Alexandra, Maria, Nicolau, Tatiana e Olga |
A cerca de seis ou oito quilómetros de Peterhoff encontra-se
a Subswina Datcha (a minha villa), uma pequena casa rococó mobilada no estilo
do Primeiro Império. Só a mobília daria uma fortuna muito considerável se fosse
vendida em Londres. É muito bonita. Há muitos quadros valiosos e porcelanas do
mais bonito possível, incluindo grandes jarras da bela porcelana de Dresden. A
casa é rodeada por parques e jardins cheios de árvores e bem tratados, entre os
quais se incluía um belo jardim de rosas. Foi construída por ordem do czar
Nicolau I e foi lá dado um baile em honra do décimo-primeiro aniversário do seu
filho. Os convidados dançaram na grande ponte de madeira que se ergue sobre a
estrada.
Uma das coisas que as crianças mais gostavam de fazer era ir
lá passar a tarde e tomar chá, principalmente durante a época do feno, quando escorregavam
pelos montes de feno e corriam para cima e para baixo nas encostas cobertas de
relva. Outra coisa de que gostavam muito era visitar a quinta, ver as vacas a
ser ordenhadas, alimentar as galinhas, recolher os ovos e encher cestos de
maçãs. Há dois anos atrás, a esposa do agricultor, uma mulher muito simpática,
estava a criar quatro gatinhos cuja mãe tinha sido morta. Quando as pequenas
grã-duquesas passavam por lá de manhã nos seus póneis ou de bicicleta, os
gatinhos eram sempre trazidos cá para fora e quatro biberões eram entregues, um
para cada criança. Com um gatinho numa mão e o biberão na outra, as meninas iam
dar uma volta pelo quintal enquanto os alimentavam.
Olga, Tatiana, Maria e Anastásia em Peterhof |
Quando a grã-duquesa Maria era bebé, fomos passar um dia a
Robshai. Estavam a haver manobras militares na altura e nas quais participaram
o imperador e a imperatriz e, um dia, entramos numa carruagem puxada por quatro
cavalos lado-a-lado e, duas horas depois, chegamos a Robshai. O palácio era
grande, mas pouco ocupado e tinha jardins bonitos. Algum tempo depois, passamos
alguns dias em Krasnow Selo, onde também decorriam manobras militares. Krasnoe
Selo significa “cidade bonita”, um termo impróprio, se alguma vez tal existiu.
A cidade é uma colecção miserável de cabanas de madeira sujas, cada uma delas
erguendo-se um pouco antes da estrada e com uma poça de água parada antes
delas. Não havia sinais de um jardim, nem sequer de uma couve à vista. Há um
pequeno parque bonito com várias sorveiras e era lá que costumávamos caminhar
todas as manhãs.
Quando a Maria tinha duas semanas de idade, foi baptizada na
igreja do Grande Palácio em Peterhoff. A cerimónia, que foi muito imponente,
durou duas horas ou mais. A imperatriz tinha feito preparativos para que eu
entrasse na igreja por uma porta particular e para regressar pela mesma.
Portanto, no dia marcado, metida dentro de um vestido branco de seda, ocupei o
meu lugar na carruagem e fui levada para a igreja. O cossaco que estava de
guarda não estava a permitir a passagem da carruagem. Eu não falava russo e
pensava que talvez recebesse permissão para entrar a pé. Por isso saí da
carruagem. Mas não! O homem baixou a baioneta e bloqueou-me o caminho. Ali
estava eu, no meu vestido branco, no meio da estrada, com uma multidão a olhar
para mim. Não sabia o caminho por outra porta, mas finalmente vi um oficial que
conhecia do palácio. Fui até ele, falei em francês e contei-lhe o meu dilema. O
oficial foi extremamente simpático e passamos pelos guardas até entrar na igreja
onde os padres e bispos já estavam reunidos. Estavam ocupados a escovar os
longos cabelos. Um deles veio ter comigo e numa maravilhosa mistura de línguas
perguntou-me a que temperatura deveria estar a água. Respondi-lhe em francês e
inglês, mas não pareceu que ele tivesse percebido. Depois mostrei-lhe o número
de graus com os meus dedos e um grupo de padres interessados e entusiasmados
começaram a preparar a pia para a criança. Pouco depois começaram a entrar os
convidados: embaixadores e as suas esposas, todos com os vestidos das suas
cortes. Uma mulher chinesa pequena parecia muito simpática e inteligente. Tinha
um quimono de seda azul vestido e um chapéu redondo pequeno na cabeça, uma flor
vermelha em cada orelha e uma branca em cima delas. A igreja católica foi
representada por um cardial com o seu chapéu vermelho e batina, e o chefe da
Igreja Luterana na Rússia também estava presente, vestindo uma batina preta com
rendas branca. Os polacos são maioritariamente católicos e os finlandeses
luteranos ou da igreja reformadora. Também estavam presentes membros de várias
cortes. A imperatriz-viúva e a imperatriz tinham quinhentas damas que
pertenciam à corte – “Demoiselles d’honneur”, como eram chamadas. Estas damas
vestiam-se todas de forma semelhante nestas ocasiões, com mantos de veludo
vermelho bordados a ouro com anáguas de cetim branco. As senhoras mais velhas, “Les
dames de la cour”, levavam vestidos verde-escuros bordados a ouro.
Alexandra Feodorovna com o vestido da corte |
Quando estavam todos reunidos, a pequena heroína foi levada
para a igreja pela princesa Galitzin, a senhora mais antiga da corte. A
princesa levava uma almofada de pano de ouro, na qual repousava a pequena Maria
Nikolaevna, na glória plena do seu vestido de renda cor-de-rosa e com um
pequeno chapéu na cabeça à sua medida. O imperador, a imperatriz-viúva, os
outros padrinhos e todos os grão-duques e duquesas e membros da realeza
estrangeira surgiram a seguir. Segundo a lei da Igreja Ortodoxa Russa, os pais
não podem ficar na igreja durante o baptismo, por isso o imperador, depois de
receber os parabéns dos seus parentes, retirou-se da igreja, voltando depois
para a Confirmação e para entregar a Ordem de Santa Ana à sua pequena filha. A bebé
foi depois despida até ficar só de camisa interior, a mesma que o imperador
tinha usado no seu baptismo. Infelizmente a mesma foi roubada da igreja nesse
mesmo dia e nunca mais voltou a aparecer. Depois a bebé foi mergulhada três
vezes na pia, o seu cabelo foi cortado em quatro sítios em forma de cruz. O que
foi cortada foi enrolado em cera e atirado para a pia. Segundo a superstição
russa, o bem ou o mal do futuro da criança depende se o cabelo flutuar ou se
afunda. O cabelo da pequena Maria comportou-se de forma ortodoxa e afundaram
todos imediatamente, por isso não há necessidade de nos preocuparmos com o seu
futuro. A criança foi depois levada para trás de um painel onde foi vestida com
roupas novas de prata e a missa continuou. Depois foi levada novamente para a
igreja e ungida com óleo. O seu rosto, olhos, ouvidos, mãos e pés foram tocados
com uma escova fina mergulhada em óleo. A seguir foi levada pela
imperatriz-viúva para dar três voltas à igreja, apoiada em cada lado pelos seus
padrinhos. Dois pajens seguravam o manto da imperatriz. O imperador, que tinha
voltado a entrar na igreja depois de a cerimónia acabar, chegou-se à frente e
investiu-lhe a Ordem com diamantes e depois a procissão retirou-se pela mesma
ordem em que tinha entrado na igreja. A bebé foi levada para a igreja numa
carruagem dourada de vidro puxada por seis cavalos brancos como a neve, cada um
deles conduzido por um cavalariço vestido numa libré branca e escarlate com uma
peruca, e foi escoltada por um guarda dos Cossacos.
Maria com a mãe, Alexandra |
Quando quis regressar pelo mesmo caminho pelo qual tinha
vindo, os soldados não me deixaram passar e fui obrigada a regressar para a
igreja. Não podia ficar lá, por isso fui pelo caminho pelo qual tinha passado a
procissão, pelas grandes salas de estado e tive a sorte de encontrar alguém do
palácio. Expliquei o meu dilema e fui entregue aos cuidados de uma senhora
idosa respeitável que depois vim a descobrir tratar-se de uma das criadas do
palácio e o meu guia disse-me que ia fazer um telefonema para me arranjar uma
carruagem. Contudo, a carruagem não chegou e regressar a pé estava fora de
questão porque, por um lado, a distância era muita e não sabia falar russo
suficiente para perguntar o caminho a um polícia. Cerca das três e meia da
tarde, a mulher foi procurar alguém que me pudesse ajudar. Pouco depois
regressou com um homem que me disse: “Eu não falar inglês, eu falar alemão”.
Expliquei-lhe que não sabia falar nem russo nem alemão. No entanto, problema da
língua não preocupou o bom samaritano que chamou uma izvochik, o nome pelo qual
são chamadas as carruagens na Rússia, colocou-me dentro dela e mandou-me para o
sítio que pensava ser a minha casa. Fui levada primeiro para o palácio da
imperatriz-viúva por erro e quando consegui finalmente regressar a casa, tinha
estado desaparecida durante várias horas e sentia-me muito cansada e cheia de
fome.
Margaret Eager com as quatro grã-duquesas |
Na manhã seguinte chegou a notícia de que o czarevich Jorge
Alexandrovich tinha morrido. Este pobre jovem sofria de tuberculose há muitos
anos. Tinha vivido no Egipto durante algum tempo e tinha também experimentado
muitos outros climas, mas só sentiu que conseguia respirar em Abbas Turman, no
Cáucaso. A sua vida lá foi solitária e triste. A sua mãe e as suas irmãs, as
grã-duquesas Xenia e Olga, bem como os seus sobrinhos da primeira costumavam
visitá-lo todos os anos depois da Páscoa e ficavam até o tempo ficar demasiado
quente para elas, uma vez que o clima é quente e a viagem longa e difícil,
principalmente para crianças. Nesse ano, devido ao nascimento da pequena Maria,
a viagem tinha sido adiada para um pouco mais tarde do que o costume e o pobre
grão-duque esperava a chegada delas impacientemente. Numa carta escrita pouco
antes da sua morte, ele disse que tinha saudades de ouvir o som da voz de uma
mulher, o toque da mão de uma mulher e implorou que a sua mãe fosse ter com ele
o mais depressa possível depois do baptismo. Ficou também muito desiludido pela
Maria não ter sido um rapaz, pois sentia que o fardo da sua responsabilidade
era quase intolerável.
Por erro, o imperador tinha-o nomeado czarevich em vez de
herdeiro-aparente. Na Rússia este título nunca pode ser retirado, excepto
quando aquele que o tem se torna imperador. Após a sua morte, o imperador
nomeou o seu irmão mais novo, Miguel, herdeiro-aparente que tem usado este
título com muita dignidade e honra, mas ficou muito feliz quando deixou de o
ter após o nascimento do pequeno herdeiro, o grão-duque Alexei a 12 de Agosto
de 1904.
O grão-duque Jorge Alexandrovich |
Na manhã a seguir ao baptismo, o czarevich Jorge tinha-se
levantado mais cedo do que o costume. Sentia-se melhor e mais animado e, apesar
dos avisos do seu criado particular, decidiu dar uma volta de bicicleta. Desceu
uma encosta e, quando chegou ao fundo, caiu de repente da bicicleta. Uma velha
camponesa que estava a caminho da casa dele para lhe levar leite, acompanhada
do seu neto, foram as únicas testemunhas do acidente. A mulher correu para o
ajudar e viu que tinha sangue a escorrer-lhe da boca. Mandou o neto à casa dele
para ir buscar ajuda e estava sentada no chão com a cabeça do jovem grão-duque
no colo, mas poucos minutos depois ele morreu. Foi assim, ao lado da estrada,
com os cuidados de uma velha camponesa, que morreu o herdeiro do trono russo.
Cumpriu o ditado sobre os Romanov, que nenhum deles vai morrer deitado numa
cama. Até onde sei, apenas o czar Nicolau I foi o único a conseguir esse feito.
Morreu de pneumonia alguns dias após a queda de Sevastopol. Apesar de Alexandre
III ter tido também uma morte natural, estava sentado numa cadeira na varanda
quando tal aconteceu.
Jorge Alexandrovich |
Foi construída uma igreja no local onde Jorge Alexandrovich
faleceu. A imperatriz-viúva e a família viajaram para a Crimeia para acompanhar
o seu corpo que foi levado para São Petersburgo para repousar na igreja da
Fortaleza de Pedro e Paulo. A sua sepultura é cuidada por mãos carinhosas, com
flores e plantas frescas sempre por perto e todos os anos se celebra uma missa
em sua honra. Esta missa vai continuar a celebrar-se enquanto houver membros da
família vivos, uma vez que este é um costume da igreja russa. Diz-se que o grão-duque
Jorge se casou com a rapariga do telégrafo. Esta história é completamente
infundada. O grão-duque vivia sozinho na sua casa no Cáucaso com os seus
criados e a única excepção dava-se quando era visitado pela mãe e pela família.
Alguns dias depois do funeral, o encouraçado Alexandre III
foi baptizado. O imperador, a imperatriz, a imperatriz-viúva e outros membros
da família estiveram presentes na cerimónia. Segundo a tradição russa, todos se
vestiram de luto branco, uma vez que ninguém participa numa cerimónia na Rússia
vestido de peto. Começou uma tempestade súbita e um raio atingiu o navio,
ferindo sete ou oito pessoas. O navio tinha o nome do marido da
imperatriz-viúva que ficou muito perturbada com este acontecimento e disse que
o navio se afundaria na sua primeira missão.
Maria Feodorovna |
Texto retirado do livro "Six Years at the Russian Court" de Margaret Eager.
Sem comentários:
Enviar um comentário