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quinta-feira, 3 de setembro de 2015

O noivado de Alexandre Alexandrovich e Dagmar da Dinamarca


A lenda diz que, no seu leito de morte, o czarevich Nicolau Alexandrovich uniu as mãos do seu irmão mais novo, Alexandre, com as da sua noiva, a princesa Dagmar da Dinamarca para simbolizar o seu desejo de os ver casados. No entanto, esta história sentimentalista deve-se a um erro de tradução das memórias do príncipe Vladimir Petrovich Meshchersky, um companheiro oficial do czarevich que o acompanhou nas suas viagens pela Rússia e pela Europa. A tradução correcta da passagem que sugere esta ideia refere-se, na verdade, ao momento em que Nicolau "transmitiu a sua confiança e amor ao novo herdeiro da coroa" e não à transferência da sua amada.

Nicolau Alexandrovich, czarevich da Rússia
Podemos encontrar mais verdade na explicação prosaica dada por Dagmar que, sabendo aquilo que era esperado dela, transferiu, em compromisso de dever, o seu afecto para o novo czarevich. Apesar de os dois jovens ainda não estarem apaixonados um pelo outro na altura, a vontade de Alexandre em seguir os planos da família ficou a dever-se tanto às suas inclinações naturais como ao seu sentido de dever. Talvez tivesse sentido ciúmes da forma calma e natural como aquela encantadora princesa dinamarquesa se tinha unido ao irmão. Quando a irmã dela, a princesa Alexandra da Dinamarca, tinha ficado noiva do príncipe de Gales em Inglaterra, a rainha Vitória tinha olhado com preocupação e desconfiança para o laço afectivo que se tinha formado entre ela e o irmão mais novo do noivo, o príncipe Alfredo que dizia que, se o seu irmão recusasse "aquela jóia", ele teria todo o gosto em ficar com ela. Embora fosse verdade que, na altura, Alexandre estivesse apaixonado pela princesa Meshcherschky, uma dama-de-companhia da sua mãe, era também sensível o suficiente para saber que, no papel de filho do soberano, ainda que no terceiro lugar de sucessão, nunca lhe seria permitido casar com ela. Agora, como filho mais velho e herdeiro, não precisava que ninguém lhe explicasse o caminho que tinha de tomar.

O jovem Alexandre Alexandrovich, futuro Alexandre III
A condessa Alexandrina Tolstoy escreveu sobre o estado de espírito miserável que ele sentiu na altura e sobre a expectativa generalizada de que se casasse com a princesa que estivera perto de se tornar viúva antes de se tornar esposa: "Fala do irmão, das últimas memórias que tem dele, da sua doença, dos erros que se cometeram no seu tratamento, de forma tão desoladora (...) Com um coração que ama de forma tão profunda e leal, uma educação tão correcta, não tem nada a temer do futuro. Se Deus quiser, vai casar-se com esta princesa encantadora, a Dagmar".

A jovem princesa Dagmar da Dinamarca, futura czarina Maria Feodorovna
Dagmar também sentia que os acontecimentos estavam fora do seu controlo. Olhando em retrospectiva, o grão-duque Alexandre Mikhailovich, o seu futuro genro e que, nesta altura, ainda não tinha nascido, afirmou que a sua sogra tinha sofrido um duro golpe. Segundo ele, que escrevia da perspectiva de um exilado político em Paris na década de 1930, "os deuses tinham feito todos os esforços para a avisar daquilo que a esperava". Após a morte de Nicolau, "qualquer pessoa supersticiosa teria fugido para casa e tentado casar-se com um dos cinquenta príncipes alemães disponíveis", mas, devido às ambições imperialistas do seu pai ambicioso, que utilizou as filhas para aumentar o prestígio da sua família, "já para não falar de uma frota e um exército amigos à sua disposição", Cristiano terá incentivado Dagmar a casar-se com Alexandre.

Dagmar (no centro) com a sua mãe, avó e irmãos e o seu primeiro noivo, Nicolau.
Mesmo quando o czarevich Nicolau estava ainda a morrer, já corria um rumor em São Petersburgo e Moscovo de que o czar Alexandre II achava que o seu segundo filho não era digno de ocupar o lugar do seu irmão e queria nomear o seu terceiro filho, o grão-duque Vladimir Alexandrovich, herdeiro. Se tal acontecesse, algumas pessoas diziam de forma pouco convincente, não seria a primeira vez, já que, o pai de Alexandre, o czar Nicolau I, tinha apenas chegado ao trono depois de o seu irmão mais velho, o grão-duque Constantino Pavlovich, o ter recusado. Não demorou muito até o czar esclarecer que seria o seu segundo filho mais velho a ocupar a posição de herdeiro. Pouco depois de o novo czarevich regressar a São Petersburgo após a morte do irmão, o czar convocou os seus súbditos para prestar o juramento de obediência ao novo herdeiro, o grão-duque Alexandre. Também recebeu uma deputação de nobres polacos que tinham viajado para dar as condolências ao czar pela morte do seu filho mais velho. Depois de os reprimir pelos pecados políticos dos seus compatriotas, que tinham agitado a independência do país, o czar apresentou-lhes o novo czarevich, dizendo que este tinha recebido o nome do czar que tinha criado o reino da Polónia; "Espero que ele saiba como governar esta herança com sabedoria e que não aceite aquilo que eu próprio não tolerei até hoje". Se alguma vez considerou excluir o seu segundo filho da linha de sucessão, é algo altamente discutível.


Alexandre II (sentado) com os filhos Paulo, Sérgio, Maria, Aleksei, Alexandre e Vladimir, a nora Maria Feodorovna e o neto, o futuro czar Nicolau II
Educado como soldado, um contemporâneo anónimo afirmou que o novo czarevich "não possui qualquer educação política, tem um conhecimento muito questionável de línguas para um homem na sua posição e possui um temperamento mais vocacionado para o comodismo do que para o trabalho. Acima de tudo, o novo herdeiro acha que aquilo de que mais precisa é de tempo para se adaptar a esta nova situação."

Alexandre (futuro Alexandre III, à direita) com o irmão mais velho, Nicolau
Tinha sido dada pouca atenção à sua educação até aquele momento; uma vez que ele não era herdeiro ao trono, os seus tutores não se tinham esforçado particularmente para o limar para o cargo de futuro soberano. Grande parte achava que teria um futuro pouco promissor na área académica, considerando-o lento e ponderado principalmente quando comparado com o seu irmão que possuía uma inteligência rápida. O czarevich tinha-se sempre esforçado arduamente por agradar aos outros, mas, a nível mental, era lento e tinha a tendência de levar a vida demasiado a sério. Era descrito como deselegante, grosseiro e com mau-feitio, quase como se fosse uma ovelha nega na família a quem faltavam boas maneiras, tinha uma disposição demasiado vincada para conflitos, era trapalhão, esbarrava contra tudo e deitava cadeiras e tudo o mais que se metesse no seu caminho ao chão. Os oficiais da corte nunca lhe tinham prestado grande atenção e tinham até a tendência de o ignorar pelo que a sua subida de posição e o facto de os outros o tratarem com mais respeito deve ter sido um motivo de satisfação para ele. Até Constantine Pobedonostsev, que mais tarde se tornaria seu amigo leal e conselheiro, tinha sempre elogiado os talentos naturais do seu falecido irmão mais velho ao mesmo tempo que lamentava o facto de Alexandre "ter sido tão mal tratado pela Natureza, que o colocou neste mundo sem o mínimo talento intelectual".

Alexandre em inícios da década de 1860
De modo a limá-lo como seu sucessor, o czar Alexandre II passou a convidá-lo a estar presente em reuniões com os seus ministros e conselheiros como observador, ao mesmo tempo que os seus tutores redobraram os seus esforços. No entanto, nenhum deles teve tanta influência como Pobedonostsev, cuja missão principal era convencer Alexandre dos seus deveres de respeitar e defender a autocracia na Rússia.

O futuro czar Alexandre III a cavalo
Dagmar da Dinamarca era filha do empobrecido príncipe Cristiano de Schleswig-Holstein-Sonderburg-Glucksburge da sua esposa, a princesa Luísa de Hesse-Cassel. A sua família, conhecida como os Glucksburg, vinha de meios modestos e os seus pais criaram os seus vários filhos de uma forma pouco ostensiva e religiosa, mas num ambiente despreocupado. Ninguém poderia imaginar que, um dia, os descendentes dos Glucksburg iriam reinar a Dinamarca, a Grécia e a Noruega e dar consortes para a Rússia, Grã-Bretanha, Hanôver, Roménia e Espanha. Mas, no final, esta família de poucos meios expandiu a sua influência por toda a Europa continental, o que valeu a Cristiano e à sua esposa a alcunha de “avós da Europa”.  

Cristiano IX e Luísa de Hesse-Cassel, pais de Dagmar
Dagmar foi uma das responsáveis pelo aumento da influência da família. Nascida na casa modesta da família, o Palácio Amarelo, em Copenhaga, a 26 de Novembro de 1847, era pouco mais do que a filha de um soldado nobre, uma vez que, na altura, o seu pai se encontrava a combater com o pequeno exército da Dinamarca enquanto que a sua mãe cuidava da família que crescia cada vez mais. As finanças da família eram de tal forma reduzidas que os seus pais não tinham possibilidades de contratar tutores, pelo que se responsabilizaram pessoalmente pela educação dos seus filhos.

Dagmar (à direita) com a sua mãe Luísa (centro) e três dos seus cinco irmãos (Thyra, Valdemar e Alexandra)
A sorte dos Glucksburg começou a melhorar quando o escandaloso rei Frederico VII da Dinamarca, que não tinha descendentes, reconheceu o príncipe Cristiano como seu herdeiro em 1852. Uma vez que a linha de sucessão principal da família real dinamarquesa se iria extinguir após a morte de Frederico VII, era necessário escolher um herdeiro. Cristiano não era o parente mais próximo do rei, mas a sua imagem era a que se encontrava menos comprometida perante a opinião internacional. Entretanto, enquanto o momento da sucessão não chegava, Dagmar e a sua irmã mais velha, Alexandra, continuaram a sua educação calmamente no Palácio Amarelo.

Frederico VII da Dinamarca com a sua esposa morganátia, Louise Rasmussen 
O início da década de 1860 trouxe consigo três eventos que mudariam para sempre o destino dos Glucksburgs. Primeiro, a princesa Alexandra da Dinamarca casou-se com o príncipe de Gales, depois o príncipe Guilherme foi escolhido como novo rei da Grécia, adoptando o nome de Jorge I e, por fim, o rei Frederico VII morreu e foi sucedido pelo príncipe Cristiano que passou a ser conhecido como rei Cristiano IX da Dinamarca. De um momento para o outro, as perspectivas de matrimónio da princesa Dagmar melhoraram consideravelmente. A sua mãe, agora rainha, mantinha contacto regular com a corte imperial russa, na qual pensava encontrar um substituto para a sua filha mais velha, Alexandra, caso a aliança com a Grã-Bretanha não se concretizasse. O contacto mais próximo que Luísa tinha na corte era a própria imperatriz Maria Alexandra, uma vez que ambas eram primas afastadas e conheciam-se dos seus tempos de juventude passados na Alemanha.

Luísa de Hesse-Cassel, rainha da Dinamarca e mãe de Dagmar
Assim que o casamento de Alexandra com o príncipe de Gales se realizou sem incidentes, Luísa centrou o seu entusiasmo e perseverança na sua filha Dagmar, recorrendo às suas relações familiares para chamar a atenção dos seus primos Romanov. Em finais de 1864, os seus esforços pareciam estar a dar resultado quando foi anunciado que o czarevich Nicolau Alexandrovich, herdeiro do czar Alexandre II da Rússia, iria casar-se com a jovem princesa dinamarquesa. A rede matrimonial dos Glucksburgs parecia imparável e colocou-os em confronto directo com a chancelaria de Berlim, governada por Otto von Bismark. Em 1863, após a morte de Frederico VII, Bismark orquestrou uma guerra contra a Dinamarca pelo controlo das províncias alemãs de Schleswig e Holstein. Ao mobilizar os exércitos dinamarqueses, Bismark conseguiu um ganho territorial importante, mas tornou-se também uma figurada odiada pelos Glusckburgs. Na qualidade de chanceler da Prússia, Bismark solidificou o ódio que a família real dinamarquesa sentia por tudo o que era prussiano, um ódio que foi transmitido por Dagmar e pelos seus irmãos aos seus filhos e netos, incluindo ao czar Nicolau II e ao rei Jorge V da Grã-Bretanha.

Dagmar (esquerda) com o pai Cristiano, o irmão Guilherme e a irmã Alexandra
Dagmar passou pela sua primeira grande tragédia da vida quando o seu noivo adoeceu subitamente e morreu em 1865. Com dezoito anos acabados de fazer, Dagmar perdeu aquele que tinha sido o seu primeiro grande amor. Não passou muito tempo até que a sua mãe e a sua futura sogra decidirem que Dagmar se deveria casar com o novo czarevich. O grão-duque Alexandre Alexandrovich era um jovem alto e bem-constituído que muitos desconfiavam estar secretamente apaixonado pela sua futura cunhada. Substituir Nicolau por Alexandre não foi uma tarefa demasiado complicada. Por seu lado, Dagmar também se começou a apaixonar intensamente pelo seu novo príncipe.

Postal publicado pela altura do noivado de Dagmar com o czarevich Nicolau Alexandrovich
No Outono de 1866, a princesa Dagmar chegou a São Petersburgo para se preparar para o seu novo papel como esposa do herdeiro do trono russo. Uma das suas primeiras aparições em público foi uma visita à catedral da Fortaleza de Pedro e Paulo para deixar uma coroa de flores na sepultura de mármore branco do seu primeiro noivo. Depois de ser baptizada na Igreja Ortodoxa pouco depois da sua chegada, recebeu o nome e título de grã-duquesa Maria Feodorovna.

Maria Feodorovna e Alexandre, pouco depois da chegada dela à Rússia
O casamento realizou-se a 28 de Outubro/9 de Novembro de 1866 na capela do Palácio de Inverno. A noiva usou um vestido de tecido prateado, uma cauda de brocado prateada forrada com arminho que brilhava com jóias. Foi a czarina Maria Alexandrovna que lhe colocou a coroa nupcial na cabeça. A cidade vibrou com uma salva de 21 balas de canhão. O czarevich, por seu lado, levou o uniforme azul do seu regimento de cossacos, e conduziu a sua noiva por uma série de galerias cheias de gente até à igreja onde se celebrou a cerimónia.

Gravura do casamento de Maria Feodorovna e Alexandre
Os pais de Maria não tiveram meios suficientes para viajar até São Petersburgo para estar presentes no casamento da filha, mas enviaram o irmão mais velho dela, o príncipe Frederico. O tesouro da família real dinamarquesa nunca fora abundante, mas, após a guerra de 1864 com a Prússia, tinha ficado particularmente pobre. Na cerimónia estava também presente o cunhado de Maria, o príncipe de Gales, mas teve de viajar sozinho, uma vez que a sua esposa, a irmã de Maria, estava grávida do seu terceiro filho na altura e não o pôde acompanhar. 

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