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sábado, 12 de março de 2011

Félix Yussupov Sobre a Coroação do czar Nicolau II em 1896

Príncipe Félix Yussupov
Em 1896, quando o imperador Nicolau II chegou ao trono, fomos até Arkhangelskoye em inicios de Maio para receber os numerosos convidados que iriam participar nas festividades da coroação. Entre estes encontravam-se o príncipe-herdeiro da Roménia e a sua esposa, a princesa Maria. Em sua honra, os meus pais contrataram uma orquestra romena que na altura era muito conhecida em Moscovo. Um dos músicos era um certo Stefanesco, um grande tocador de pratos que se viria a tornar num dos meus amigos mais íntimos. Acompanhava-me frequentemente em viagens. Gostava muito de o ouvir tocar, algo que ele fazia frequentemente só para mim durante noites inteiras. 

O grão-duque Sérgio e a grã-duquesa Isabel também tinham convidado um grande número de amigos e parentes para visitarem Elinskoie, a sua propriedade em Moscovo, que ficava a cerca de quatro quilómetros da nossa. Por isso o casal e os seus convidados eram uma presença assídua nas festas em Arkhangelskoye. O imperador e a imperatriz também vieram a estas festas que eram quase tão magnificas como os bailes da corte.

O príncipe-herdeiro Fernando da Roménia com a sua esposa, a princesa Maria
Abrimos o nosso teatro privado para estas festividades. Os meus pais mandaram vir a Ópera Italiana de São Petersburgo com Mazzani, Madame Arnoldson e a companhia de ballet. Uma noite, antes de cortina subir no Fausto, disseram à minha mãe que a Mme. Arnoldson se recusava a cantar porque, na cena do jardim, os canteiros estavam cheios de flores verdadeiras e o seu cheiro deixava-a enjoada. As flores tiveram de ser substituídas por arbustos para que ela prosseguisse. Nunca me irei esquecer de outra actuação no nosso teatro: todos os convidados estavam sentados nos seus camarins, os estábulos foram desmontados e, no sitio deles, foi plantado um jardim de rosas cuja fragrância enchia o ar.

No fim do espectáculo, toda a gente se encontrou no terraço onde foi servida a ceia em mesas iluminadas por castiçais altos. No final houve fogo-de-artificio, uma visão encantadora tão deslumbrante para mim quando era pequeno que tinha a esperança de que ninguém me mandasse para a cama.

Félix Yussupov (em pé, à direita) com os pais e o irmão mais velho
Os meus pais e os seus convidados foram ainda passar alguns dias a Moscovo antes da coroação para participarem noutra vaga de festas. A nossa casa em Moscovo, que antes tinha sido uma espécie de chalé de caça de Ivan, o Terrível, mantinha os traços do século XVI: grandes salas abobadas, mobília medieval, ouro ricamente talhado e baixelas de prata. Todo este esplendor oriental era um cenário perfeito para as festas dadas pelos meus pais. Os príncipes estrangeiros que participavam nelas diziam que nunca tinham visto nada igual.

O meu irmão e eu ficamos em Arkhangelskoye, uma vez que éramos considerados demasiado novos para participar nestes eventos. Mas tivemos autorização para ir a Moscovo para ver a coroação. Só tenho de fechar os olhos neste momento para ver mais uma vez o Kremlin iluminado com os seus telhados vermelhos e verdes e cúpulas douradas.

Félix (direita) com o irmão Nicolau
Na manhã da coroação vimos a procissão sair do Palácio Imperial e ir na direcção da Catedral de Ouspensky. Depois da cerimónia, o czar e as duas czarinas, vestidos com as suas roupas da coroação e com as coroas na cabeça, seguidos da família imperial e dos príncipes estrangeiros, deixaram a catedral para regressar ao palácio. O sol estava particularmente brilhante nesse dia e fazia brilhar o ouro e as pedras preciosas das roupas. Uma visão destas só podia acontecer na Rússia. Quando o czar e as duas czarinas apareceram perante o seu povo, eram verdadeiramente os escolhidos pelo Senhor. Quem poderia adivinhar que vinte e dois anos depois nada ficaria desta majestade e esplendor?

Diz-se que enquanto as damas-de-companhia vestiam a czarina para a cerimónia, uma delas picou o dedo no broche do manto imperial e que uma gota de sangue caiu no arminho...

Coroação de Nicolau II em Moscovo, 1896
Três dias depois, aconteceu a terrível tragédia de Khodinka que pôs toda a Rússia de luto. Muitos viram-na como um mau agouro para o reinado. A grande maioria das festas que tinham sido planeadas para depois da coroação foram canceladas. Contudo, seguindo o mau conselho de alguns dos seus conselheiros, Nicolau II decidiu estar presente num baile dado na embaixada francesa. Houve uma grande divergência entre os grão-duques. Os três irmãos do grão-duque Sérgio, na altura governador-geral de Moscovo, queriam minimizar a importância da catastrofe pela qual o grão-duque Sérgio era em parte responsável. Diziam que o programa de festejos da coroação devia prosseguir como estava programado. Os quatro Mikhailovichi (o meu futuro sogro, o grão-duque Alexandre, e os seus irmãos) opuseram-se firmemente a este ponto de vista e, por isso, foram acusados de estarem a conspirar contra os mais velhos.

Grão-duque Alexandre Mikhailovich
Depois da coroação, os meus pais regressaram a Arkhangelskoye com os seus convidados, incluindo o príncipe Fernando da Roménia e a princesa Maria. O príncipe Fernando era sobrinho do rei Carlos I da Roménia. Lembro-me perfeitamente do rei Carlos, uma vez que ele visitava a minha mãe com frequência. Era bonito e tinha um olhar majestoso, com o cabelo a ficar grisalho e as feições de uma águia. Dizia-se que o rei apenas se interessava por política e dinheiro, dando pouca atenção à sua esposa, a princesa de Wied, que era muito conhecida na altura como escritora com o pseudónimo de Carmen Sylva. Uma vez que eles não tinham filhos, o príncipe Fernando era herdeiro do trono. Era um homem atraente, mas não tinha personalidade, era extremamente tímido e indeciso tanto em público como em privado. Até seria um homem bonito se as suas orelhas não se destacassem tanto, algo que estragava o seu aspecto. Tinha-se casado com a princesa Maria do Reino Unido, a filha mais velha da duquesa de Saxe-Coburgo-Gota, irmã do imperador Alexandre III.

Carlos I da Roménia com a esposa Isabel de Wied e a única filha do casal, Maria, que morreu aos 3 anos de idade
A princesa Maria já era conhecida pela sua beleza: tinha olhos maravilhosos de um azul-acinzentado raro e impossíveis de esquecer. Era alta e magra quando era mais nova e enfeitiçou-me tão completamente que eu andava atrás dela como uma sombra. Passava noites inteiras acordado a lembrar-me do seu lindo rosto. Uma vez ela deu-me um beijo. Fiquei tão feliz que não deixei que me lavassem a cara nessa noite. Ela achou a história tão divertida que quando a voltei a encontrar muitos anos depois num jantar dado na embaixada austríaca em Londres, lembrou-me do incidente. 

Maria da Roménia
Foi na altura da coroação que testemunhei uma cena que marcou particularmente a minha infância. Um dia, quando estavamos sentados à mesa, ouvimos um barulho na sala ao lado. A porta abriu-se e um jovem muito bonito entrou a cavalo. Trazia consigo um ramo de rosas que atirou aos pés da minha mãe. Era o príncipe Gritzko Wittgenstein, um oficial da guarda do czar, um homem muito atraente, conhecido pelas suas extravagâncias e que gostava de todas as mulheres, velhas e novas. O meu pai ficou furioso com a audácia do jovem oficial e proibiu-o de voltar a entrar na casa dele outra vez.

Não consegui compreender a fúria do meu pai. Fiquei indignado por ele ter insultado um homem que, a meu ver, era um herói, a reencarnação dos cavaleiros de Yore, um cavalheiro que declarava o seu amor sem medo através de um gesto tão nobre!

Zenaida, mãe de Félix
Este texto foi retirado do livro "Lost Splendor" escrito pelo príncipe Félix Yussupov

Félix Yussupov

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