Java

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

O Nosso Cantinho Favorito - Alexandria Peterhof

O chalet de Alexandria Peterhof no tempo de Nicolau I
A propriedade que o czar Alexandre I ofereceu à grã-duquesa Alexandra Feodorovna quando ela estava a sofrer com as saudades que sentia de Berlim foi um presente generoso: 115 hectares de floresta na costa do Golfo da Finlândia, a este do grande parque de Peterhof. Pedro, o Grande tinha oferecido estas terras ao príncipe Alexandre Menshikov, que  nelas construiu um palácio de pedra chamado "Moncourage". No século XVIII, a sobrinha de Pedro, a czarina Ana Ivanovna, voltou a comprar as terras para a coroa e utilizou-as para a caça. Em 1828, com o novo nome de "Alexandria Peterhof", em honra da sua nova proprietária, o parque tornou-se um recreio de verão, com um sentimento especial para todas as gerações de descendentes do czar Nicolau I e da czarina Alexandra, até à queda da dinastia.

O chalet de Alexandria Peterhof nos dias de hoje
Alexandre não podia ter escolhido nem um local nem um presente melhor. A sua cunhada ficou encantada com Peterhof quando visitou o local pela primeira vez ainda como noiva do grão-duque Nicolau Pavlovich no verão de 1817: "quando encontrei o mar, as árvores antigas perto da costa, e todas as fontes do jardim, dei gritinhos de felicidade", recordaria ela mais tarde, "fiquei verdadeiramente encantada". Mas Alexandra achava que o Grande Palácio de Peterhof era demasiado grandioso, com os seus interiores luxuosos e quilómetros de talha dourada que faziam doer os olhos. Para a agradar, o seu marido contratou o arquitecto inglês Adam Menelaus para construir uma casa em estilo gótico, que estava muito em voga na época, e que não se parecia em nada com os outros palácios dos Romanov. O "Chalet" foi construído em cima de uma colina, com árvores em três lados e uma vista magnifica do mar e para a base naval de Kronstadt.

O novo palácio de Alexandria Peterhof
A partir do momento em que ficou concluído em 1829, o chalet tornou-se uma casa de família, com espaço suficiente apenas para Nicolau, Alexandra, os seus filhos e dois criados. Tinha um jardim particular e, à sua volta, o parque tinha sido modelado cuidadosamente, com vários edifícios mais pequenos, casas de verão e follies, alguns dos quais tinham um objectivo prático e serviam de casa para os empregados, mas outros foram construídos por motivos puramente estéticos. Menelaus construiu uma casinha em estilo gótico, a chamada "Quinta", perto do chalet, que tinha salas de aula extra para as crianças imperiais, e a família tinha também uma capela imperial dedicada a São Alexandre Nevsky. A capela foi também construída em estilo gótico, quase como se se tratasse de um pedaço de uma das grandes catedrais europeias que foi colocado no parque.

A capela gótica em Alexandria Peterhof
O poeta Zhukovsky, que ensinou Alexandra a falar russo quando ela chegou à Rússia, criou um emblema único para Alexandria Peterhof: um escudo rodeado por uma coroa de rosas com uma espada no centro. O objectivo era representar Nicolau e Alexandra e o amor que tinha sido sempre constante desde o seu primeiro encontro. O emblema foi utilizado para decorar as paredes exteriores do chalet e surge também em mobílias e outros artigos mais pequenos encomendados para a casa. Havia bandeiras com o emblema hasteadas no telhado de todos os edifícios do parque, e as gerações posteriores viam-no como um símbolo romântico. Havia histórias na família de que o emblema tinha sido criado para comemorar o primeiro encontro do casal imperial em Berlim, no final das Guerras Napoleónicas, quando se realizou um torneio no qual Nicolau participou em nome do irmão, o czar. Segundo esta história, a filha do rei da Prússia atirou-lhe uma coroa de rosas brancas e ele apanhou-o com a sua espada. Os torneios estavam na moda na altura, por isso é possível que a história tenha mesmo um fundo de verdade, mas, independentemente das suas origens, os torneios medievais tornaram-se parte da mitologia de Alexandria Peterhof.

Imagem comemorativa do noivado da princesa Carlota da Prússia e do grão-duque Nicolau Pavlovich
O parque era o santuário do casal imperial, no qual se podiam isolar da vida pública que nunca desejaram e passar mais tempo com os seus filhos. Mas, inevitavelmente, o mundo exterior começou a intrometer-se. O chalet tornou-se demasiado pequeno para receber o czar e todos os seus deveres oficiais. Em 1842, foram acrescentados uma sala de jantar e um terraço, apesar de Nicolau se ter arrependido mais tarde de o fazer, uma vez que continuava a defender a ideia de que aquela era apenas uma simples casa de família. No verão de 1846, um casal de ingleses com o apelido de Bloomfield foram convidados para jantar e ficaram sensibilizados com o toque de intimidade que havia no local: "nada poderia ser menos formal e agradável do que o jantar", recordou a senhora Bloomfield, "suas majestades conversaram bastante e, durante o jantar, os dois filhos mais velhos do czarevich e os seus dois primos, os filhos da grã-duquesa Maria Nikolaevna, entraram na sala e ficaram a brincar. Foi encantador ver como o imperador e a imperatriz interagiam com os filhos e os netos; foram muito gentis e afectuosos, e os pequeninos foram do mais alegre e brincalhão que se pode imaginar (...) Quando acabámos de jantar, e nos dirigimos para a sala-de-estar, a imperatriz disse que tinha de queria ser ela a mostrar-me os seus aposentos privados. Levou-me a ver a salinha dela, o quarto e o quarto-de-vestir e depois fomos até ao jardim".

A imperatriz Alexandra Feodorovna (Carlota da Prússia)
As divisões do challet eram pequenas - quando comparadas com as dos palácios - e coloridas, decoradas com pequenos ornamentos e retratos da família. No sótão, Nicolau tinha um escritório com uma vista magnífica para o mar e passava lá muitas horas a assistir às manobras da marinha. Em 1833, Nicolau tinha mandado instalar uma torre de madeira com um telégrafo óptico na costa que lhe permitia comandar os seus navios e comunicar com a base em Kronsdadt. Apesar de a base ser visível no challet, o czar preferia sentar-se na torre: com o passar do tempo, foram-se construindo divisões na torre para que Alexandra e o resto da família se pudessem juntar a ele para tomar chá. O telégrafo óptico transformou-se noutro pavilhão do parque. No verão de 1854, a sombra da Guerra da Crimeia chegou a Peterhof. "Durante vários dias, foi possível ver claramente toda a frota inimiga a partir da varanda do challet", contou o czarevich Alexandre à sua tia Helena.

Nicolau e Alexandra (na carruagem) em frente ao challet de Alexandria Peterhof.
À medida que os quatro filhos do czar foram crescendo, foram recebendo as suas próprias dachas em Alexandria: a Quinta foi aumentada para servir de residência de verão do czarevich Alexandre, que se casou em 1841, enquanto que Constantino recebeu uma dacha conhecida como a "Casa do Almirante" (desde muito cedo que foi decidido que o futuro de Constantino seria na Marinha). Nicolau e Miguel mudaram-se para as "Casas da Cavalaria". Depois de se casarem, todos os três irmãos mais novos compraram propriedades para si em Peterhof e encomendaram emblemas baseados no escudo de Alexandria. Cada um deles representava os seus deveres regimentais: o de Constantino tinha uma âncora rodeada de rosas, o de Nicolau tinha dois machados cruzados, que representavam o regimento dos pioneiros, e o de Miguel tinha uma arma da artilharia. Estes emblemas foram utilizados em Strelna, Znamenka e Mikhailovskoe respectivamente, mas a linha principal da família manteve-se fiel à sua espada. Alexandra Feodorovna começou a dizer, de forma bastante pessimista, que o challet se tinha tornado demasiado grande para ela e para o marido depois de os filhos crescerem e começarem as suas vidas.

Nicolau I (centro) com os seus quatro filhos: Alexandre, Miguel, Nicolau e Constantino
Após a morte de Nicolau I, o Parque de Alexandria continuou a pertencer a Alexandra e não passou para a nova czarina, a sua nora Maria Alexandrovna. Alexandra continuou a utilizar o challet, mas a parte mais importante do parque passou a ser a Quinta, que se tinha tornado na residência de verão do novo czar. Maria Alexandrovna herdou o parque após a morte da sua sogra, mas o challet ficou abandonado com as suas memórias até o seu filho mais velho, o czarevich Nicolau, ter idade suficiente para precisar de uma casa própria. Infelizmente, a sua presença foi demasiado curta: após a sua morte em 1865, o edifício passou para o seu irmão Alexandre.

Alexandra Feodorovna nos seus últimos anos de vida.
A Quinta tinha um estilo semelhante ao do challet, mas era muito maior. Os seus exteriores eram percorridos de varandas suportadas por colunas de metal, que eram camufladas e pintadas para se parecerem com bétulas. A maioria dos quartos do andar superior tinha varandas viradas para o jardim, com toldos às riscas para as abrigar do sol, e as paredes exteriores eram pintadas de amarelo com o emblema de Alexandria Peterhof pintada em cada um das arestas mais altas do telhado. Os retratos de finais da década de 1850, mostram que havia uma casa de brincar no jardim, com a forma de uma cabana campestre tradicional.

A Quinta de Alexandria Peterhof, com a casa de brincar à esquerda.
Por dentro, a Quinta tinha muita luz, era arejada, moderna e criada para proporcionar conforto. No seu grande hall de entrada, as paredes amarelas estavam cobertas de gravuras e havia uma grande janela saliente coberta de cortinas de renda. Uma escadaria simples e curvada com um balaústre de ferro levava até ao andar superior e havia cadeiras de madeira simples encostadas por todas as paredes. Maria Alexandrovna coleccionava ornamentos de vidro e expunha algumas das suas peças favoritas na sua salinha na Quinta. Esta era uma divisão muito feminina, com as paredes decoradas com papel de parede às flores lilases e verdes, cores que eram repetidas num padrão desenhado até ao tecto e acima da janela saliente. Havia bimbos cobertos de era que separavam a janela, a mesa e as cadeiras do resto da divisão, na qual a czarina tinha a sua cama para sestas durante o dia. O escritório do marido, onde ele tratou de algumas das reformas mais importantes do novo reinado, era dominado por tons azuis fortes, tapetes e estofos. Havia um grande retrato de Nicolau I, em frente do challet, do outro lado da secretária do filho, que estava sempre a observar.

A salinha da imperatriz Maria Alexandrovna
Na década de 1870, havia novamente crianças a passar o verão no Challet, e uma nova geração estava a aprender a gostar de Alexandria Peterhof. O filho mais velho de Alexandre II, Alexandre Alexandrovich, a sua esposa dinamarquesa, Maria Feodorovna, e os seus filhos deram uma nova vida à casa. Os seus filhos adoravam as varandas e as escadarias, e todos os cantos que eram completamente diferentes de tudo aquilo que estavam habituados a encontrar nos palácios maiores. Na maioria dos dias, os dois rapazes mais velhos, Nicolau e Jorge, iam visitar o avô à Quinta e brincavam no seu escritório enquanto ele trabalhava. O jovem Nicolau recordava com carinho um dia em que tinha ido às Vespertinas com o avô na Capela Gótica. Enquanto lá estavam, rebentou uma forte tempestade, o céu ficou escuro e parecia que a capela tremia com o vento e os trovões. "As rajadas de vento que vinham das portas abertas faziam com que as chamas os círios que ardiam debaixo dos ícones vibrassem com violência. Houve alguns trovões mais fortes do que os outros e, subitamente, vi uma bola de fogo a entrar por uma das janelas e a passar mesmo por cima da cabeça do imperador. Rodopiou pelo chão, passou ao lado de um candelabro e, tão depressa como entrou, saiu pela porta para o parque. Não me conseguia mexer. Olhei para o meu avô. O rosto dele estava calmo e não parecia perturbado. Fez o sinal da cruz calmamente, sem se mexer um milimetro quando a bola de fogo passou por cima da cabeça dele (...). Depois de a bola ter desaparecido, olhei novamente para o meu avô. Tinha um pequeno sorriso no rosto e acenou com a cabeça. O meu medo tinha passado (...) e a partir desse momento decidi que iria seguir sempre o exemplo de calma que o meu avô mostrou". Foi uma lição de coragem e fé de uma futura vítima de um ataque terrorista para outra.

Alexandre II com o seu neto Nicolau e a nora Maria Feodorovna.
A czarina Maria Alexandrovna morreu em 1880 e Alexandria Peterhof passou para Maria Feodorovna, que estava destinada a ser a última dona imperial do parque. Juntamente com o seu marido, o czar Alexandre III, continuou a utilizar o Challet como residência de verão e foi a vez de a Quinta passar a ser novamente o edifício secundário, utilizada ocasionalmente por um dos irmãos do czar ou outros convidados como casa de veraneio ou então como local de festas. Pouco depois de subir ao trono, Alexandre III reparou que o telégrafo óptico do seu avô se encontrava em mau estado. A torre original era apenas um edifício de madeira e estava a deteriorar-se devido aos ventos marítimos. Quando surgiu o telégrafo eléctrico, o óptico tinha caído em desuso, mas Alexandre decidiu que o objecto tinha importância histórica e pediu ao arquitecto Anthony Tomishko para construir novamente a torre em pedra. Terá dito que "será suficiente para os meus filhos", mas os primeiros a utilizar a torre foram a sua prima, a grã-duquesa Olga Nikolaevna, o marido dela, o rei Jorge I da Grécia e os seus filhos. Foi por causa disso que o edifício foi baptizado de "Villa Baboon", uma vez que "Baboon" era alcunha que o rei da Grécia tinha dado à sua filha mais velha, a princesa Alexandra da Grécia e Dinamarca.

Olga Constantinovna (sentada, ao centro), Jorge I da Grécia e os seus filhos (na primeira fila, a princesa Maria e o príncipe André e, atrás, os príncipes Nicolau, Constantino, a princesa Alexandra e o príncipe Jorge).
Foi na mesma altura que a villa passou a ser visitada por outro membro da família que teria um grande impacto na história dos Romanov. Em Junho de 1884, o irmão mais novo do czar, o grão-duque Sérgio Alexandrovich, casou-se com a princesa Isabel de Hesse-Darmstadt e, entre os convidados que ficaram alojados em Alexandria Peterhof antes e depois do casamento, encontrava-se a irmã de doze anos da noiva, a princesa Alix. O czarevich Nicolau que, na altura, tinha dezasseis anos de idade, descreveu os longos dias de verão no seu diário, incluindo pormenores sobre os jantares de família, os passeios e os jogos no jardim: "Fomos todos saltar durante algum tempo na rede (...) fui passear com o Ernie [Ernesto Luís de Hesse-Darmstadt] e com a Alix no feriado, e o papá foi a conduzir (...) brincámos muito nos baloiços. O papá ligou a mangueira e nós corremos na direcção do jato e ficámos todos molhados". Nicolau começava a interessar-se cada vez mais pela jovem Alix, e os dois cravaram os seus nomes, um à beira do outro, no vidro de umas das janelas da villa que tinha sido construída recentemente. Na altura, parecia tratar-se apenas de um romance infantil que seria rapidamente esquecido, mas, na verdade, o seu destino foi selado naquele verão.

Nicolau, Alexandra, Xenia e Maria Feodorovna em Alexandria Peterhof.
Quando Nicolau tinha idade suficiente para precisar de uma casa para si, implorou as pais para utilizar as divisões na torre e passou a partilhar a villa com o seu irmão mais novo, Jorge. Depois de subir ao trono e se casar com Alix em 1894, contratou Tomishko para aumentar o edifício e criar uma casa de verão para a família que esperava ter com a sua nova esposa. As obras demoraram muito tempo. Em inícios do verão de 1897, Alix deu à luz a sua segunda filha, Tatiana, na Quinta, onde ela e Nicolau ficaram hospedados enquanto o seu palácio estava em obras. O grão-duque Jorge escreveu uma carta ao irmão do Cáucaso a perguntar como estavam a correr as obras. "Quando é que a casa à beira-mar fica pronta? Estou curioso para ver como irá ficar e como ficará ligada à antiga. Estou sempre a pensar como era agradável quando vivíamos juntos. Já passaram sete anos desde essa altura, é assustador como o tempo voa". Na verdade, a nova casa de dois andares ficou unida à villa antiga através de uma galeria fechada por cima de um arco grande o suficiente para deixar passar uma carruagem ou um carro. Foram acrescentadas cozinhas e casas-de-banho, mas o edifício continuou a ser dominado pela grande torre com a bandeira de Alexandria Peterhof a esvoaçar no cimo. Havia uma pequena estrada que percorria a costa até ao Portão Marítimo, na fronteira oeste do parque, que unia os jardins da propriedade dos Mikhailovich em Znamenka.

A torre do Novo Palácio de Alexandria Peterhof no tempo de Nicolau II.
O centro da vida em Alexandria Peterhof voltou a mudar e, apesar de a mãe do czar continuar a ser a dona do parque e utilizar o Challet durante o verão, o edifício mais importante durante os últimos anos da dinastia foi o "Novo Palácio" de Tomishko. Dentro das suas paredes, um novo Nicolau e uma nova Alexandra aprenderam a amar Alexandria e os seus três filhos mais novos, Maria, Anastásia e o czarevich Alexei, nasceram neste palácio à beira mar, onde, em tempos, o primeiro Nicolau tinha comandado a sua frota.

O Novo Palácio
O Novo Palácio era luminoso e confortável, e era visto mais como uma casa do que um palácio. A divisão preferida da família era o escritório de Nicolau II, no segundo andar do edifício antigo. As paredes tinham painéis de nogueira para combinarem com a secretária do czar, estofos de cabedal marroquino verde escuro que tinham sido encomendados em Inglaterra, e, apesar da decoração escura, a divisão estava sempre cheia de luz. Uma das janelas viradas para oeste e com vista para Kronstadt, tinha uma varanda com uma mesa que estava sempre cheia de jornais, revistas e livros. A secretária tinha sido colocada num ângulo ideal com as outras janelas, que tinham vista para norte, para o golfo. No seu escritório, Nicolau recebia os seus ministros e concedia audiências especiais: havia uma sala-de-espera que tinha sido criada para se parecer com uma divisão a bordo de um navio.

Alexei Nikolaevich e Luís Mountbatten em frente ao Novo Palácio de Alexandria Peterhof
No segundo andar da villa, a galeria coberta levava até ao novo edifício onde se encontravam os aposentos da czarina e da sua dama-de-companhia, assim como os quartos, quartos-de-brincar e salas-de-aula das crianças imperiais. A salinha da imperatriz tinha trabalhos em madeira pintada a branco, desenhos de flores nas paredes e cadeiras confortáveis forradas a cretone com um padrão de rosas. Os quartos das suas filhas eram decorados com papel de parede de Art Noveau, enquanto que a cor dominante no quarto de Alexei era o azul. Tudo era luminoso, moderno e criado com simplicidade e conforto. As gerações foram-se sucedendo umas às outras, mas Alexandria Peterhof foi sempre um santuário onde um casal imperial se podia isolar das pressões da vida pública e aproveitar tempo de qualidade com os seus filhos.

Anastásia, Tatiana e Alexei com alguns dos seus primos, filhos da grã-duquesa Xenia Alexandrovna, em Alexandria Peterhof.
No entanto, depois da Revolução, os portões de Alexandria abriram-se e o público teve acesso a este mundo que tinha sido seguro e privado. Em 1925, pagavam-se 15 kopecks para visitar o Challet e 15 para visitar a Quinta, mas a entrada para o Novo Palácio era mais cara: 25 kopecks. Os guias diziam que os edifícios não tinham qualquer valor artístico, à excepção de um retrato de Alexandre III pintado por Serov, mas o público sentia-se atraído pelo palácio devido à sua associação com o último czar e a sua família. Ainda era possível ver os seus objectos pessoais, e os brinquedos do czarevich ainda enchiam o berçário.

Olga, Maria, Anastásia e provavelmente um dos seus primos em Alexandria Peterhof.
Os guias também expressavam o repúdio que o regime sentia pela família imperial, mas surgiu uma nova geração de conservadores de museus que se apaixonou pelos palácios, devido à sua beleza e à história silenciosa que contavam. Quando surgiram notícias de que estava próxima uma invasão alemã em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, estes conservadores fizeram todos os possíveis para salvar o que podiam dos exércitos que se aproximavam da cidade. O Grande Palácio de Peterhof foi a sua prioridade, mas quatro quintos dos objectos registados no Challet e outras peças da Quinta e do Novo Palácio foram embalados em caixas e levados numa viagem perigosa para a Sibéria, juntamente com outras colecções de outros palácios fora da cidade. Os conservadores continuaram a empacotar objectos até ao último minuto, quando já se ouviam os sons da batalha no parque. Durante quase três anos, os conservadores guardaram os seus tesouros e esperaram até ao final de 1944, quando souberam da libertação de Peterhof, para regressar. Quando a notícia foi confirmada, abriram uma das caixas preciosas e fizeram um brinde à libertação com os copos de cristal feitos para o Challet, decorados com a espada e a coroa de rosas.

Anastásia, Alexandra Feodorovna e Maria na varanda do Novo Palácio de Alexandria Peterhof
Aquilo que viram quando regressaram foi doloroso. Uma vez que não tinham conseguido conquistar Leningrado, como vingança, os alemães decidiram destruir os antigos palácios imperiais e quase conseguiram fazê-lo com todos. O Grande Palácio foi queimado quase por completo e o parque tinha sido minado. O Challet foi saqueado e destruído e a Quinta foi utilizada como quartel-general local dos alemães. O Novo Palácio, mesmo à beira mar, tornou-se no alvo ideal para ataques a partir do mar. Os soviéticos destruíram o pouco que restou dele na década de 1960.

O Grande Palácio de Peterhof após o ataque alemão na Segunda Guerra Mundial
Hoje em dia, o Challet está novamente aberto ao público depois um trabalho de restauro extraordinário, que foi completado em 1978. A maioria dos turistas que vai visitar o Grande Palácio, perde o Challet, que está escondido entre as árvores e só tem um caminho de acesso que não está assinalado. Mas perdem um tesouro. O edifício está praticamente igual ao que era em pintuas da década de 1840, apesar de as árvores estarem mais grossas e mais altas do ue eram na altura, algo que teria encantado a sua dona, Alexandra Feodorovna, que adorava estar sozinha. Os turistas começam a visita com uma pequena exposição naquele que era o quarto da primeira habitante do Challet. Durante o regime soviético, a lei não permitia que os quartos fossem restaurados como quartos; hoje em dia os guias referem estas estranhas curiosidades dos "dias maus". A exposição inclui algumas das aguarelas pintadas por Eduard Petrovich Hau durante o século XIX de como as divisões eram na época e que foram um guia imprescindível para as obras de restauro.

Alexei, Anastásia e Nicolau no Novo Palácio em Alexandria Peterhof
As divisões restauradas do Challet são coloridas e cheias de mobília, muito parecidas com Frogmore e Osborne em Inglaterra, ou até Hohenschwangau na Baviera, embora a casa tenha um charme próprio e a sua escadaria pintada seja magnífica. A maioria das decorações mantiveram o seu estilo gótico original, mas uma das divisões do andar de cima tem um certo aspecto de Art Nouveau, devido aos anos em que Maria Feodorovna passou lá os seus verões. O Challet é mais pessoal e caseiro do que qualquer um dos grandes palácios, com retratos de Nicolau I e da sua família e é possível ver o emblema da espada rodeada pela coroa de flores criado por Zhukovsky em todo o lado, desde as paredes até às varandas, passando pelas cadeiras e pelos copos de cristal.

Escritório de Alexandra Feodorovna na actualidade.
Além do Challet e do seu jardim, o Parque de Alexandria está finalmente a começar a acordar do seu longo sono. A Capela Gótica, onde o jovem Nicolau II aprendeu uma lição de coragem do seu avô, foi completamente restaurada e também já começaram as obras de restauro na Quinta. O edifício ainda se encontra encerrado e negligenciado, mas as árvores que cresceram à sua volta, e que o rodeiam quase como se se tratasse do castelo da Bela Adormecida, já desapareceram e, incrivelmente, após todo este tempo, continuam a haver pequenas lembranças do passado. Há um pequeno pavimento em mosaico, trabalhos decorativos em ferro forjado, que agora estão enferrujados e pendurados com ângulos estranhos. Ainda sobram alguns fragmentos da tinta amarela antiga agarrados às paredes e, resistente a todas as suas provações, ainda sobra um escudo com rosas na aresta mais alta do telhado. [Nota: as obras de restauro foram concluídas em 2010 e a Quinta já se encontra agora aberta ao público.]

Edifício da Quinta após o seu restauro. Fonte.
Dentro de algum tempo, a Quinta será restaurada. O Novo Palácio já não tem salvação possível, apesar de ser possível visitar as ruínas entre as árvores e arbustos à beira mar. É possível reconhecer algumas partes do edifício: a base da torre, o arque que chegou a unir o edifício novo e o edifício antigo, algumas aberturas que dantes eram portas e janelas, perdidas num monte de tijolos sem sentido - o palácio perdido que já foi colorido e luminoso, principalmente durante o verão. As fotografias dos filhos do último czar a brincar junto ao mar mostram que a linha costeira era delimitada por uma linha de pedras que ainda são visíveis, apesar de terem crescido corais à volta delas.

As irmãs Romanov nas traseiras do Novo Palácio
Este devia ser um local triste, mas não é. Em Czarskoe Selo, é fácil lembrar-nos do final trágico da dinastia. Num dia de verão em Alexandria Peterhof, o silêncio e o ar livre fazem lembrar as gerações que se divertiram no parque e das épocas em que foram felizes. A família de Nicolau I ainda é recordada visivelmente no Challet. Quando a Quinta estiver restaurada, a época de Alexandre II vai ganhar uma nova vida e nem a família de Nicolau II é esquecida. Em Agosto de 1994, para celebrar aquele que teria sido o 90.º aniversário do czarevich, foi inaugurada uma estátua em bronze dele, ao lado do Challet, num local onde, anteriormente, existia um memorial dedicado a Nicolau I, o seu bisavô. Num cenário que junta o início e o final da história de Alexandria Peterhof, o menino surge encostado a uma árvore, a observar as ruínas escondidas do Novo Palácio onde nasceu.

Alexei Nikolaevich com o Novo Palácio como pano de fundo
Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Um Conto de Duas Mulheres: as esposas de Alexandre II - Segunda Parte

Maria Alexandrovna e Alexandre II
Quando a diversão acabou, Maria estava demasiado doente para regressar à Rússia com o marido e teve de ser levada numa maca até à estação, para ir passar o inverno a Nice. Ainda ninguém podia adivinhar, mas seria o inverno mais triste das suas vidas, dominado pela doença do czarevich Nicolau Alexandrovich. Quando ele morreu, a família regressou a Heiligenberg, onde os seus dias passaram de forma calma e solene. Um dia, a princesa Maria de Battenberg encontrou o seu primo Alexandre, o novo czarevich, a chorar no sofá da sala porque não conseguia aceitar a mudança no seu futuro - uma cena que se repetiria vinte-e-nove anos depois, quando o seu filho Nicolau também teve de lidar com a herança súbita de governar a Rússia. Maria Alexandrovna também estava desfeita, tanto física como psicologicamente, e o seu sobrinho Luís (futuro grão-duque de Hesse) temia que ela não teria força para sobreviver à morte do filho. Só o seu pai, o príncipe Carlos de Hesse, conseguiu consolá-la. Também ele tinha acabado de perder a sua única filha (a princesa Ana de Hesse-Darmstadt), por isso compreendia melhor do que ninguém o que a sua irmã estava a sentir, e os dois partilharam histórias sobre os seus filhos juntos. "Ontem a tia Maria falou durante muito tempo sobre o filho, sobre a sua educação e muitas outras coisas", escreveu a princesa Alice à sua mãe. "O Nix era a vida dela, ela trabalhava e vivia para ele, para o transformar num grande homem, sabendo do papel que ele teria no futuro".
O príncipe Carlos de Hesse-Darmstadt com a sua esposa, a princesa Isabel da Prússia, e dois dos seus filhos, o príncipe Luís de Hesse-Darmstadt (futuro grão-duque de Hesse e pai da czarina Alexandra Feodorovna) e a princesa Ana de Hesse-Darmstadt.
Esse futuro tinha desaparecido. Maria passou a dedicar-se aos seus filhos mais novos e às suas causas mais queridas tanto quanto podia. Em Abril de 1866, Maria e Alexandre comemoram as suas bodas de prata. Havia rumores de que, a esta altura, Alexandre já tinha tido vários casos amorosos com outras mulheres, mas, apesar disso, os dois continuavam a ser um casal apaixonado, apesar de estarem sobre cada vez mais pressão. Em meados da década de 1860, os terroristas ameaçavam cada vez mais a vida do czar e, com cada nova tentativa de assassinato, Maria ficava mais transtornada.

Maria Alexandrovna e Alexandre II com dois dos seus filhos mais novos: o grão-duque Sérgio Alexandrovich e a grã-duquesa Maria Alexandrovna
Os ecos da antiga vida familiar eram mais palpáveis quando o casal estava longe da Rússia. Em 1868, Maria e Alexandre regressaram a Heiligenberg com Maria, Sérgio e Paulo. A sua visita era muito aguardada pelos habitantes locais, uma vez que a czarina tinha fama de ser generosa com os seus antigos conterrâneos. Os aldeões montaram um arco do triunfo e, na manhã de 24 de Outubro, uma procissão de bagagens e empregados subiu a colina até ao palácio. Nessa noite, o príncipe Alexandre de Battenberg e a sua família foram até à estação de comboio para receber os seus convidados. Havia uma nova sala de espera e quarenta carruagens alinhadas à espera deles, mas apesar de todas as formalidades da realeza, a família imperial estava tão entusiasmada como qualquer família tradicional, e, à medida que o comboio entrava na estação, os russos tinham as cabeças fora das janelas. "A czarina chorou de alegria e o czar foi muito cordial; atrás deles vinham a Maria, o Sérgio e o Paulo, as damas-de-companhia, e todo o pessoal da corte. Depois todos ocuparam os seus lugares nas carruagens que estavam à espera e partimos. Fizemos uma paragem junto do arco do triunfo, onde se cantou o hino da Rússia e os aldeões atiraram flores".

A família imperial em Heiligenberg
Não houve um único momento triste durante estas férias e os dias iam-se sucedendo, cada um mais agitado do que o anterior. Até Maria se sentia bem o suficiente para se juntar à diversão. A sua sobrinha recordou uma noite particularmente feliz, na qual a família passou o serão junta do lado de fora da casa. "Estava muito escuro e estávamos todos assustados, principalmente os meninos, que davam os gritinhos mais altos que já ouvi. Começaram a inventar histórias sobre as ruínas que ficavam próximas, diziam que estavam a ver um 'Pirenpinker', uma figura branca colossal que era iluminada misteriosamente pela lua e nos fazia saltar de medo. Sempre que se falava de um fantasma, todos começávamos a gritar (...) depois começaram a aparecer todo o tipo de fantasmas: uma freira vestida de branco atrás de um limoeiro (era a czarina); o czar também nos assustou várias vezes quando ficou muito quieto num dos cantos das ruínas, com a roupa clara iluminada de forma muito estratégica pela lua, parecia mesmo um fantasma (...) ficámos nas ruínas até às dez da noite". 

Maria Alexandrovna
O dia do aniversário do czar amanheceu com bom tempo, o que foi uma sorte, uma vez ue tinha sido erguida uma tenda especial no terraço do palácio para receber todos os convidados que tinham aparecido para a missa ortodoxa dada em sua honra. Os cossacos fizeram a guarda e foi uma grande ocasião, mas, assim que os visitantes se foram embora, a família passou a controlar o dia e deu um concerto especial, no qual todos participaram. A festa acabou com uma sessão de fogo de artifício e, quando chegou a altura de os russos se irem embora uma semana depois, houve um mar de lágrimas. "Parecia ser particularmente difícil para o czar despedir-se destas colinas pacíficas, onde passava dias tão tranquilos em segurança. Ficou tão comovido (...)", reparou a sua sobrinha. Haveria mais reuniões de família em Heiligenberg em 1871, 74, 75 e 76, mas, à medida que as crianças foram crescendo e seguindo as suas próprias vidas, as coisas nunca mais voltaram a ser como antes.

Maria Alexandrovna com os seus filhos Paulo e Sérgio
Havia outro motivo pelo qual as coisas nunca mais voltariam a ser como antes. Durante uma festa de família em 1876, a princesa Maria de Battenberg ficou surpreendida quando ouviu alguém comentar que tinha visto o czar a passear num vale com uma jovem mulher e um menino. Só quando os visitantes se foram embora é que a mãe de Maria lhe contou aquilo que toda a cidade de São Petersburgo já sabia há nove anos: o czar Alexandre II tinha uma amante. Apesar de continuar a viver e viajar com a esposa, e de continuar a ser carinhoso com ela, havia outra mulher nas sombras, um segredo que era do conhecimento geral.

Catarina Dolgorukaya e Alexandre II
A história do romance é simples e até previsível. Quando a saúde de Maria Alexandrovna começou a piorar e ela deixou de conseguir estar presente em todos os seus compromissos, Alexandre começou a substituí-la em alguns deles. Um desses compromissos foi uma visita ao Instituto Smolny, que era patrocinado pelas czarinas desde que foi fundado por Catarina, a Grande. O Instituto Smolny dava educação às filhas da nobreza e, entre as suas alunas em inícios da década de 1860, encontravam-se duas irmãs, as princesas Catarina e Maria Dolgorukaya, cujo pai tinha morrido e deixado apenas dívidas aos seus filhos. Por causa disso, as suas duas filhas e quatro filhos foram colocados sob protecção imperial. Quando Alexandre viu Catarina pela primeira vez, lembrou-se imediatamente de um outro encontro no outono de 1857 (outras fontes apontam para 1859), quando ficou hospedado na casa do pai dela perto de Poltava, no sul da Rússia. Nessa altura, Catarina era apenas uma menina traquina. Agora, tinha catorze ou quinze anos, era muito bonita e sentia-se profundamente infeliz. Era uma menina do campo que sempre tinha sido livre e o Instituto Smolny, com os seus uniformes e regras exigentes, parecia uma prisão.

Catarina Dolgorukaya 
Parecia que a história se estava a repetir. Em Darmstadt, em 1839, Alexandre também se tinha apaixonado por uma bonita jovem de catorze anos que parecia infeliz e fora do seu elemento. Agora começava a sentir o mesmo por outra adolescente infeliz. Tal como Maria, Catarina era séria e reservada. As primeiras fotografias que existem dela mostram que, com esta idade, era até parecida com a czarina, e a combinação de juventude, beleza e infelicidade era algo ao qual Alexandre não conseguia resistir. A certa altura, a fraca saúde de Maria fez com que as relações físicas entre o casal se tornassem difíceis (ou até impossíveis), e Alexandre era um homem que precisava de amor físico. As suas visitas ao Instituto Smolny passaram a ser cada vez mais frequentes e o czar parecia dar mais atenção às duas irmãs do que a qualquer outra aluna. Quando fez dezassete anos de idade, Catarina deixou o instituto e foi viver com o irmão e com a esposa dele numa casa na cidade. Cruzava-se frequentemente com Alexandre em bailes e recepções e, certo dia, quando estava a passear pelo Jardim de Verão em São Petersburgo, o czar juntou-se a ela e a uma criada. Na primeira oportunidade, Alexandre ficou a sós com ela e confessou que a amava, mas Catarina limitou-se a fazer uma vénia e a afastar-se.

Catarina
O impasse durou um ano. Catarina não tinha nascido para se tornar numa amante. A sua linhagem era mais antiga e orgulhosa do que a do própria Alexandre, e não fazia parte da sua personalidade apaixonar-se facilmente. Os dois não voltaram a estar sozinhos até Julho de 1866, quando ela se encontrou com ele no Pavilhão Belvedere, em Peterhof. Diz-se que foi a tentativa de assassinato que o czar tinha sofrido às mãos de Dmitri Karakozov que finalmente a convenceu a submeter-se a ele. Tal como Maria, também ela temia pela vida dele. Nesse dia, os dois fizeram amor em Belvedere e Alexandre prometeu-lhe que um dia se casaria com ela se pudesse. Chamava-lhe a sua "esposa perante Deus" e os seus encontros continuaram em segredo até ao início de 1867, quando a sua cunhada descobriu o que estava a acontecer. Chocada, insistiu em levá-la consigo para Itália e nem Catarina nem o czar protestaram. A sua estadia em Itália durou cinco meses, mas ela continuou a trocar cartas cheias de paixão com Alexandre. Em Junho de 1867, o czar pediu-lhe para ela se encontrar com ele em Paris e, depois, os dois seguiram viagem juntos até São Petersburgo. Em 1869, o czar deu-lhe uma casa na Millionnaya, uma das ruas mais exclusivas da cidade, e perto do Palácio de Inverno. Foi a primeira das muitas casas que os dois partilharam.

Catarina
Oficialmente, o caso amoroso não era discutido, mas era quase impossível mantê-lo em segredo. A infidelidade fazia parte da mitologia dos czares; a sociedade tinha a certeza que todos os czares tinham tido casos amorosos, quer isso fosse verdade ou não, mas havia um sentimento de traição relativamente a este caso em particular. Não havia rumores interessantes sobre ele. Catarina nunca tentou obter qualquer vantagem do facto de o czar estar apaixonado por ela. Nunca fez favores aos amigos. Na verdade, tinha até muito poucos. Afastou-se por completo da sociedade e refugiou-se na pequena ilha da vida doméstica que tinha criado com o seu amante. Parecia até que o czar estava a levar o caso muito mais a sério do que seria conveniente. Alguns dos seus encontros aconteciam no próprio Palácio de Inverno: o seu primeiro filho, Georgi, nasceu lá em 1872, tendo até direito à presença de um médico imperial durante o parto. Desafiando ainda mais as convenções, o czar nunca procurou um marido de fachada para a sua amante, para dar um apelido à criança. Georgi e os seus cuidadores mudaram-se para aposentos na casa de um dos amigos de Alexandre, o General Ryleev para que, pelo menos a nível oficial, fosse possível manter a aparência de que Catarina era uma senhora solteira e virgem. Quando o bebé tinha dezoito meses de idade, nasceu uma segunda filha, Olga, que se juntou à casa secreta. Todos os dias, às três da tarde, quando o czar estava em São Petersburgo, ia visitar Catarina e os seus filhos. Quando estava na sua companhia, Alexandre voltou a descobrir a felicidade sem problemas que tinha sentido nos primeiros anos de casamento com Maria, quando os seus filhos ainda eram pequenos. Adorava a sua segunda família, mas, para Catarina, esta deve ter sido uma existência estranha. Toda a sua felicidade se centrava naquelas horas fugidas, e não podia ser vista com os filhos a não ser nesses momentos.

Alexandre, Catarina e os seus dois filhos mais velhos, Georgi e Olga
As cartas privadas trocadas entre os dois amantes mostram que a princesa podia ser difícil e que, muitas vezes, sentia ciúmes, algo que, provavelmente, seria inevitável tendo em conta as restrições que a relação impunha na sua vida. Mas Alexandre estava demasiado apaixonado para se importar, e confiava nela o suficiente para lhe falar sobre as preocupações da sua posição. Gradualmente, Catarina tornou-se uma fonte de apoio, dando continuidade ao trabalho que a sua esposa, agora profundamente doente com tuberculose, já não lhe podia dar. Catarina não era tão inteligente como Maria, nem tão bem educada: limitava-se a ouvir e a dar o apoio sem críticas de uma amante. A sua presença foi-se tornando cada vez mais importante para o czar, mas os benefícios para o czar tiveram um grande custo. Maria sabia da relação e estava consciente de que todos à sua volta estavam à espera para ver qual seria a sua reacção, mas ela não mostrou nenhuma. Continuou com os seus deveres e com o seu casamento, tanto quanto a sua saúde permitia, com uma dignidade silenciosa, guardando a sua dor para si.

Maria Alexandrovna a tomar chá no Palácio de Alexandre nos seus últimos anos de vida
Eram as necessidades das outras pessoas que lhe ocupavam o pensamento. Em 1875, o príncipe de Montenegro pediu-lhe para cuidar de duas das suas filhas e Maria arranjou-lhes um lugar no Instituto Smolny. Quando soube que a mais nova, Militsa, estava doente com tifo, foi visitá-la imediatamente e mandou chamar os melhores médicos da cidade. Ficou ao lado da jovem ao longo de toda a sua doença e enviava mensagens ao pai dela todos os dias. Muitas vezes era a sua própria doença que a forçava a deixar a Rússia, mas ninguém a criticava por passar longos períodos de tempo no estrangeiro. A sua filha Maria casou-se com o príncipe Alfredo do Reino Unido, filho da rainha Vitória, em inícios de 1874, e, em Dezembro do ano seguinte, Maria viajou até Inglaterra para o baptizado do seu neto, o príncipe Alfredo de Edimburgo. "Achei-a muito feminina (...) e muito gentil e simpática", escreveu a rainha Vitória à sua filha mais velha. "Ficámos logo à vontade uma com a outra, mas ela tem uma expressão muito triste e parece ser muito delicada. Acho que nos vamos dar muito bem. Coitada, tenho muita pena dela".

Maria com o seu neto, o príncipe Alfredo de Edimburgo em 1875
Todas as cortes europeias sentiam pena de Maria Alexandrovna, por vezes com um certo tom condescendente. Todos falavam sobre o escândalo. Alguns condenavam-na por ficar ao lado do czar. Maria recusava-se a mostrar qualquer reacção, e passou a dedicar todo o seu tempo aos filhos, à sua religião e às suas obras. À medida que a década de 1870 chegava ao fim, os eventos políticos pressionaram ainda mais o seu casamento, que já estava com problemas suficientes. Pela primeira vez, Alexandre II e Maria Alexandrovna, que tinham começado a sua união de forma tão harmoniosa e que sobreviveram a tantos problemas, ficaram em lados opostos quando rebentou a Guerra Russo-Turca de 1877-78. Mas apesar de a guerra ter prejudicado a sua relação, não teve força suficiente para os separar. O seu casamento tinha um sentimento inabalável, tal como os eventos dos seus últimos anos de vida iriam mostrar.

Maria Alexandrovna e Alexandre II com alguns dos seus filhos

Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Um Conto de Duas Mulheres: as esposas de Alexandre II - Primeira Parte

Maria Alexandrovna e Alexandre II
Na década de 1890, o último czar da Rússia e a sua esposa contrataram uma ama irlandesa para as suas filhas. Margaretta Eagar tinha um fascínio pelo sobrenatural e acreditava que o espírito da czarina Maria Alexandrovna assombrava o Palácio de Inverno. Assim que encostou a cabeça na almofada naquela noite, ouviu a voz de uma mulher, a chorar amargamente e queixar-se da infidelidade do marido. A czarina Alexandra disse-lhe que a cama onde ela dormia tinha sido a mesma onde a czarina Maria Alexandrovna tinha morrido e relacionou a história que a ama lhe contou com a avó do seu marido. Em várias ocasiões, a grã-duquesa Olga Nikolaevna, que tinha apenas três anos de idade na altura, disse à senhora Eagar que tinha visto uma senhora velha vestida de azul no seu quarto. A ama nunca viu nada. Depois, um dia, quando as duas passeavam pela Rotunda do primeiro andar do palácio, a criança apontou para um retrato de Maria Alexandrovna e disse que era aquela a senhora que tinha visto. Estas histórias demonstram que a ideia da infelicidade de Maria Alexandrovna já estava encrostada na memória da corte russa, que nunca a aceitou completamente no seu tempo.

Olga Nikolaevna
A vida de Maria Alexandrovna começou cedo a ser infeliz. A czarina tinha onze anos de idade quando a mãe morreu, passando a ser a única mulher na família, à excepção da sua cunhada que tinha acabado de chegar à corte de Hesse. Maria era uma jovem tímida, inteligente e baixa que levava a vida muito a sério: uma coisa tão simples como furar as orelhas deu-lhe pesadelos durante várias semanas e a operação teve de ser adiada até que ela ganhasse coragem para a enfrentar. Maria era muito chegada à mãe e corria o rumor (que era aceite pela maioria das pessoas) de que a grão-duque de Hesse não era o seu pai biológico. Esta história já foi contada tantas vezes que os factos e a ficção se cruzam inevitavelmente. Os seus pais, o príncipe Luís de Hesse e a princesa Guilhermina de Baden, eram primos direitos que se tinham casado em Karlsruhe em 1804, durante um pequeno período de paz das Guerras Napoleónicas. Guilhermina era uma jovem bonita e encantadora de quinze anos de idade, enquanto que Luís tinha vinte-e-seis e era tão tímido e reservado que a maioria das pessoas sentia que não conseguia comunicar com ele. Os primeiros anos do casamento desenrolaram-se num cenário de guerra: o seu primeiro filho, um rapaz, nasceu seis meses depois da Batalha de Austerlitz. Seguiram-se mais dois rapazes, um dos quais nasceu morto, e depois houve um período de onze anos em que o casal não teve filhos, até ao nascimento da princesa Isabel. Depois dela, Guilhermina deu à luz mais uma menina que nasceu morta. No ano seguinte, em 1823, Guilhermina teve outro filho: Alexandre. Maria era a mais nova e nasceu em Darmstadt a 8 de Agosto de 1824, tendo recebido os nomes de Maximiliana Guilhermina Augusta Sofia Maria.

Guilhermina de Baden, mãe de Maria Alexandrovna
A diferença de idades e personalidades seria suficiente para explicar os problemas no casamento de Guilhermina. Mas, além disso, durante cinco dos onze anos em que não tiveram filhos, Luís passava longos períodos de tempo longe de casa a liderar as tropas de Hesse no campo de batalha. Foi também devido a essas ausências que surgiu o rumor de que os três filhos mais novos de Guilhermina: Isabel, Alexandre e Maria, não eram filhos de Luís, mas sim do camareiro da corte, o barão Augustus Senarclens von Grancy. A ideia persiste até aos dias de hoje e, muitas vezes, é vista como um facto: muitos também acreditaram nela na altura, embora parece pouco provável que o pai de Luís, o grão-duque Luís I de Hesse, permitisse que a sua nora tivesse um caso aberto durante tanto tempo com um membro da corte sem que este perdesse o seu lugar, o que nunca aconteceu. Oficialmente, não havia dúvidas de que os três eram todos descendentes da família de Hesse-Darmstadt: os seus nomes aparecem nos volumes da época do Almanaque de Gota e, quando Alexandre nasceu, o seu tio, o czar Alexandre I da Rússia, foi um dos padrinhos, um sinal de aceitação ao mais alto nível.

Luís II de Hesse-Darmstadt, pai de Maria Alexandrovna
Isabel morreu de escarlatina em Lausana em 1826, quando tinha cinco anos de idade. Foi sepultada no mausoléu da família Hesse, em Rosenhoe, Darmstadt, e toda a família fez luto, mas os rumores conseguem persistir mesmo perante as provas mais convincentes. É possível que Luís tenha sabido dos rumores e que se tenha, ele próprio, questionado sobre a verdadeira origem das crianças. Por isso, ou por qualquer outro motivo, parece ter havido realmente um curto período de afastamento entre ele e Guilhermina. A czarina-viúva, Maria Feodorovna referiu esse facto numa carta dirigida à sua filha em 1827, mas disse também estar do lado de Guilhermina. Em 1828, a corte de Hesse (ou, segundo algumas pessoas, a própria Guilhermina) comprou a propriedade de Heiligenberg e Guilhermina mudou-se para lá com Alexandre e Maria. O escândalo ganhou asas e todas as cortes europeias ficaram intrigadas, mesmo apesar de, no ano seguinte, Guilhermina e Luís terem celebrado as suas Bodas de Prata em aparente harmonia.

Maria Alexandrovna na sua adolescência
Mas, verdadeiros ou falsos, os rumores espalharam-se, deixando um rasto de miséria. Maria passou grande parte da sua infância em Heiligenberg e, quando a sua mãe morreu de tuberculose em 1836, a jovem sentiu-se dolorosamente só. Não estava habituada à corte do pai e as pessoas que tinham espalhado boatos contra a sua mãe também foram desagradáveis com ela. Adorava os seus irmãos mais velhos, mas eles já eram adultos com família e o seu único companheiro na família era Alexandre. Os dois irmãos foram criados juntos, mas, na década de 1830, Alexandre passou a ser considerado demasiado velho para partilhar a sala de aula com uma menina. Por isso, após a morte da mãe, Maria passou a ser educada e cuidada por uma dama-de-companhia chamada Mademoiselle von Grancy, irmã do barão que diziam ser o seu pai biológico, e continuou a passar grande parte do seu tempo em Heiligenberg, onde se sentia mais à vontade.

Maria Alexandrovna
Quando o czarevich Alexandre fez a sua paragem não programada em Darmstadt em Março de 1839, ficou sensibilizado com esta jovem triste de catorze anos, que estava a usar as pérolas da mãe. Sem querer, Maria tinha chamado a atenção de um dos prémios mais prestigiantes da Europa - para tristeza de muitas princesas mais velhas - e as más línguas dispararam. Os velhos escândalos foram ressuscitados, principalmente em Berlim, onde os Hohenzollern tinham velhos ressentimentos contra a família de Hesse e nunca perdiam uma oportunidade para os criticar, e é provável que a czarina Alexandra, a mãe do czarevich, que era também uma Hohenzollern, tivesse o mesmo preconceito. O czar sabia as histórias que se contavam sobre as origens de Maria, mas tinha uma visão muito realista das mesmas. O embaixador da Áustria em São Petersburgo informou o seu país natal em Abril de que Nicolau I "sabe bem o que se diz sobre o nascimento dela mas (...) se o grão-duque de Darmstadt optou por ignorar as histórias, ele também não encontra obstáculos de momento. Apesar de só ter passado um dia em Darmstadt, o filho dele sente-se muito atraído pela princesa por ela não ser muito bem tratada, e o imperador compreende o motivo pelo qual esse facto pode ter aumentado o interesse que o filho já tinha nela; disse também que sentiria o mesmo se estivesse no lugar do filho".

Alexandre II
Maria sentia-se impressionada e aterrorizada com a viragem dos acontecimentos. Gostava de Alexandre o suficiente para aceitar o pedido de casamento dele, mas se Darmstadt já parecia grande para ela, como é que conseguiria lidar com São Petersburgo? Em Junho de 1840 encontrou-se pela primeira vez com Nicolau I e Alexandra Feodorovna em Frankfurt e, dois meses depois, viajou com eles para a Rússia, onde, durante um ano, iria aprender russo e preparar-se para se converter à Igreja Ortodoxa Russa. Tinha dezasseis anos quando teve de fazer tudo isto. Reconhecendo a timidez da jovem, o czar convidou o irmão dela para a acompanhar, o que acabava por ser uma certa tradição na família. Vários anos antes, uma tia-avó de Maria e Alexandre, a princesa Guilhermina de Hesse, tinha também viajado para a Rússia como noiva e também foi acompanhada pelo irmão. A mademoiselle von Grancy também foi para a Rússia com Maria.

Guilhermina de Hesse-Darmstadt, tia-avó de Maria e Alexandre e primeira esposa de Paulo I
Os primeiros meses foram um tormento. Maria tinha saudades de casa e estava desorientada com a nova corte. Anos mais tarde, contou a uma dama-de-companhia que teve de esconder as lágrimas tantas vezes que até descobriu uma técnica para isso: abria uma janela, colocava a cabeça de fora e deixava que o ar gélido do inverno russo lhe tirasse a vermelhidão dos olhos. Tão tímida como o pai, sentia-se demasiado tensa para causar uma boa impressão na corte, onde ser social era extremamente importante. Felizmente, encontrou uma aliada compreensiva na tia do marido, a grã-duquesa Helena Pavlovna, e as duas ficariam amigas para o resto da vida. Apesar de terem uma diferença de idades de dezassete anos, as duas tinham personalidades muito semelhantes e a mesma atitude perante a vida.

Maria Alexandrovna
Mas, pelo por um lado, Maria teve muito mais sorte do que a sua nova amiga. O czarevich era tudo o que ela podia desejar num marido e, depois do casamento, Maria e Alexandre tornaram-se companheiros além de amantes. A jovem aprendeu russo extremamente depressa - algumas pessoas diziam que tinha aprendido a língua tão depressa como a imperatriz Catarina, a Grande - e partilhava com o marido o sonho de levar a cabo reformas palpáveis no país. Era inteligente e instrospectiva, e Alexandre confiava nas suas decisões. Juntos, criaram o seu próprio círculo de amigos e, tal como Alexandre precisava de Maria para o seu trabalho, Maria precisava dele para a orientar na sociedade, e dar-lhe confiança. O historiador russo Tatichev descreveu estes primeiros anos como "anos de felicidade sem problemas para a família (...) havia convívios quase todos os dias na jovem corte (...) lia-se em voz alta, toca-se música, jogava-se às cartas (...) o anfitrião e a anfitriã encantavam todos com as suas personalidades".

Maria Alexandrovna e Alexandre II nos seus aposentos privados
O jovem casal recebeu apartamentos no bloco sudeste do Palácio de Inverno e outros aposentos na asa Zuboc do Palácio de Catarina em Czarskoe Selo; foi lá que nasceu a sua primeira filha, Alexandra, em 1842. A família cresceu depressa. Para assinalar cada um dos nascimentos, Alexandre e Maria plantavam um carvalho no seu jardim privado em Czarskoe Selo, onde mandaram colocar  brinquedos, baloiços e escorregas para as crianças. Um par de mastros de um navio tornaram-se um local de escalada para os rapazes que também tinham uma linha férrea em miniatura, uma quinta e uma horta. Maria importou lírios do vale e prímulas da sua terra natal na Alemanha e tratava deles com cuidado. Dentro de casa, tocava piano com os filhos, tecia tapetes e até se dedicava à decoração de interiores. Pensa-se que um tecto no Palácio de Inverno que está coberto de flores azuis claras e folhagem verde foi obra sua.


Maria Alexandrovna com o seu filho mais velho, Nicolau
Foi a época mais feliz das suas vidas, mas mesmo assim foi marcada por problemas. Maria dava muita importância ao facto de ter o seu irmão por perto. O príncipe Alexandre tinha-se tornado num homem alto, bonito e inteligente; dava-se bem com o czarevich e a sua irmã venerava-o. O príncipe prestou um bom serviço militar no exército russo na campanha do Cáucaso. Costumava dizer à irmã que "é muito importante para um soldado enfrentar a morte tantas vezes. Uma pessoa sente que tem mais direito de usar o uniforme". Com a amizade do czar e uma carreira brilhante à sua frente, chegou-se até a falar numa possível união entre Alexandre e a grã-duquesa Catarina Mikhailovna, filha da grã-duquesa Helena Pavlovna, mas todos os planos caíram por terra quando ele se apaixonou por uma das damas-de-companhia da irmã, Julie Hauke. Nicolau I não lhe deu permissão para continuar a viver na Rússia caso se casasse morganaticamente, por isso, em 1851, Alexandre demitiu-se da sua comissão e foi-se embora. Eventualmente, acabaria por se mudar para Helligenberg com a sua esposa Julie, que se tornou princesa de Battenberg, mas Maria sentiu muito a sua falta.

Julie Hauke e Alexandre de Hesse-Darmstadt, príncipes de Battenberg
Houve também outros desgostos. A morte da pequena Alexandra Alexandrovna em 1849 não se tornou tão pública como a do seu irmão Nicolau alguns anos mais tarde, mas foi um golpe devastador para os pais. Vinte-e-quatro anos depois, quando Maria estava de visita à esposa do seu sobrinho, a princesa Alice do Reino Unido, que tinha acabado de perder o seu filho Frederico, a sua dor ainda era bem visível: "a tia Maria mostrou grande compaixão, foi muito maternal e carinhosa; fiquei muito comovida", contou Alice à sua mãe, a rainha Vitória. "Nestes momentos mostra-se particularmente doce e feminina e também ama os filhos com grande ternura. Chorou muito e contou-me da morte triste da filhinha mais velha dela (...)"

Maria Alexandrovna e Alice do Reino Unido
A resposta de Maria perante a dor foi isolar-se e procurar consolo na religião que fora forçada a adoptar quando se casara. Não fazia parte da sua personalidade converter-se apenas como formalidade: Maria aceitou a fé ortodoxa com todo o seu coração e com uma intensidade que confundia muitos que tinham nascido ortodoxos. Além da religião, Maria tinha também um fascínio cada vez maior pelo país que a tinha recebido e pela sua cultura. É irónico o facto de terem sido Maria e a sua sobrinha-neta, a imperatriz Alexandra Feodorovna, as duas czarinas estrangeiras que mais amaram a Rússia quando se casaram, e as que mais foram rejeitadas pela sociedade. No entanto, dentro da família, as coisas eram diferentes, pelo menos para Maria. Depois de Alexandre subir ao trono, começou a convocar toda a sua família para uma refeição no palácio todos os domingos, o que acabou por se tornar numa tradição. O objectivo inicial tinha sido o de mostrar à sua família o lado gentil e amistoso da sua esposa. No entanto, fora do circulo familiar, as pessoas achavam que Maria era demasiado séria e confundiam a ser reserva, achando-a fria e distante. Nunca foi muito popular.

Maria Alexandrovna
No entanto, continuava a ser czarina e podia pelo menos ajudar o marido com o programa de reformas que os dois já discutiam há anos. Uma testemunha descreveu a sua coroação na Catedral da Assunção em Moscovo a 26 de Agosto de 1856. Alexandre tomou a coroa e colocou-a na cabeça e, depois, "foi a vez da imperatriz Maria Alexanrovna que se ajoelhou perante o imperador. Este retirou a sua coroa e tocou com ela levemente na cabeça de Maria; depois colocou a coroa mais pequena na cabeça da esposa e colocou-lhe a capa e a corrente de diamante da Ordem de São André nos ombros." Os dois desceram a Grande Escadaria do Kremlin, e "não há descrição que faça justiça à solenidade daquele momento quando, rodeados pelos monumentos da Rússia Antiga (...) aquelas duas cabeças, com as suas coroas a reflectir os raios de sol como um símbolo externo e visível da sua grandeza, se curvaram perante o amor e confiança do estado. O canhão disparou e já não era possível ouvir o som dos sinos com o clamor da multidão".

Maria Alexandrovna na coroação do marido
O fim da servidão e outros abusos eram causas partilhadas pelo casal, mas, com o apoio da grã-duquesa Helena Pavlovna, Maria também utilizou a sua posição como czarina para desenvolver um programa de reformas seu. Interessava-se particularmente pelas causas das mulheres, principalmente pela sua educação e saúde, e teve um papel activo na criação de muitas escolas para meninas. Também se interessava pelos serviços médicos e, inspirada pelo trabalho que a grã-duquesa Helena tinha começado durante a Guerra da Crimeia, em 1877, Maria fundou a Cruz Vermelha da Rússia com o mote "A força não está no poder, mas sim no amor".

Maria Alexandrovna
Mas isso seria apenas muitos anos depois, e, à medida que o novo czar e czarina se preparava para enfrentar os seus novos deveres públicos, surgiu uma nova ansiedade na sua vida pessoal. À medida que a década de 1850 se aproximava do fim, a saúde de Maria começou a deteriorar-se. Tal como a mãe, também ela sofria de tuberculose, uma doença que, aos doze anos de idade, quase a tinha matado. O efeito do clima húmido e frio de São Petersburgo juntamente com as suas muitas gravidezes seguidas enfraqueceram-lhe o corpo. Era cada vez mais frequente estar demasiado doente para aparecer em público, e estava a perder cada vez mais peso. Alexandre preocupava-se com ela e consultou vários médicos. Nove meses depois da coroação, em Maio de 1857, Maria deu à luz o seu sétimo filho, o grão-duque Sérgio Alexandrovich. O czar escreveu ao seu irmão Constantino, pouco depois do nascimento: "a Maria recuperou completamente, graças a Deus, mas os médicos vão mandá-la para Kissingen, e penso que vou com ela". 

Maria com a sua filha Maria, o filho Sérgio e uma das suas amas
Esta foi a primeira de muitas viagens a spas europeus, que pouco fizeram para ajudar a travar o lento declínio da saúde da czarina, mas pelo menos deram-lhe a oportunidade de voltar a ver o seu país natal. A 28 de Junho desse ano, Maria e Alexandre partiram na companhia dos seus três filhos mais novos. Primeiro visitaram Darmstadt, depois Wildbad e Kissingen; em Bad Bruckenau, foi com grande alegria que Maria se reencontrou com o seu adorado irmão Alexandre e com a família dele. A filha mais velha do príncipe Alexandre, a princesa Maria de Battenberg, que na altura tinha cinco anos de idade, contou mais tarde à sua neta que tinha vagas memórias de "um hotel ou kurhaus; e do rosto sério e gentil de uma mulher majestosa que todos tratavam por 'Majestade'".

Maria Alexandrovna
Esta foi só a primeira de uma série de reuniões familiares nas quais era possível ver o lado mais alegre da czarina, e os registos fotográficos que sobreviveram dos encontros em Heiligenberg têm grande valor porque mostram uma Maria Alexandrovna muito diferente da figura trágica que é recordada na Rússia. Em Julho de 1864, quase quatro anos depois do nascimento do grão-duque Paulo Alexandrovich, o seu filho mais novo, os médicos voltaram a aconselhar uma viagem à Alemanha, para fazer um tratamento com águas termais em Schwalbach. O jovem e excêntrico rei da Baviera também estava lá e gostou tanto de Maria que resolveu enviar-lhe ramos de flores todos os dias. A 23 de Agosto, no meio de uma tempestade, o seu comboio chegou à estação de Bickenbach, perto de Heiligenberg, e a czarina saiu na companhia dos seus três filhos mais novos e de treze carruagens de empregados e bagagem. Os donos da casa que alugaram em Heiligenberg ficaram apertados numa das alas para poder dar espaço à visitante real e a maioria dos empregados teve de dormir em Jugenheim, uma aldeia próxima. Uma semana depois, chegou o czar com os seus filhos Alexandre e Vladimir. Três dias depois, o príncipe Luís de Hesse, a sua esposa Alice e a sua filha Vitória juntaram-se a eles, e o grupo ficou completo quando o czarevich Nicolau chegou na companhia do seu irmão Alexei. Nicolau tinha acabado de ficar noivo da princesa Dagmar da Dinamarca e a sua chegada foi motivo para fazer uma comemoração.

Maria Alexandrovna, Alexandre II, Sérgio e Maria (centro) numa das reuniões de família na Alemanha
O noivado de Nicolau e Dagmar não foi o único motivo para comemorações. O aniversário do czar, a 11 de Setembro, foi também celebrado com uma missa ortodoxa, um jantar e jogos. No dia seguinte, as crianças da família Battenberg decidiram mostrar aos primos um dos locais mais bonitos da zona. Partiram todos montados em burros, mas, a meio da viagem, caiu um aguaceiro que os obrigou a procurar refúgio na cabana de um habitante local, que lhes deu comida, café e roupas secas. "O czar, a czarina e o resto do grupo já estavam na mesa quando regressámos, e todos se fartaram de rir quando nos vieram receber no pátio. Foi uma festa maravilhosa". As férias acabaram em grande quando ambas as famílias decidiram comemorar os bons tempos que tinham passado. "Antes do pequeno-almoço, fomos até à grande bétula que fica na estrada a caminho de Felsenberg para a rebaptizarmos com o nome 'Bétula do Czar'". Foi colocada uma tabuleta branca no tronco da árvore onde estava escrito: "Bétula do Czar, 14 de Setembro de 1864". "Demos as mãos e dançámos à volta da árvore três vezes. Depois regressámos a casa para beber café".

Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat