Maria Nikolaevna |
O governo imperial estava a desfazer-se e entre aqueles que observavam o processo com receio, estavam alguns que não eram russos. A guerra e a aliança tinham dado aos embaixadores da França e da Grã-Bretanha, Maurice Paléologue e Sir George Buchanan, posições de grande importância. Pelas duas embaixadas em Petrogrado e pelas secretárias dos dois embaixadores passavam questões importantes de fornecimento, munições e assuntos diplomáticos. À medida que se foi tornando claro que a crise interna da Rússia estava a afectar cada vez mais a sua capacidade como aliada militar, Buchanan e Paléologue viram-se numa situação delicada. Tendo obtido a confiança do czar, não tinham qualquer direito de falar sobre os assuntos que afectavam a política interna russa. Apesar de tudo, no inicio de 1917, ambos os embaixadores viram-se alvo de pedidos de todos os lados para que usassem o acesso que tinham ao czar para implorar que este escolhesse um governo aceitável para a Duma. Convictos de que não havia mais nada a fazer para salvar a Rússia como aliada, ambos concordaram. A tentativa de Paléologue, desfeita pela incerteza e cortesia de Nicolau, falhou completamente. A 12 de Janeiro, foi a vez de Buchanan ser recebido em Czarskoe Selo.
Maurice Paléologue |
Sir George Buchanan era um diplomata de velha guarda, conhecido pela sua discrição, cabelo grisalho e monóculo. Sete anos de serviço na Rússia tinham-no deixado cansado e frágil, mas tinham-lhe garantido uma hoste de amigos e admiradores, incluindo o próprio czar. A única fraqueza que tinha na sua posição era o facto de não falar russo, o que não fazia diferença em Petrogrado onde todos aqueles que interessavam falavam francês ou inglês. Contudo, em 1916, quando Buchanan visitou Moscovo, onde se tornou cidadão honorário da cidade e recebeu um ícone e uma grande taça. “No coração da Rússia”, escreveu R. H. Bruse Lockhart, o cônsul britânico, que acompanhou Buchanan na sua visita, “tinha de dizer pelo menos uma ou duas palavras em russo. Tínhamos ensaiado cuidadosamente com o embaixador para que ele levantasse a taça e dissesse ao seu distinto público ‘Spasibo’, que é o termo mais curto na língua russa para dizer ‘obrigado’. Em vez disso, Sir George, com a voz firme, levantou a taça e disse ‘Za Pivo’, que, em russo significa ‘para cerveja’”.
George Buchanan |
Em Czarskoe Selo, Buchanan ficou surpreendido por ser recebido pelo czar na sala de reuniões oficial e não no seu escritório, onde costumavam falar. Apesar de tudo, perguntou ao czar se podia falar honestamente e ele concordou. Buchanan foi directo ao assunto , dizendo a Nicolau que a Rússia precisava de um governo no qual a nação pudesse confiar. “Vossa Majestade, se me permite dizê-lo, tem apenas um caminho a seguir – nomeadamente quebrar a barreira que o separa do seu povo e reconquistar a sua confiança.”
Levantando-se e dando um olhar rígido a Buchanan, Nicolau perguntou: “Quer dizer que tenho de reconquistar a confiança do meu povo ou que eles precisam de ganhar a minha?”.
“Ambas as coisas, senhor,” respondeu Buchanan, “porque se não houver confiança mútua, a Rússia nunca vencerá esta guerra.”
O embaixador criticou Protopopov, “que, se Vossa Majestade me perdoar o facto de estar a dizer isto, está a levar a Rússia à ruína”.
“Fui eu que escolhi M. Protopopov”, disse Nicolau, “das filas da Duma para os agradar – e esta é a minha recompensa.”
Nicolau II |
Buchanan avisou-o que a língua da revolução não estava a ser falada apenas em Petrogrado, mas por toda a Rússia, e que “no caso de haver uma revolução, só poderá contar com uma pequena parte do exército para defender a dinastia”. Depois concluiu com uma vaga de sentimentos íntimos:
“Sei bem que um embaixador não tem direito de usar a linguagem que usei com Vossa Majestade e tive de agarrar a minha coragem com ambas as mãos antes de falar da maneira que falei (…) [Mas] se visse um amigo meu a entrar num bosque numa noite escura ir um caminho que sabia que acabava num precipício, não seria meu dever, senhor, avisá-lo do perigo que corria? E não é da mesma forma meu dever avisar Vossa Majestade do abismo que está mesmo à vossa frente?”
O czar ficou comovido com o apelo de Buchanan e, quando ele se estava a ir embora, disse-lhe: “Agradeço-lhe, Sir George.” Contudo, a imperatriz ficou ofendida com a presunção de Buchanan. “O grão-duque Sérgio [Mikhailovich] disse que, se eu fosse um súbdito russo, teria sido mandado para a Sibéria”, escreveu ele mais tarde.
Nicolau II, Tatiana e Maria |
Apesar de Rodzianko ter desdenhado a sugestão de Maria Pavlovna de “aniquilar” a imperatriz, concordava com a grã-duquesa na parte de que esta tinha de perder o seu poder político. No inicio do outono, quando Protopopov se tinha encontrado com ele e dito que o czar poderia vir a nomear o presidente da Duma para primeiro-ministro, Rodzianko tinha dito que uma das suas condições para aceitar o cargo era a de que “a imperatriz tem de abdicar de toda a sua influência nos assuntos de estado e permanecer em Livadia até ao fim da guerra.”. Agora, a meio do inverno, recebia uma visita do irmão mais novo do czar, o grão-duque Miguel Alexandrovich. Miguel, o bonito e amável “Misha”, estava a viver com a sua esposa, a condessa Brassova, em Gatchina, nos arredores da capital. Apesar de ser o próximo na linha de sucessão depois do czarevich, não tinha qualquer influência no irmão. Preocupado, e apercebendo-se do seu desamparo, perguntou-lhe como seria possível remediar aquela situação desesperada. Rodzianko voltou a declarar que “Alexandra Feodorovna é odiada ferozmente e por todos e todos os círculos pedem que seja retirada. Enquanto ela permanecer no poder, vamos continuar no nosso caminho para a destruição”. O grão-duque concordou com ele e implorou-lhe que fosse falar novamente com o czar. A 20 de Janeiro, Nicolau recebeu-o.
Miguel Alexandrovich com a sua esposa |
“Vossa Majestade”, disse Rodzianko, “considero que o estado do país se tornou mais crítico e ameaçador do que nunca. O espirito de todas as pessoas é tal que podemos esperar as piores convulsões sociais (…) Toda a Rússia está unida na exigência de um novo governo e na nomeação de um primeiro-ministro responsável que possua a confiança da nação (…) Senhor, não resta um único homem honesto ou de confiança na sua comitiva; os melhores foram eliminados ou demitiram-se (…) É um segredo aberto que a imperatriz dá ordens sem o seu conhecimento, que os ministros lhe respondem a ela em assuntos de estado (…) A indignação e o ódio pela imperatriz estão a aumentar por todo o país. Ela é vista como uma protectora dos alemães. Até as pessoas mais comuns falam disso!”
Nicolau interrompeu-o: “Mostre-me factos. Não existem factos que comprovem as suas afirmações.”
“Não existem factos”, admitiu Rodzianko, “mas o tipo de política dirigida por Sua Majestade é uma prova destas ideias. Para salvar a sua família, Vossa Majestade tem de descobrir alguma forma de impedir a imperatriz de exercer qualquer influência na política (…) Vossa Majestade, não force o povo a escolher entre si e o bem do país.”
Nicolau e Alexandra |
Nicolau segurou a cabeça entre as mãos. “Será possível”, perguntou ele, “que durante vinte e dois anos tenha dado o meu melhor e que durante vinte e dois anos tenha feito tudo mal?”
A pergunta era surpreendente. Estava muito além dos limites do adequado para que Rodzianko pudesse responder, contudo, compreendendo que a pergunta tinha sido feita de forma honesta, de homem para homem, o presidente reuniu toda a sua coragem e respondeu: “Sim, Vossa Majestade, durante vinte e dois anos seguiu o caminho errado.”
Um mês depois, a 23 de Fevereiro, Rodzianko viu Nicolau pela última vez. Desta vez, o czar mostrou uma atitude “certamente desagradável” e Rodzianko, por seu lado, foi honesto. Anunciando que a revolução estava iminente, declarou: “Considero meu dever, senhor, declarar-lhe a minha crença profunda de que este é o nosso último encontro formal.”
Nicolau não respondeu e Rodzianko foi dispensado pouco depois.
Nicolau e Alexandra |
O aviso de Rodzianko foi dos últimos que Nicolau recebeu. Nicolau rejeitou-os a todos. Tinha jurado manter a autocracia e entrega-la intacta ao filho. Na sua cabeça, grão-duques citadinos, embaixadores estrangeiros e membros da Duma não representavam a opinião das massas de camponeses daquela que considerava ser a verdadeira Rússia. Acima de tudo, achava que ceder durante a guerra seria um sinal de fraqueza pessoal que apenas serviria para acelerar a revolução. Talvez quando a guerra terminasse tivesse mudado a autocracia e reconhecido o poder do governo. “Vou fazer tudo depois”, disse ele. “Mas não posso fazer nada neste momento. Não consigo fazer mais do que uma coisa ao mesmo tempo.”
Os ataques feitos à imperatriz e a sugestão de mandá-la para longe enfureciam-no. “A imperatriz é estrangeira”, afirmou ele ardentemente. “Não tem ninguém para a proteger a não ser eu próprio. Não a vou abandonar seja em que circunstância for. De qualquer forma, todas as acusações que lhe foram feitas são falsas. Estão a ser espalhadas mentiras cruéis sobre ela. Mas eu sei como vou fazer com que seja respeitada.”
Nicolau com os filhos e sobrinhos |
No início de Março, depois de ter descansado dois meses com a família, o humor de Nicolau começou a melhorar. Estava confiante de que o exército, equipado com novas armas enviadas da Grã-Bretanha e de França, podia acabar com a guerra no final do ano. Queixando-se do “ar poluído” de Petrogrado, estava ansioso por voltar a Stavka para planear a ofensiva da Primavera.
Entretanto, Protopopov, que sentia uma crise aproximar-se, tentou disfarçar os seus medos recorrendo a medidas de contra-ataque. Foram chamados quatro regimentos de cavalaria da guarda imperial da frente de combate para Petrogrado e a polícia da cidade começou a treinar o uso de metralhadoras. A cavalaria nunca chegou. Em Stavka, o general Gurko ficou chocado com a ideia de virar os soldados contra as pessoas e ignorou a ordem. A 7 de Março, a véspera da partida de Nicolau para o quartel-general, Protopopov foi até ao palácio. Viu primeiro a imperatriz que lhe disse que o czar estava a insistir passar um mês na frente de batalha e que ela não conseguia fazê-lo mudar de ideias. Nicolau entrou no quarto e, levando Protopopov para um canto, disse-lhe que estaria de volta dentro de três semanas. Protopopov, agitado, disse-lhe: “Estamos em tal altura que a vossa presença é necessária tanto cá como lá (…) Temo muito pelas consequências”. Nicolau, afectado pelo alarme do seu ministro, prometeu que voltaria dentro de uma semana, se possível.
Nicolau II |
Houve um momento, segundo Rodzianko, em que Nicolau esmoreceu na sua determinação de recusar a nomeação de um governo responsável. Na noite antes da sua partida, o czar convocou vários ministros, incluindo o príncipe Golitsyn e o primeiro-ministro e anunciou que pretendia ir à Duma no dia seguinte e anunciar pessoalmente a nomeação de um novo governo. Nessa mesma noite, Golitsyn foi convocado novamente e soube que o czar estava de partida para o quartel-general.
“Como é que isso é possível, Vossa Majestade?” Perguntou Golitsyn espantado. “Então e o governo responsável? Queria ir à Duma amanhã!”
“Mudei de ideias”, disse Nicolau. “Vou partir para Stavka esta noite.”
Esta conversa aconteceu na quarta-feira, 7 de Março de 1917. Cinco dias depois, na segunda-feira dia 12 de Março, o governo imperial caiu em Petrogrado.
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