados, cuidavam dos quartos da imperatriz e das crianças. Quando a revolução rebentou, todas as criadas permaneceram fiéis à família e, uma delas, como irei contar depois, levou a cabo um serviço muito perigoso quando levou cartas escondidas à família na Sibéria. Uma das raparigas, Anna Demidova, foi morta com a família em 1918.

Anna Demidovna


O imperador tinha três criados, um dos quais, Shalferov, que tinha servido o czar Alexandre III, se tornou espião durante a Revolução. Outro, o velho Raziesh, que também tinha sido criado de Alexandre III, morreu ao serviço de Nicolau II, e foi substituído por Chemodurov, um homem honesto e muito leal. O terceiro criado chamava-se Katov. Tal como o nome comprova, todos eles eram russos, assim como os três homens que serviam a imperatriz, Leo e Kondratiev, ambos mortos durante os primeiros dias da Revolução, e Volkov, que acompanhou a família até à Sibéria com a permissão do Governo Provisório.

Nicolau II


As amas das crianças eram russas e a principal chamava-se Marie Vechniakova. Outras de quem me lembro bem eram a Alexandra, a quem chamavam “Shoura” e era uma das favoritas das meninas, Anna e Lisa, raparigas gentis e fiéis que não falavam mais nada além de russo. Havia, claro, centenas de criados e, que eu saiba, a maioria, senão todos, eram russos. O cozinheiro, Cubat, era francês e muito bom naquilo que fazia. Às vezes, quando um prato mais elaborado era preparado, Cubat estava acostumado a apresenta-lo, deixando-se ficar muito hirto na entrada, vestido em linho imaculadamente branco, até que o prato fosse servido. Cubat ficou muito rico ao serviço do czar e actualmente vive uma vida feliz e abastada na sua adorada França. Creio que foi muito leal até ao fim, algo que é mais do que se pode dizer da maioria dos criados. Os filhos deles foram educados às custas do imperador e a maioria, em vez de escolher profissões uteis, preferiu ir para a universidade, onde quase se tornaram revolucionários. Na opinião do meu pai, isto aconteceu devido ao facto de as universidades e liceus russos oferecerem pouco treino prático. Quando se apercebeu disto, a imperatriz abriu uma escola técnica em São Petersburgo para ambos os sexos que recebia estudantes de todo o Império. Nesta escola, os estudantes eram treinados para ensinar vários ofícios e, além desta academia normal, a imperatriz também abriu muitas escolas públicas onde rapazes e raparigas aprendiam as belas artes camponesas de bordar, tinturaria, entalhe e pintura. Estou a dar estes pormenores porque acho que são importantes para desmentir os rumores criados por escritores sensacionalistas que nunca poderiam ter sabido nada da vida privada da família imperial russa, mas que mesmo assim prejudicaram a campanha pela verdade.

Olga e Tatiana


Nenhum destes escritores sensacionalistas sabia ou tentou descobrir como o regime seguido pelas crianças era simples, para não dizer rigoroso. Todas elas, até o delicado czarevich, dormiam em camas-de-campanha armadas sem almofadas e com o menor número possível de cobertores. Tomavam um banho de água fria todas as manhãs e apenas tinham direito a água quente à noite. Devido a esta vida simples, a personalidade das crianças era modesta e natural sem um único vestígio de grandiosidade. Apesar de em 1912 as quatro meninas já estarem quase a chegar à idade adulta (a Olga já tinha dezoito anos e a Tatiana quase dezasseis), os seus pais continuavam a vê-las como crianças. As duas meninas mais velhas eram chamadas “as grandes” e recebiam muitos privilégios de adultos como, por exemplo, a possibilidade de ir a concertos e ao teatro com o imperador. As suas grã-duquesas mais novas e o czarevich eram “os pequeninos” e ainda não tinham saído do quarto-das-crianças.

Maria, Tariana, Olga e Anastásia


Nas sombras do mistério que assombra o destino destas crianças inocentes, é com grande emoção que as recordo, tal como elas pareciam: cheias de vida e de alegria, naqueles dias distantes, mas, ao mesmo tempo, incrivelmente próximos, antes da Grande Guerra e da queda da Rússia imperial. Das quatro meninas, a Olga e a Maria tinham o aspecto mais russo, mostrando bem as suas origens Romanov. A Olga era, talvez, a mais inteligente de todas, tinha uma mente que compreendia tudo muito depressa e absorvia muito bem tudo o que aprendia quase sem se esforçar ou estudar. As suas características principais, devo dizer, eram uma grande força de vontade e um hábito muito directo de pensamento e acção. Embora estas qualidades sejam admiráveis numa mulher, numa criança podem ser difíceis e a Olga, quando era mais pequena, mostrou-se sempre muito teimosa e até desobediente. Tinham um temperamento quente que aprendeu a controlar cedo e, caso tivesse tido a oportunidade de viver uma vida normal, creio que se teria tornado uma mulher influente e distinta. Era muito bonita, com olhos azuis brilhantes e um rosto encantador que se parecia muito com o pai na delicadeza dos traços, principalmente o seu nariz delicado e ligeiramente pontiagudo.



Olga Nikolaevna


A Maria e a Anastásia também tinham cabelo loiro e eram meninas muito atraentes. A Maria tinha uns olhos esplendidos e umas bochechas rosadas. Tinha tendência a engordar e tinha uns lábios bastante grossos que prejudicavam um pouco a sua beleza. A Maria tinha uma personalidade naturalmente doce e muito gentil. As três tinham um pouco de maria-rapaz. Tinham herdado alguma da brusquidão dos seus antepassados Romanov que se revelava principalmente na sua inclinação para fazerem asneiras. A Anastásia, que era uma criança perspicaz e esperta, era muito dada a brincadeiras, algumas delas demasiado práticas para divertirem outras pessoas. Lembro-me de uma vez que a família estava na sua casa na Polónia durante o inverno e as crianças estavam a divertir-se com uma luta de bolas de neve. O diabrete que às vezes parecia possuir a Anastásia, levou-a a esconder uma pedra dentro de uma bola de neve que atirou directamente contra a cabeça da sua adorada irmã Tatiana. O míssil atingiu a pobre rapariga em cheio na cara com tal força que ela caiu ao chão e perdeu os sentidos. A Anastásia arrependeu-se e ficou triste durante vários dias e este incidente curou-a para sempre de voltar a repetir este tipo de brincadeiras.

Maria e Anastásia


A Tatiana era uma reencarnação quase perfeita da mãe. Mais alta e magra do que as irmãs, tinha traços suaves e refinados e os modos gentis e refinados dos seus antepassados ingleses. Com uma disposição amável e complacente, mostrava tal protecção em relação às irmãs e ao irmão que eles, por brincadeira, a chamavam “a governanta”. De todas, a grã-duquesa Tatiana era a mais popular com as pessoas e suspeito que era a preferida dos pais. Era completamente diferente dos outros, até no aspecto físico, tendo cabelo castanho e olhos cinzento-escuro que, à noite, pareciam negros. De todas as raparigas, a Tatiana era a mais sociável. Gostava da sociedade e desesperava quase pateticamente à procura de amigos. Mas na posição em que estas meninas se encontravam, era difícil encontrar amigos. A imperatriz temia ver as suas filhas na companhia das jovens demasiado sofisticadas da alta sociedade cujas mentes até na sala de aula eram alimentadas pelos rumores maliciosos de uma sociedade decadente. A imperatriz até desencorajava a relação das filhas com os primos e parentes chegados, muitos dos quais tinham começado uma vida depravada muito cedo.

Tatiana com o pai


Não daria a impressão de que estas jovens filhas do imperador e da imperatriz eram forçadas a viver vidas enfadonhas e paradas. Tinham permissão para terem um ou outro oficial preferido com quem podiam dançar, jogar ténis, passear ou andar a cavalo. Estes romances inocentes eram na realidade muito divertidos aos olhos de Suas Majestades que gostavam de gracejar com as filhas sobre qualquer belo oficial que parecia agradar-lhes. A grã-duquesa Olga Alexandrovna, irmã do imperador, simpatizava com o gosto pelo divertimento das sobrinhas e organizava festas e jogos de ténis para as grã-duquesas com frequência sendo os convidados, claro, escolhidos por ela. Tivemos algumas festas deste género em minha casa. Quanto à forma de vestir, um assunto tão importante para as jovens bonitas, as grã-duquesas podiam escolher o que quisessem. A senhora Brisac, uma costureira francesa de renome, fazia os vestidos para a família imperial e, através dela, chegavam ao palácio as últimas modas de Paris. Contudo, as meninas costumavam inclinar-se mais para o estilo simples inglês, principalmente quando tinham eventos públicos. No verão os vestidos eram quase todos brancos. Eram demasiado jovens para usarem jóias, excepto em grandes ocasiões. Cada uma delas recebeu uma pulseira de ouro no seu décimo-segundo aniversário que usavam sempre “para dar sorte”. Já tinha falado anteriormente do costume de oferecer a cada grã-duquesa um colar de pérolas e diamantes quando elas atingiam a maioridade, mas elas apenas o usavam em bailes muito formais.

Maria, Tatiana, Alexei, Anastásia e Olga com oficiais

2 comentários:

  1. Eu admiro a Família Real da Rússia, e em especial á Tatiana Romanov, por sua dedicação total á família, sua conduta virtuosa e sua bondade. Sugiro que vejam o blog da minha prima:
    http://www.tatianaromanov.blogspot.com

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    I see you know English & does translations; it would be really wonderful if you could have something in english on this blog, since you are so good at writing about the Romanovs. Oh, that's just an idea, not a request, LOL.
    All my compliments anyway for your job, i wish i could appreciate it fully!

    Sunny (you can find me also on AP forum)

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