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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Uma Actriz na Família - Biografia de Natalie Paley (2ª parte)


Natalie com uma criação de Lucien Lelong

Lucien Lelong, nascido em Paris no dia 11 de Outubro de 1889, herdou a sua famosa casa de moda do pai. Pai de uma menina, ele era um herói da Primeira Guerra Mundial que tinha recebido várias honras pelo serviço prestado. Com as suas origens aristocráticas e beleza distinta, Natália foi uma lufada de ar fresco para o negócio de Lelong. Para Natalie (como passou a ser conhecida), a posição deste homem significava poder, dinheiro e segurança.

Natalie Paley com Lucien Lelong

Embora ela considerasse com cada vez mais seriedade a ideia de se casar com ele, a sua família e amigos viam a união como estranha devido aos rumores da homossexualidade de Lelong. Apesar disso, o casal contraiu um matrimónio civil no dia 9 de Agosto de 1927. No dia seguinte, sendo seguidos por um grande número de jornalistas, eles casaram-se numa cerimónia religiosa na Igreja Ortodoxa de Santo Alexandre. Para o casamento Natalie usou um vestido criado pelo marido e cativou os olhares das centenas de pessoas que a admiravam. No entanto existem relatos de que ela estava bastante perturbada neste dia.

Natalie e Lucien Lelong no dia de casamento

A reputação de Lucien Lelong cresceu com a ajuda da sua delicada esposa de gostos maravilhosos. Delicada e glamurosa, vestida com vestidos de noite brancos ou pretos e com capas vermelhas e púrpura, ela não seguia nenhuma moda e tinha o seu próprio estilo. Era conhecida pelos seus chapéus e luvas que usava na sua própria maneira. Começou a fazer trabalhos como modelo para o marido e tornou-se uma das pessoas que o fotografo Cecil Beaton mais gostava de utilizar nos seus trabalhos. Muitas das fotografias tiradas por Beaton de Natália apareceram nas revistas "Harper Baazar" e " Vogue" em finais dos anos 20 e ao longo dos anos 30. A Princesa causou sensação quando apareceu a acompanhar o seu marido num evento público usando um casaco curto de noite feito inteiramente de celofane.

Natalie por Cecil Beaton

A nova inspiração dos fotógrafos de moda, não demorou muito até o nome e fotografias dela começarem a aparecer em revistas e jornais, não apenas nas páginas de moda, mas também nas colunas sociais. Não se ficando pela sombra do marido, Natalie criou a sua própria imagem e posição entre a elite parisience.

Apesar de partilharem o mesmo gosto pelas artes e pela moda, muitas coisas separavam o novo casal. Demasiado envolvido com o seu trabalho e apaixonado por uma das suas modelos, Lelong nunca conseguiu compreender as angústias da esposa nem os seus ataques de raiva que a afectavam quando ela se encontrava em público.


Natalie ficou devastada com a morte da mãe em Novembro de 1929 devido a complicações com o cancro que tinha conseguido vencer 9 anos antes. Com a perda da mãe, as memórias de felicidade da infância dela perderam-se. Mesmo os seus laços com Irina faziam parte do passado.

Enquanto Natalie se tinha tornado numa socialite, a sua irmã mais velha vivia uma vida calma com o marido e o filho, dedicando-se a trabalhos de caridade e à construção de uma escola para meninas russas.


Com a afeição do marido a ser dirigida para outra mulher, Natalie foi à procura de consolação para outro lado. Enquanto passava o Verão de 1930 em Veneza, começou um caso com o carismático dançarino Serge Lifar, cujo talento era admirado por todo o mundo. Um antigo amante do mestre de bailado, Serge de Diaghileff, ele era o acompanhante ideal para Natalie. Tendo sido abusada sexualmente quando criança, ela nunca aceitou outro amor que não o platónico, e assim a relação deles era sentimental e não física. A relação durou quase dois anos. Depois ela seguiu para um outro caso. A escolha voltou a ser estranha.

Natalie Paley na "Vanity Fair" de Abril de 1933

Natália iniciou um curto e ambiguo romance com o escritor Jean Cocteau. Os pormenores sobre este romance são vagos e divergentes. Alguns dizem que os dois tiveram uma relação intensa que resultou na gravidez de Natália. Esta relação terá sido manchada pelo ciume doentio de Marie-Laure de Noailles, uma mulher obsecada por Cocteau que terá feito os possíveis para causar a infelicidade do casal. Supostamente devido à influência de Marie-Laure, Natália terá decidido abortar, uma decisão que entristeceu Cocteau e a perceguiu para o resto da vida. Outros dizem que o escritor terá exagerado o tipo de relação que tinha com a Princesa, uma vez que, de acordo com relatos da altura, Natália seria apenas uma amiga próxima, mas Cocteau costumava passar horas ao telefone com os amigos afirmando que a amava. Os que defendem esta versão dizem mesmo que ela nunca esteve grávida e que essa foi uma invenção de Cocteau. Se realmente existiu um romance, não se sabe, mas Jean Cocteau baseou-se na sua relação com Natália para escrever o livro "Os Meninos Diabólicos" publicado 1939.


Após terminar a sua relação com Cocteau, Natalie decidiu sair de casa do marido e abandonar a vida que tinha construido. Comprou um apartamente em Esplanade dês Invalides onde entertinha a sociedade e os artistas mais proiminentes que jantavam frequentemente com ela. Mas ela cansou-se depressa desta vida e sentiu necessidade de novos desafios. As suas fotografias continuavam a fazer sucesso nas revistas, mas a mente dela estava longe desse mundo. Tão naturalmente como se virou para a moda, virou-se para o mundo do cinema na Primavera de 1933.


O seu primeiro papel foi no filme “L’Epervier”, realizado pelo primo do seu marido, Marcel L'Herbier no qual foi também Lelong a desenhar o guarda-roupa. Para se preparar, Natalie teve aulas de representação com a actriz belga Eve Francis, antiga esposa do realizador Louis Delluc. O enredo de “L’Epervier” era comum, mas o elenco era interessante. A história conta as aventuras de um aristocrata, o Conde George de Dasetta, interpretado por Charles Boyer, e da sua esposa Marina (Natalie), dois jogadores compulsivos que vivem uma vida luxuosa até que ela o deixa por um jovem diplomata, Rene de Tierrache (Pierre Richard-Willm). Depois, informada sobre as tentativas de suicídio do marido, a esposa infiel volta para ele. Filmado nos estúdios parisiences de “Joinville”, “Biarritz” e “Rome”, “L’Epervier” reflectia a vida de Natalie, embora poucos se tenham apercebido disso na altura. Não foi dos filmes com mais sucesso do ano, mas constituiu uma vitória para uma mulher cuja vida parecia vazia.

A crítica adorou Natalie. “Uma estrela está a erguer-se, iluminada por uma chama de promessas”, “um raio de sol numa paisagem gelada”, “Ela parece uma personagem de Andersen, uma daquelas inquestionáveis personagens de contos de fadas com uma cara de anjo,” foram algumas das opiniões que recebeu.

Natalie numa cena de "L'Epervier" com Charles Boyer

Agora que era apelidada de “nova Garbo” e frequentemente comparada à sua amiga Marlene Dietrich, ela começou a acreditar nas suas próprias capacidades e entrou no filme melodramático de 1934, “Le Prince Jean”, novamente com o actor Pierre Richard-Willm, e cujo realizador era Jean de Marguenat. Com a excepção dos protagonistas, o filme em si (que contava a história de um príncipe que, após vários anos numa legião estrangeira, regressa ao seu reino para descobrir que o trono foi ocupado pelo irmão) foi bastante mal recebido e foi um desastre nas bilheteiras.

No filme seguinte, “The Private Life of Don Juan”, teve apenas uma pequena participação. No filme participavam Douglas Fairbanks e Merle Oberon e era realizado por Alexander Kords. O filme foi realizado para o “London Films” e mais uma vez teve pouco sucesso nas bilheteiras. Desiludida com a carreira na Europa, Natalie fez as malas e, no Outono de 1934, respondeu ao convite da Twentieth Century Fox para tentar a sua sorte nos Estados Unidos da América. A imprensa francesa previa um futuro brilhante para a sua estrela. Infelizmente a previsão não se cumpriu.

Natalie Paley por Cecil Beaton

Co-realizado por Roy del Ruth e Marcel Achard, o musical “L’Homme des Folies Bergeres”que iniciou as filmagens em Dezembro de 1934, foi a versão francesa e orginal de “Folies Bergere”. Maurice Chevalier, na sua habitual personagem cortês, interpretou em ambas as versões o papel de dois homens que trocam de identidade por algumas horas. Natalie tinha o papel de Baronesa Genevieve Cassini, interpretada por Merle Oberonna versão inglesa. Ela estava consciente que não tinha dado o seu melhor nesta comédia inesquecível e a estreia do filme na Primaverade1936 não ajudou ao seu lançamento na América.



Natalie sentiu-se mais confortável sob os conselhos de George Cukor, no seu primeiro filme em inglês, “Sylvia Scarlett”, adaptado para o ecrã por John Collier do romance de Compton Mackenzie e que contava com a participação de Katherine Hepburn, Cary Grant e Brian Aherne. Sendo uma das protagonistas, Natalie desempenhou na perfeição a personalidade “Vamp” de Lily Levetsky, uma refugiada russa.


Filmado em Laurel Canyon e Malibu desde meados de Agosto até finais de Outubro de 1935, “Sylvia Scarlett” custou 1 milhão de dólares para ser produzido. A primeira de quatro colaborações entre Katherine Hepburn e Cary Grant (mais tarde eles participariam juntos em “Bringing Up Baby”, “Holiday” e “The Philadelphia Story”), o filme é notável por mostrar a ambiguidade da própria personalidade de Hepburn, reflectindo tanto o seu charme feminino e o seu comportamento masculino. Apesar de ser um dos filmes mais intrigantes dos anos 30, foi um grande fracasso nas bilheteiras e chegou mesmo a classificar Katherine Hepburn como “veneno” para bilheteiras.

Natalie numa cena do filme "Sylvia Scarlett" com Katherine Hepburn

Natalie esqueceu depressa a carreira que tinha para promover, uma vez que tinha encontrado em Cukor o amigo perfeito que procurava. O próprio realizador ficou encantado com o charme dela. Durante toda a sua vida, ele guardou uma das fotos de Natalie tirada por Cecil Beaton na sua casa, uma honra que apenas partilhou com Katherine Hepburn. Também começou uma amizade com Hepburn que duraria até ao final da sua vida. Lançado no dia 3 de Janeiro de1936, o filme não teve sucesso devido à sua ambiguidade sexual. O beijo de Katherine Hepburn com Dennie Moore e certas falas como quando Brian Aherne diz que se sente um pouco “maricas” ao olhar para Katherine Hepburn vestida de homem, chocaram o puratismo americano e não ajudaram em nada a carreira de Natalie Paley.

Uma cena de "Sylvia Scarlett" com Cary Grant

A carreira cinematográfica de Natalie foi muito breve. O seu último filme, “Les Hommes Nouveaux”, foi realizado em 1936 e era um drama sobre o falecido marechal Liautey, um herói da Primeira Guerra Mundial em Marrocos. Contava com a participação de Harry Baur, Gabriel Signoret, Max Michaell e Jean Marais.

Apesar de ela não estar muito interessada em embarcar no projecto, foi convencida por Marcel L'Herbier a interpretar uma bonita viúva, a Condessa Christiane de Sainte-Foy, apanhada pelos segredos do seu passado problemático. A estreia a 22 de Dezembro de 1936 foi um sucesso fenomenal, mas Natalie já se tinha decidido quanto à sua vida. Queria escapar do seu casamento que há muito constituía apenas uma formalidade, da sua carreira, que apenas continuava a subir devido à sua beleza e não ao seu talento e também do seu passado violento que a continuava a atormentar.

Natalie no filme "Les Hommes Noveaux"

Pouco depois do seu divórcio oficial de Lelong, a 24 de Maio de 1937, ela fez declarações oficiais à imprensa de que se iria casar com o produtor teatral John Chapman Wilso nno mês de Setembro.  Tal como Lelong e Cocteau, John Chapman Wilson era abertamente homossexual e os seus romances com o actor Noel Coward e Cole Porter eram bem conhecidos entre a sociedade nova-iorquina, particularmente os pormenores sórdidos sobre o abuso de álcool e drogas partilhado pelo casal, por isso a notícia de que ele se iria casar com a delicada Natalie chocou o público. Talvez tanto a noiva como o noivo fossem igualmente calculistas nesta união. Wilson sabia que a sua bonita e popular esposa lhe poderia abrir muitas portas no seu negócio como produtor da Broadway, enquanto que Natalie gostava do humor dele e o facto de ser homossexual protegia-a da sua incapacidade de manter relações físicas. Mais uma vez ela procurava um companheiro e não um amante.

Natalie com o seu segundo marido, John Chapman Wilson

O mundo que a tinha recebido antes começava a distanciar-se e Natalie caiu na escuridão após a morte do marido. A maior parte dos seus amigos, as testemunhas do seu antigo esplendor, estavam agora mortos. Jean Cocteau, Erich Maria Remarque, Coco Chanel, Noel Coward, Lucien Lelog, e muitos outros tinham já desaparecido. Ela viu-se condenada à solidão. Após 1975, ela fechou-se do mundo e tornou-se uma reclusa. Recusou-se mesmo a receber os poucos amigos e familiares que lhe restavam, apesar de continuar a responder às suas cartas e chamadas. Com a velhice, Natalie ficou cega e recebeu a assistência de familiares do marido e alguns admiradores que cuidaram dela até ao fim. Em 1978 ficou emocionada quando o seu antigo amigo e amante Serge Lifar lhe enviou uma pequena carta na qual utilizou uma citação de Pushkin: “Nunca nos esqueceremos do nosso primeiro amor. O coração da Rússia nunca te esquecerá. E quanto a ti, o meu coração nunca te esquecerá."

No dia 21 de Dezembro de 1981, Natalie tinha caído na banheira e partido o fémur, sendo levada de emergência para o Hospital Roosevelt. Foi operada de urgência, mas a operação correu mal e o estado de saúde piorou. As suas últimas palavras foram sussurradas a uma enfermeira: “Eu quero morrer com dignidade.” Nunca mais voltou a falar.

Natalie Paley tinha 76 anos quando morreu na noite de 27 de Dezembro de 1981. Depois de uma cerimónia privada, foi enterrada ao lado de John Chapman Wilson no cemitério de New Jersey.

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