Java

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Atrás da Imperatriz - A Grã-Duquesa Maria Pavlovna - Segunda Parte

Maria Pavlovna
É muito provável que, por vezes, Maria se sentisse isolada na Rússia, mas não fazia parte da sua personalidade mostrar isso. Em vez disso, dedicou-se à organização de festas luxuosas e caras e fez amizade com membros da comunidade diplomática e outros estrangeiros que viviam na cidade. Foi a primeira senhora da família imperial a receber divorciados no seu salão: os nouveau riche, as pessoas que estavam na moda e os actores, artistas e escritores que Vladimir conhecia na sua posição de presidente da Academia Imperial das Artes, encontravam todos lugar na sua mesa, onde as conversas eram inteligentes e divertidas e, muitas vezes, tinham um certo tom de vingança.

Vladimir Alexandrovich e Maria Pavlovna
Dentro da família imperial, Maria adoptou os ressentimentos do marido e sentia que eles deviam ser também seus. Ninguém podia acusar Maria de facilitar a paz. Vladimir envejava o irmão por ele ser czarevich e ter óptimas perspectivas de chegar ao poder. As sombras desta rivalidade vinham já desde a infância. Em Março de 1855, algumas semanas após a subida do marido ao trono, Maria Alexandrovna contou a uma das suas damas-de-companhia que tinha ouvido uma conversa preocupante entre os seus filhos. Tinha ouvido o czarevich Nicolau a dizer a Vladimir, na altura com cinco anos de idade, "quando fores czar (...)". Maria interrompeu-o. "Sabes perfeitamente que o Vladimir nunca será czar". "Não,  ele vai ser czar", respondeu Nicolau, "o nome dele significa 'governante do mundo'". A mãe dos rapazes explicou-lhes que a sucessão tinha a ver com a ordem de nascimento e não com os nomes, mas Nicolau não desistiu da sua ideia: "o avô era o terceiro filho e tornou-se czar. Eu vou morrer, depois o Sasha vai-me suceder. Mas o Sasha também vai morrer e depois será a vez do Vladimir".

Sasha (o futuro czar Alexandre III) com o seu irmão Vladimir Alexandrovich.
Não passavam de conversas de crianças, mas a czarina ficou arrepiada quando ouviu estas palavras saírem da boca de alguém tão novo. A ideia tornou-se mais séria quando Nicolau morreu mesmo e Alexandre se tornou czarevich. Vladimir ficou mais perto do que nunca de chegar ao trono quando Alexandre anunciou a sua intenção de renunciar ao trono para se casar com Marie Mescherskaya: se tivesse mesmo seguido o seu coração, Vladimir teria ocupado o seu lugar de czarevich e, depois, poderia suceder ao pai como czar. É possível que Vladimir tivesse ressentido o seu azar e, à medida que se foi afastando cada vez mais do trono com o nascimento dos filhos do czar, a sua desilusão deve ter aumentado consideravelmente. Por isso, com o passar dos anos, a relação entre os dois irmãos foi piorando cada vez mais e, quando Maria Feodorovna se juntou à mistura, a brecha tornou-se num precipício. Além de Maria Pavlovna, a esposa de Alexandre era a única mulher jovem na família directa do czar depois de a sua filha partir para Inglaterra quando se casou. Era seis anos mais velha do que Maria Pavlovna e também tinha conseguido estabelecer a sua posição e tornar-se popular. Além disso, não gostava de alemães. Não demorou muito até que as duas jovens, as mulheres que ocupavam a segunda e a terceira posições mais importantes na corte, começarem a sentir uma certa rivalidade uma pela outra.

Maria Feodorvna
Enquanto Alexandre II estava vivo, conseguiu controlar todas as rivalidades na sua família, mas o desconforto que os irmãos sentiam um pelo outro veio à tona na altura do assassinato do pai: quando o czar estava moribundo no seu escritório, foi Vladimir que controlou a situação e deu as ordens necessárias, uma vez que, nos primeiros momentos após a tragédia, o czarevich ficou sem reacção. Desde a infância que tinha sido Vladimir a dominar Alexandre e era provável que pensasse que esse domínio iria continuar. Mas estava enganado. Quando Alexandre III assumiu o poder e a poeira assentou, tornou-se claro que as coisas nunca mais voltariam a ser as mesmas.

Alexandre Alexandrovich e Vladimir Alexandrovich
O novo czar impôs a sua vontade à família, introduzindo uma série de alterações aos Estatutos da Família de modo a redefinir os seus direitos, títulos e até os seus rendimentos. Estas medidas faziam sentido e muita gente as apoiou, no entanto Vladimir era contra elas. Alexandre exigiu lealdade e recebeu-a, pelo menos em palavras, no entanto, é mais fácil desobedecer a um irmão do que a um pai. No dia da coroação de Alexandre, Vladimir foi nomeado comandante das forças militares na zona de São Petersburgo, apesar de não gostar particularmente da vida militar. Embora não houvesse um confronto directo entre os dois, o desconforto que ambos os casais sentiam um pelo outro tornou-se cada vez mais palpável.

Maria Feodorovna e Alexandre III
Vários anos mais tarde, esta fricção iria contribuir para a queda da monarquia, mas na década de 1880, não passava de um tópico divertido para as más-línguas da corte. Em 1888, o comboio imperial descarrilou em Borki quando o czar e a sua família se encontravam a bordo. Alexandre e os três filhos escaparam por pouco. Quando o czar surgiu por entre os escombros, a primeira coisa que terá dito foi: "imaginem qual não vai ser a desilusão do Vladimir". Um ano depois, rebentou um escândalo devido ao desaparecimento de fundos angariados em peditórios públicos para a construção de uma igreja em memória de Alexandre II. Vladimir presidia a comissão responsável pela obra há cinco anos e tornou-se suspeito de estar envolvido no desaparecimento dos fundos. As pessoas chamavam a atenção para as obras de redecoração que estavam a realizar-se no Palácio de Vladimir e os rumores foram-se espalhando. Sem consultar o irmão, Alexandre instaurou um inquérito através do qual se descobriu que o responsável pelo desfalque tinha sido o secretário da comissão que foi a julgamento, mesmo apesar de Vladimir o tentar proteger. Do lado de fora, Maria Feodorovna e Maria Pavlovna iam incentivando os respectivos maridos a levar a sua em diante.

Vladimir Alexandrovich e Maria Pavlovna
As suas diferenças não eram políticas. Vladimir não sentia mais afinidade pelas políticas do pai do que Alexandre, e Maria era tudo menos liberal. Tratava-se mais de uma questão de estilo e feitio. A família imperial, as famílias aristocráticas mais antigas da Rússia e todos aqueles que, tradicionalmente, prestavam serviços à corte, sentiam-se mais próximos de Alexandre III e de Maria Feodorovna. Os Vladimirovich eram mais arrojados e modernos. Durante as suas visitas a Paris e à Riviera Francesa, Maria tinha ganho um certo gosto pelos jogos de apostas e tinha até uma roleta na sua sala privada. As suas festas eram fabulosas e envolviam grandes gastos e preparativos. Na década de 1880, Maria organizou um baile de máscaras que ficou para a história. Para o preparar, Maria requisitou todos os livros relacionados com o tema da Biblioteca da Academia das Artes vários meses antes e exigiu que os seus convidados se vestissem rigorosamente de boiardos antigos. Não gostava nada de caminhar, mas dançava com gosto e entusiasmo e precisava de estar sempre no centro das atenções. Enquanto as pessoas estivessem a admirá-la, ela sentia-se feliz. Quando lhe pediam para receber e proteger alguém mais jovem e de origens mais humildes, era sempre gentil. Uma das filhas da grã-duquesa Olga Constantinovna, a princesa Maria da Grécia e Dinamarca, que visitou a Rússia pela primeira vez na década de 1889, recordou Maria Pavlovna como "a mulher mais charmosa que alguma vez conheci".

Maria Pavlovna
Os críticos diziam que Maria só se interessava pelas coisas boas da vida, mas ninguém se interessava pelo lado mais sério da sua personalidade. A correspondência que trocava com diplomatas e políticos por toda a Europa acabou por lhe causar ainda mais problemas. Alexandre III partilhava com a esposa um desdém pelos alemães enquanto que os Vladimirovich eram vistos como favoráveis ao país. Quando a polícia secreta descobriu que Maria trocava correspondência com Bismark, o czar ficou furioso e obrigou-a a parar de o fazer. Vladimir ficou indignado com a ordem, mas a suspeita de que ela não era leal, ou, pior ainda, uma agente da Alemanha, ficaria associada a ela durante muitos anos e não eram só os russos que acreditavam nessa possibilidade. Em 1884, o seu primo em segundo-grau, o kaiser Guilherme II, visitou São Petersburgo e contou ao seu avô que "a grã-duquesa Vladimir (...) faz maravilhas pela causa alemã".

Maria Pavlovna
Dez anos depois do seu casamento, Maria continuava a ser vista como uma estranha. Parecia desfrutar da sua posição e exercê-la com toda a dedicação. No entanto, há uma pista que mostra que o seu isolamento a magoava profundamente. Nem sequer Vladimir partilhava a sua religião, mas mesmo assim ela desafiava todas as convenções e ia à missa protestante em São Petersburgo sozinha. No entanto, em 1884, Maria ganhou duas possíveis aliadas. Isabel de Saxe-Altemburgo e Isabel "Ella" de Hesse-Darmstadt, casaram-se com membros da família Romanov nesse ano e ambas se recusaram a converter à Igreja Ortodoxa.

Maria Pavlovna rodeada das suas damas-de-companhia
Deve ter sido muito importante para Maria receber estes dois novos membros da família e sentir que elas estavam a seguir os seus passos. Ella foi a que mais se aproximou dos Vladimirovich. Era sobrinha de Maria Alexandrovna e conhecia Maria e Vladimir desde que nascera. Devia lembrar-se de como a sua mãe, a princesa Alice, tinha defendido Maria Pavlovna quando ela tinha decidido manter a sua religião. No entanto, em 1891, sete anos depois do casamento, Ella decidiu converter-se à Igreja Ortodoxa e uma das suas maiores preocupações foi não magoar Maria. Pediu mesmo ao pai para manter a notícia em segredo até que ela tivesse oportunidade de comunicar a sua decisão pessoalmente a Maria uma vez que "ela vai ficar muito triste, mas quero que ela saiba antes que se comece a falar muito nisto, para que a magoar o menos possível". No entanto, Maria ficou mesmo magoada e sentiu-se traída. Nunca perdoou Ella pela sua decisão.

Isabel Feodorovna
Era raro uma grã-duquesa mostrar-se tão vulnerável. A adolescente obstinada que tinha brincado com o pobre Jorge de Schwarzburg tinha-se tornado uma das jogadoras mais dinâmicas e interessantes no palco real, com contactos por toda a Europa. Na posição de segunda dama mais importante da corte, estava atrás da czarina em ocasiões oficiais, mas a sua corte era o local que estava mais na moda na altura. No entanto, durante a década de 1890, as coisas começaram a mudar. Os três filhos do czar, Nicolau, Jorge e Miguel estavam a crescer e, se os acontecimentos se desenrolassem como seria de esperar, o mais provável era casarem. Quando o fizessem, a posição de Maria iria perder importância. Esse era o maior medo e o que mais a preocupava.

Maria Pavlovna em 1895
A não ser que... Maria Feodorovna era uma mãe possessiva que não iria gostar de partilhar os filhos quando chegasse a altura de se casarem. Se, no futuro, Maria conseguisse atrair a esposa do czarevich para o seu circulo, orientar os seus primeiros passos na sociedade russa, poderia dar um significado completamente diferente às palavras "atrás da imperatriz".

Nicolau II, Maria Pavlovna, Vladimir Alexandrovich e Alexandra Feodorovna
Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat