Java

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A Nota Yurovsky (1922) - Primeira Parte

Yakov Yurovsky

Nos primeiros dias de Julho de 1918, recebi uma ordem da parte dos deputados dos Urais do Comité Executivo de trabalhadores, camponeses e soldados soviéticos que me elevaram à posição de Comandante da chamada Casa do Propósito Especial, na qual se encontravam o czar Nicolau II, a sua família e alguns criados chegados a eles.

Entre 7 e 8 de Julho, parti, juntamente com o presidente do Comité Executivo Regional dos Soviéticos dos Urais, o camarada Beloboridov, para a Casa do Propósito Especial, onde substituí o antigo comandante, o camarada Avdeyev. Deve dizer-se que o camarada Avdeyev, assim como o seu assistente, o camarada Ukraintzev, cuidaram dos seus deveres de maneira descuidada no que diz respeito à guarda do czar que, na opinião deles, devia ter sido liquidado imediatamente. Esta atitude reflectiu-se irremediavelmente na moral dos antigos trabalhadores da Fábrica Zlokazovky que se tinham tornado guardas da casa, assim como dos soldados do Exército Vermelho da Fábrica Syseretsky. Já há algum tempo que os trabalhadores diziam que Nicolau e a sua família deviam ter sido mortos para não gastarem o dinheiro das pessoas a manter guardas e tudo o mais. Contudo, nesta altura, o Comité Central ainda não tinha tomado nenhuma decisão definitiva sobre esta questão e era necessário tomar medidas para que os guardas tivessem o mais alto nível de conduta possível. Deve dizer-se que nem o aparelho de comunicação que nos ligava ao regimento soviético e secções da guarda exterior, nem as metralhadoras que tinham sido arranjadas em vários locais funcionavam correctamente. Esta situação forçou-me a contratar alguns camaradas experientes que conhecia da Comissão Extraordinária regional onde tinha sido colega e membro. Desta forma, organizei a guarda interna, contratei novos metralhadores  um dos quais me recordo em particular: o camarada Tzsalms. Neste momento não me recordo dos apelidos de outros camaradas. Deve dizer-se que, em caso de incêndio, não se tomariam quaisquer precauções. Havia equipamento de fogos, havia um poço ao qual se poderia ir buscar água e organizei pessoalmente tudo o que fosse necessário em caso de incêndio. À medida que fui conhecendo os prisioneiros, reparei que estes ainda possuíam bens preciosos, nomeadamente nas mãos de Nicolau, bem como nas da sua família e criados – o cozinheiro Kharitonov, o criado de quarto Trupp e também no Dr. Botkin e na dama-de-companhia, Demidova. Entre os prisioneiros também havia um rapaz chamado Sednev, que servia o Alexei. Os bens de Nicolau estavam guardados em vários locais, dentro de casa e na zona do armazém. Propus organizar uma busca, mas o Comité Executivo não me deu autorização para tal.


A Casa Ipatiev
Deve compreender-se que esta busca não foi considerada necessária uma vez que, por esta altura, tinham acabado de descobrir um esquema que permitia a troca de cartas entre Nicolau e o mundo exterior. No entanto considerei que deixá-los ficar com os seus valores nesta altura poderia não ser seguro tendo em conta o facto de que tal poderia tentar alguns dos guardas, decidi, por minha própria conta e risco, retirar-lhes os bens valiosos que possuíam. Para tal, convidei o assistente do comandante, o camarada Nikulin para me acompanhar e pedi-lhe que documentasse estes bens. Nicolau e os filhos não mostraram descontentamento. O czar só pediu para deixarmos Alexei ficar com o relógio, uma vez que sem ele ficaria aborrecido. Contudo, Alexandra Feodorovna mostrou-se descontente e expressou-se em voz alta quando tentei retirar-lhe a pulseira de ouro do pulso, que se estendia por todo o seu braço e não podia retirar-se sem a ajuda de uma ferramenta. A mulher anunciou que usava aquela pulseira há vinte anos e que agora invadiam a sua privacidade para a tirar. Tendo em conta que as suas filhas possuíam pulseiras iguais, e que não pareciam particularmente valiosas, deixei-as ficar com elas. Depois de documentar estes objectos, pedi a caixa de jóias que Nicolau me entregou para colocar lá dentro todos os objectos. Selei-a com o selo de comandante e entreguei-a a Nicolau para que a guardasse. Quando os visitei para a inspecção, Nicolau entregou-me a caixa de jóias e disse-me: “A sua caixa de jóias está intacta.”


Nicolau e Alexandra na varanda da Casa do Governador em Tobolsk
Quanto a rações, inicialmente, a família recebia uma ração do soviete. Estas refeições estavam longe de ser luxuosas, mas decidimos impedir que chegassem refeições do exterior e estas começaram a ser preparadas na cozinha. Além disso, consegui descobrir que o mosteiro local conseguia entregar tortas coalhadas, manteiga, ovos e coisas parecidas à família. Decidi permitir que tal acontecesse, mas fiquei muito surpreendido por serem permitidas tais liberdades. Mais tarde descobri que o Comandante Avdeyev tinha permitido que tal acontecesse, mas que não permitia que grande parte chegasse à família, ficando com as ofertas para si e para os camaradas. Decidi que tudo o que chegasse para a família lhes devia ser entregue. Foi só no segundo ou no terceiro dia que descobri que as entregas tinham sido autorizadas pelo camarada Avdeyev. Decidi proibir todas as entregas, deixando entrar apenas leite. O Dr. Botkin disse-me que “só depois de ter nomeado nos últimos dois dias temos recebido tudo o que o mosteiro entregava e de repente não podemos receber nada outra vez, as crianças precisam de ser nutrridas, mas a nutrição é tão insuficiente que ficamos muito felizes por receber as entregas do mosteiro”. Contudo, recusei-me a entregar fosse o que fosse, a não ser o leite e decidi que essas entregas deviam ser distribuídas pela população de Ecaterimburgo, uma vez que todas elas eram produzidas na cidade. Pensei que, já que os meus prisioneiros não faziam nada, deviam dar-se por satisfeitos com a mesma ração que todos os cidadãos recebiam. Por esta razão, o cozinheiro Kharitonov anunciou-me que não conseguia preparar nada com meio quarteirão de carne, ao que lhe respondi que eles se deviam habituar a viver sem regalias. Tinham de aprender a sobreviver, como se estivessem presos.

Fosse difícil ou não, Kharitonov teve de começar a usar medidas e pesos exactos para que a quantidade chegasse para cada dia. Disse-lhe que não lhes seria fornecido mais nada caso acabassem com o que tinham antes do previsto.

Maria e Anastásia durante o exílio no Palácio de Alexandre
O quarto no qual se encontravam Alexandra Feodorovna e o herdeiro tinha janelas com saída para o quintal cuja vista da rua estava barricada com cercas de madeira. Alexandra dava-se ao luxo de espreitar pela janela com frequência e de se aproximar dela. No entanto, uma vez, Alexandra deu-se ao luxo de se aproximar demasiado dela. A sentinela ameaçou bater-lhe com uma baioneta, pelo que ela veio queixar-se a mim. Disse-lhe que não tinha permissão para espreitar pelas janelas.

Três ou quatro dias antes da execução, foi instalado um painel de ferro na janela de Alexandra Feodorovna. Por causa disso, o Dr. Botkin anunciou que seria bom se fossem instalados painéis em todas as outras janelas. O horário interior era o seguinte: de manhã levantavam-se todos antes das 10. Ás 10 aparecia eu para inspeccionar a aparência de todos os prisioneiros. Alexandra Feodorovna manifestou o seu descontentamento em relação a esta prática, uma vez que não estava habituada a levantar-se tão cedo. Depois disse que a podia inspeccionar enquanto ela estivesse na cama, ao que ela declarou que não estava habituada a receber ninguém na sua cama. Declarei que isso não me fazia diferença, que faria a inspecção da forma que ela preferisse, mas teria de a fazer todos os dias. A Tatiana, a Olga ou a Maria (mais a Tatiana) pediam-me muitas vezes se podiam ir dar um passeio. Era raro ver Alexandra Feodorovna a caminhar. Quando ela saía de casa para tal, levava sempre um pára-sol e um chapéu. Os restantes costumavam caminhar sempre com as cabeças descobertas. Nicolau passeava à vez com cada uma das suas filhas. Nesta altura o Alexei entretinha-se com armas de brincar e com o rapaz Sednev.

Maria, Olga, Alexandra, Tatiana e Anastásia durante a Primeira Guerra Mundial
Enquanto estava a reparar o poço, Nicolau veio ter comigo e fez um comentário qualquer, mas eu fiz os possíveis para não desenvolver a conversa. Uma vez enquanto passeava, a Olga conversou com um dos oficiais e perguntou-lhe onde tinha prestado serviço durante a guerra. Ele respondeu que tinha prestado serviço num dos regimentos de granadeiros, no qual, durante uma revista militar, tinha visto as filhas do czar. Olga virou-se para Nicolau e exclamou: “Papá, este é um dos nossos granadeiros!”. Nicolau aproximou-se dele e disse: “Saudações!”, esperando, evidentemente, ouvir a resposta militar normal de “Desejo-lhe saúde!”, mas tudo o que ouviu foi um simples “olá”. Muito depois disso, um oficial camarada disse que não tinha tido oportunidade de falar porque eu me aproximei e a conversa terminou.


Tanto quanto pude notar, a família tinha um estilo de vida típico da classe média: de manhã bebiam chá, depois ocupavam-se com algum trabalho – cozer, remendar, bordar. Os mais inteligentes de todos eram a Tatiana, a segunda filha e a Olga, que se parecia muito com a irmã, incluindo nas expressões faciais. A Maria não era parecida com as duas irmãs mais velhas. É um pouco reticente e considerada como uma filha adoptiva. Anastásia, a mais nova, era corada e tinha um rosto bastante bonito. Alexei estava constantemente doente com uma doença que herdou da família, passava grande parte do tempo na cama e por isso tinha de ser levado ao colo para fora. Uma vez perguntei ao Dr. Botkin qual era a doença dele e ele respondeu-me que não se sentia à-vontade para me dizer uma vez que se tratava de um segredo da família, por isso não voltei a perguntar. Alexandra Feodorovna esforçava-se por ter um porte real, tentando relembrar-nos de quem era. Quanto a Nicolau, parecia que pertencia a uma família normal, onde a mulher era mais forte do que o marido. Ela pressionava-o muito. Na situação em que convivi com eles, pareciam uma família calma, governado pelo punho de ferro da mulher. Nicolau, com o seu rosto abatido, parecia muito normal, simples, quase que podia dizer que parecia um soldado camponês.


Olga, Tatiana, Anastásia e Maria no exílio no Palácio de Alexandre, 1917


Além de Alexandra Feodorovna, não se notavam sinais de arrogância em mais ninguém. Se esta não fosse a família imperial detestada, que bebia tanto sangue do povo, podia dizer-se que eram pessoas simples e não arrogantes. As raparigas, por exemplo, iam para a cozinha, ajudavam a cozinhar, tratavam das limpezas ou jogavam às cartas. Todos vestiam roupas simples, não havia nada elaborado. Nicolau comportava-se de forma honesta, “democrática” e, apesar de termos descoberto mais tarde que possuía vários pares de botas novos, só calçava botas remendadas. Um dos seus únicos prazeres era tomar banho várias vezes por dia. Contudo, proibi-os de o fazerem porque havia pouca água. Se uma pessoa considerasse esta família de forma objectiva, podia dizer-se que eram completamente inofensivos.

O pequeno Sednev tinha-se habituado tanto à família que já nem parecia um criado a servir o herdeiro do trono russo. Alexandra Feodorovna queixava-se muitas vezes do barulho que faziam com o cão que tinham, mas ele não deixava esta actividade de que gostava tanto, apesar de a incomodar. Trupp e Kharitonov eram leais como cães para os seus mestres.

O Dr. Botkin com os seus dois filhos
O Dr. Botkin era um amigo leal da família. Sempre que a família tinha alguma necessidade, ele desempenhava o papel de suplicante. Era leal à família de corpo e alma e preocupava-se juntamente com a família Romanov com as dificuldades das suas vidas. Toda a gente sabe que Nicolau e a sua família eram muito religiosos. Perguntaram-me se seria possível participarem numa liturgia. Convidei um padre e um diácono. Quando estavam no quarto do comandante a vestir-se, avisei-os de que podiam realizar a liturgia da forma que deveriam, seguindo os seus rituais, mas não podiam ter qualquer tipo de conversa com a família. O diácono afirmou: “isto já nos aconteceu antes e não servimos indivíduos tão importantes. Uma pessoa pode ficar confusa e pode haver escândalo, mas neste caso vamos espalhar o incenso com prazer pelas suas almas bondosas”. O Obednya foi servido. Nicolau e Alexnadra Feodorovna rezaram ferventemente.

Quando iniciei as minhas funções já se colocava a questão sobre a liquidação da família Romanov, uma vez que os checoslovacos e os cossacos já estavam próximos dos Montes Urais e aproximavam-se cada vez mais rapidamente de Ecaterimburgo. Afinal de contas, Nicolau tinha algum contacto com o exterior.

Tendo esta situação ameaçadora em vista, o assunto foi acelerado.

Fiquei encarregue desta situação, mas a liquidação estava nas mãos de outro camarada.

Anastásia, Maria e Tatiana numa janela em Tobolsk
A 16 de Julho de 1918, perto das duas da tarde, o camarada Filipp chegou à casa e apresentou-me a solução do Comité Executivo para executar Nicolau e foi nesta altura que alertei para o facto de que o jovem Sednev devieria ser retirado do local.

Durante essa noite chegaria um camarada que diria a palavra-passe “limpador-de-chaminés” e seria a ele que os corpos deveriam ser entregues, já que seria ele o responsável pelo enterro e por acabar com o trabalho. Chamei o jovem Sednev e disse-lhe que no dia anterior o seu tio Sednev, que tinha sido preso, tinha fugido, mas tinha já sido capturado novamente e desejava vê-lo. Por isso mandei-o ter com o tio. O rapaz ficou muito contente por poder regressar à sua terra-natal. A família Romanov começou a ficar inquieta. Como sempre, o Dr. Botkin veio ter comigo e perguntou-me para onde tínhamos mandado o rapaz. Disse-lhe o que tinha dito ao rapaz, mas mesmo assim ele continuava a parecer preocupado. Mais tarde foi a Tatiana que veio ter comigo, mas acalmei-a, dizendo-lhe que o rapaz tinha ido visitar o tio, mas que regressaria em breve. Convoquei o chefe do departamento, o camarada Pavel Medvedev da Fábrica Syseretsky e outros, e disse-lhes que, caso acontecesse algo fora do normal, teriam de esperar até receber um sinal especial que combinamos no momento. Depois de ter chamado os guardas interiores que tinham sido seleccionados para a execução de Nicolau e da sua família, distribuí tarefas e informeu quem deveria matar quem. Entreguei-lhes revólveres com o sistema “Nagan”. Quando os papéis estavam distribuídos, os oficiais pediram-me que os poupasse da responsabilidade de matar as jovens, uma vez que não seriam capazes de o fazer. Depois decidi que o melhor seria mesmo poupar completamente estes camaradas da execução, uma vez não eram capazes de cumprir os seus deveres pela revolução no momento mais crucial. Depois de ter cumprido todos os deveres, esperamos pelo “limpa-chaminés”. Contudo ele não chegou nem à meia-noite nem à uma da manhã e o tempo começava a esgotar-se. Finalmente, à uma e meia da manhã bateu à porta. O “limpa-chaminés” tinha chegado. Fui até aos aposentos dos prisioneiros e acordei o Dr. Botkin, dizendo-lhe que todos se tinham de vestir o mais depressa possível uma vez que estavam a haver distúrbios na cidade e tinha de os transferir para um lugar mais seguro. Não queria apressá-los, por isso dei-lhes a oportunidade de se vestirem. Às duas da manhã, transferi os guardas para os andares mais baixos. Disse-lhes para se colocarem na ordem combinada. Conduzi a família para a cave sozinho. Nicolau levava Alexei nos braços. O resto levava consigo algumas almofadas nas mãos, outros levavam outras coisas. Finalmente chegamos ao andar mais baixo e dirigimo-nos para uma divisão que tinha sido preparada anteriormente. Alexandra Feodorovna pediu uma cadeira e Nicolau pediu outra para Alexei.


Ordenei que trouxessem as cadeiras. Alexandra Feodorovna sentou-se e o Alexei também. Sugeri que todos se levantassem, o que fizeram, ocupando toda a parede de trás e uma das paredes de lado. A divisão era muito pequena. Nicolau estava levantado de costas para mim. Então anunciei: “O Comité Executivo dos Trabalhadores, Camponeses e Soldados Soviéticos dos Montes Urais tomou a decisão de vos executar.” Nicolau virou-se para mim e perguntou: “O quê, o quê?” Repeti a sentença e dei imediatamente a ordem para disparar. Fui o primeiro e matei Nicolau imediatamente. Os disparos prolongaram-se durante muito tempo e, apesar das minhas esperanças de que a parede de madeira não levasse as balas a fazer ricochete, estas começaram a ir para todo o lado. Não consegui ordenar aos soldados que parassem de disparar durante muito tempo, o que fez com que as coisas se descontrolassem. Mas quando consegui fazê-los parar finalmente, percebi que muitos deles ainda estavam vivos.

Por exemplo, o Dr. Botkin estava deitado sobre o cotovelo do seu braço direito, como se estivesse numa pose relaxada, mas um tiro de revólver eliminou-o imediatamente. O Alexei, a Tatiana, a Anastásia e a Olga também ainda estavam vivos, assim com a Demidova. O camarada Ermakov queria acabar o trabalho com uma baioneta. Contudo, tal não era possível. A razão pela qual foi tão difícil matá-los tornou-se clara mais tarde. As filhas do czar tinham uma armadura de diamantes cozida nos seus corpetes. Fui forçado a matar um de cada vez. Infelizmente os valores que os executados traziam chamaram a atenção de alguns guardas vermelhos que se encontravam presentes e decidiram roubá-los. Propus que se acabasse com o saque aos cadáveres e pedi ao camarada Medvedev que verificasse se não tinham sido roubados valores da mala. Decidi juntar tudo que se encontrava no local imediatamente.

Pedi ao Nikulin que vigiasse a estrada quando os cadáveres fossem carregados e também deixei outro soldado na cave para vigiar os que ainda se encontravam lá. Depois de carregar os cadáveres chamei os participantes e exigi que devolvessem imediatamente tudo o que tinham roubado senão seriam castigados. Um a um, os soldados começaram a devolver o que tinham. No final descobrimos que havia dois ou três homens fracos. Apesar do facto de ter a inclinação de entregar o resto do trabalho ao camarada Ermakov, temi que ele não conseguisse cumpri-lo da forma mais correcta e decidi ir eu mesmo. Deixei o Nikulin para trás. Ordenei-lhe que não mudasse a guarda que estava de vigia para que parecesse que estava tudo normal.

Esboço para um quadro da família Romanov realizado pouco depois do nascimento de Anastásia
Nota: Ao todo existem 6 notas escritas por Yurovsky sobre o assassinato dos Romanov, cada uma com detalhes contraditórios.



sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Peterhof e Baptizado da Grã-Duquesa Maria

Alexandra, Maria, Nicolau, Tatiana e Olga
A cerca de seis ou oito quilómetros de Peterhoff encontra-se a Subswina Datcha (a minha villa), uma pequena casa rococó mobilada no estilo do Primeiro Império. Só a mobília daria uma fortuna muito considerável se fosse vendida em Londres. É muito bonita. Há muitos quadros valiosos e porcelanas do mais bonito possível, incluindo grandes jarras da bela porcelana de Dresden. A casa é rodeada por parques e jardins cheios de árvores e bem tratados, entre os quais se incluía um belo jardim de rosas. Foi construída por ordem do czar Nicolau I e foi lá dado um baile em honra do décimo-primeiro aniversário do seu filho. Os convidados dançaram na grande ponte de madeira que se ergue sobre a estrada.

Uma das coisas que as crianças mais gostavam de fazer era ir lá passar a tarde e tomar chá, principalmente durante a época do feno, quando escorregavam pelos montes de feno e corriam para cima e para baixo nas encostas cobertas de relva. Outra coisa de que gostavam muito era visitar a quinta, ver as vacas a ser ordenhadas, alimentar as galinhas, recolher os ovos e encher cestos de maçãs. Há dois anos atrás, a esposa do agricultor, uma mulher muito simpática, estava a criar quatro gatinhos cuja mãe tinha sido morta. Quando as pequenas grã-duquesas passavam por lá de manhã nos seus póneis ou de bicicleta, os gatinhos eram sempre trazidos cá para fora e quatro biberões eram entregues, um para cada criança. Com um gatinho numa mão e o biberão na outra, as meninas iam dar uma volta pelo quintal enquanto os alimentavam.

Olga, Tatiana, Maria e Anastásia em Peterhof
Quando a grã-duquesa Maria era bebé, fomos passar um dia a Robshai. Estavam a haver manobras militares na altura e nas quais participaram o imperador e a imperatriz e, um dia, entramos numa carruagem puxada por quatro cavalos lado-a-lado e, duas horas depois, chegamos a Robshai. O palácio era grande, mas pouco ocupado e tinha jardins bonitos. Algum tempo depois, passamos alguns dias em Krasnow Selo, onde também decorriam manobras militares. Krasnoe Selo significa “cidade bonita”, um termo impróprio, se alguma vez tal existiu. A cidade é uma colecção miserável de cabanas de madeira sujas, cada uma delas erguendo-se um pouco antes da estrada e com uma poça de água parada antes delas. Não havia sinais de um jardim, nem sequer de uma couve à vista. Há um pequeno parque bonito com várias sorveiras e era lá que costumávamos caminhar todas as manhãs.

Quando a Maria tinha duas semanas de idade, foi baptizada na igreja do Grande Palácio em Peterhoff. A cerimónia, que foi muito imponente, durou duas horas ou mais. A imperatriz tinha feito preparativos para que eu entrasse na igreja por uma porta particular e para regressar pela mesma. Portanto, no dia marcado, metida dentro de um vestido branco de seda, ocupei o meu lugar na carruagem e fui levada para a igreja. O cossaco que estava de guarda não estava a permitir a passagem da carruagem. Eu não falava russo e pensava que talvez recebesse permissão para entrar a pé. Por isso saí da carruagem. Mas não! O homem baixou a baioneta e bloqueou-me o caminho. Ali estava eu, no meu vestido branco, no meio da estrada, com uma multidão a olhar para mim. Não sabia o caminho por outra porta, mas finalmente vi um oficial que conhecia do palácio. Fui até ele, falei em francês e contei-lhe o meu dilema. O oficial foi extremamente simpático e passamos pelos guardas até entrar na igreja onde os padres e bispos já estavam reunidos. Estavam ocupados a escovar os longos cabelos. Um deles veio ter comigo e numa maravilhosa mistura de línguas perguntou-me a que temperatura deveria estar a água. Respondi-lhe em francês e inglês, mas não pareceu que ele tivesse percebido. Depois mostrei-lhe o número de graus com os meus dedos e um grupo de padres interessados e entusiasmados começaram a preparar a pia para a criança. Pouco depois começaram a entrar os convidados: embaixadores e as suas esposas, todos com os vestidos das suas cortes. Uma mulher chinesa pequena parecia muito simpática e inteligente. Tinha um quimono de seda azul vestido e um chapéu redondo pequeno na cabeça, uma flor vermelha em cada orelha e uma branca em cima delas. A igreja católica foi representada por um cardial com o seu chapéu vermelho e batina, e o chefe da Igreja Luterana na Rússia também estava presente, vestindo uma batina preta com rendas branca. Os polacos são maioritariamente católicos e os finlandeses luteranos ou da igreja reformadora. Também estavam presentes membros de várias cortes. A imperatriz-viúva e a imperatriz tinham quinhentas damas que pertenciam à corte – “Demoiselles d’honneur”, como eram chamadas. Estas damas vestiam-se todas de forma semelhante nestas ocasiões, com mantos de veludo vermelho bordados a ouro com anáguas de cetim branco. As senhoras mais velhas, “Les dames de la cour”, levavam vestidos verde-escuros bordados a ouro.

Alexandra Feodorovna com o vestido da corte
Quando estavam todos reunidos, a pequena heroína foi levada para a igreja pela princesa Galitzin, a senhora mais antiga da corte. A princesa levava uma almofada de pano de ouro, na qual repousava a pequena Maria Nikolaevna, na glória plena do seu vestido de renda cor-de-rosa e com um pequeno chapéu na cabeça à sua medida. O imperador, a imperatriz-viúva, os outros padrinhos e todos os grão-duques e duquesas e membros da realeza estrangeira surgiram a seguir. Segundo a lei da Igreja Ortodoxa Russa, os pais não podem ficar na igreja durante o baptismo, por isso o imperador, depois de receber os parabéns dos seus parentes, retirou-se da igreja, voltando depois para a Confirmação e para entregar a Ordem de Santa Ana à sua pequena filha. A bebé foi depois despida até ficar só de camisa interior, a mesma que o imperador tinha usado no seu baptismo. Infelizmente a mesma foi roubada da igreja nesse mesmo dia e nunca mais voltou a aparecer. Depois a bebé foi mergulhada três vezes na pia, o seu cabelo foi cortado em quatro sítios em forma de cruz. O que foi cortada foi enrolado em cera e atirado para a pia. Segundo a superstição russa, o bem ou o mal do futuro da criança depende se o cabelo flutuar ou se afunda. O cabelo da pequena Maria comportou-se de forma ortodoxa e afundaram todos imediatamente, por isso não há necessidade de nos preocuparmos com o seu futuro. A criança foi depois levada para trás de um painel onde foi vestida com roupas novas de prata e a missa continuou. Depois foi levada novamente para a igreja e ungida com óleo. O seu rosto, olhos, ouvidos, mãos e pés foram tocados com uma escova fina mergulhada em óleo. A seguir foi levada pela imperatriz-viúva para dar três voltas à igreja, apoiada em cada lado pelos seus padrinhos. Dois pajens seguravam o manto da imperatriz. O imperador, que tinha voltado a entrar na igreja depois de a cerimónia acabar, chegou-se à frente e investiu-lhe a Ordem com diamantes e depois a procissão retirou-se pela mesma ordem em que tinha entrado na igreja. A bebé foi levada para a igreja numa carruagem dourada de vidro puxada por seis cavalos brancos como a neve, cada um deles conduzido por um cavalariço vestido numa libré branca e escarlate com uma peruca, e foi escoltada por um guarda dos Cossacos. 

Maria com a mãe, Alexandra
Quando quis regressar pelo mesmo caminho pelo qual tinha vindo, os soldados não me deixaram passar e fui obrigada a regressar para a igreja. Não podia ficar lá, por isso fui pelo caminho pelo qual tinha passado a procissão, pelas grandes salas de estado e tive a sorte de encontrar alguém do palácio. Expliquei o meu dilema e fui entregue aos cuidados de uma senhora idosa respeitável que depois vim a descobrir tratar-se de uma das criadas do palácio e o meu guia disse-me que ia fazer um telefonema para me arranjar uma carruagem. Contudo, a carruagem não chegou e regressar a pé estava fora de questão porque, por um lado, a distância era muita e não sabia falar russo suficiente para perguntar o caminho a um polícia. Cerca das três e meia da tarde, a mulher foi procurar alguém que me pudesse ajudar. Pouco depois regressou com um homem que me disse: “Eu não falar inglês, eu falar alemão”. Expliquei-lhe que não sabia falar nem russo nem alemão. No entanto, problema da língua não preocupou o bom samaritano que chamou uma izvochik, o nome pelo qual são chamadas as carruagens na Rússia, colocou-me dentro dela e mandou-me para o sítio que pensava ser a minha casa. Fui levada primeiro para o palácio da imperatriz-viúva por erro e quando consegui finalmente regressar a casa, tinha estado desaparecida durante várias horas e sentia-me muito cansada e cheia de fome.

Margaret Eager com as quatro grã-duquesas
Na manhã seguinte chegou a notícia de que o czarevich Jorge Alexandrovich tinha morrido. Este pobre jovem sofria de tuberculose há muitos anos. Tinha vivido no Egipto durante algum tempo e tinha também experimentado muitos outros climas, mas só sentiu que conseguia respirar em Abbas Turman, no Cáucaso. A sua vida lá foi solitária e triste. A sua mãe e as suas irmãs, as grã-duquesas Xenia e Olga, bem como os seus sobrinhos da primeira costumavam visitá-lo todos os anos depois da Páscoa e ficavam até o tempo ficar demasiado quente para elas, uma vez que o clima é quente e a viagem longa e difícil, principalmente para crianças. Nesse ano, devido ao nascimento da pequena Maria, a viagem tinha sido adiada para um pouco mais tarde do que o costume e o pobre grão-duque esperava a chegada delas impacientemente. Numa carta escrita pouco antes da sua morte, ele disse que tinha saudades de ouvir o som da voz de uma mulher, o toque da mão de uma mulher e implorou que a sua mãe fosse ter com ele o mais depressa possível depois do baptismo. Ficou também muito desiludido pela Maria não ter sido um rapaz, pois sentia que o fardo da sua responsabilidade era quase intolerável.

Por erro, o imperador tinha-o nomeado czarevich em vez de herdeiro-aparente. Na Rússia este título nunca pode ser retirado, excepto quando aquele que o tem se torna imperador. Após a sua morte, o imperador nomeou o seu irmão mais novo, Miguel, herdeiro-aparente que tem usado este título com muita dignidade e honra, mas ficou muito feliz quando deixou de o ter após o nascimento do pequeno herdeiro, o grão-duque Alexei a 12 de Agosto de 1904.

O grão-duque Jorge Alexandrovich
Na manhã a seguir ao baptismo, o czarevich Jorge tinha-se levantado mais cedo do que o costume. Sentia-se melhor e mais animado e, apesar dos avisos do seu criado particular, decidiu dar uma volta de bicicleta. Desceu uma encosta e, quando chegou ao fundo, caiu de repente da bicicleta. Uma velha camponesa que estava a caminho da casa dele para lhe levar leite, acompanhada do seu neto, foram as únicas testemunhas do acidente. A mulher correu para o ajudar e viu que tinha sangue a escorrer-lhe da boca. Mandou o neto à casa dele para ir buscar ajuda e estava sentada no chão com a cabeça do jovem grão-duque no colo, mas poucos minutos depois ele morreu. Foi assim, ao lado da estrada, com os cuidados de uma velha camponesa, que morreu o herdeiro do trono russo. Cumpriu o ditado sobre os Romanov, que nenhum deles vai morrer deitado numa cama. Até onde sei, apenas o czar Nicolau I foi o único a conseguir esse feito. Morreu de pneumonia alguns dias após a queda de Sevastopol. Apesar de Alexandre III ter tido também uma morte natural, estava sentado numa cadeira na varanda quando tal aconteceu.

Jorge Alexandrovich
Foi construída uma igreja no local onde Jorge Alexandrovich faleceu. A imperatriz-viúva e a família viajaram para a Crimeia para acompanhar o seu corpo que foi levado para São Petersburgo para repousar na igreja da Fortaleza de Pedro e Paulo. A sua sepultura é cuidada por mãos carinhosas, com flores e plantas frescas sempre por perto e todos os anos se celebra uma missa em sua honra. Esta missa vai continuar a celebrar-se enquanto houver membros da família vivos, uma vez que este é um costume da igreja russa. Diz-se que o grão-duque Jorge se casou com a rapariga do telégrafo. Esta história é completamente infundada. O grão-duque vivia sozinho na sua casa no Cáucaso com os seus criados e a única excepção dava-se quando era visitado pela mãe e pela família.

Alguns dias depois do funeral, o encouraçado Alexandre III foi baptizado. O imperador, a imperatriz, a imperatriz-viúva e outros membros da família estiveram presentes na cerimónia. Segundo a tradição russa, todos se vestiram de luto branco, uma vez que ninguém participa numa cerimónia na Rússia vestido de peto. Começou uma tempestade súbita e um raio atingiu o navio, ferindo sete ou oito pessoas. O navio tinha o nome do marido da imperatriz-viúva que ficou muito perturbada com este acontecimento e disse que o navio se afundaria na sua primeira missão. 

Maria Feodorovna
Texto retirado do livro "Six Years at the Russian Court" de Margaret Eager.






quarta-feira, 8 de agosto de 2012

As Primeiras Lições na Corte - Pierre Gilliard

Pierre Gilliard

No dia marcado para a minha primeira lição, uma carruagem real veio para me levar para a Casa de Alexandria, onde o czar e a família estavam a viver. No entanto, apesar do uniforme do cocheiro, do brasão imperial nos painéis e das ordens que tinham sido dadas em relação à minha chegada que, sem dúvida, tinham sido dadas, aprendi rapidamente que entrar na residência de Suas Majestades não era fácil. Mandaram-me parar no portão do parque e houve uma discussão de vários minutos antes de receber permissão para entrar. Quando viramos numa curva, não demorei até ver dois edifícios pequenos de tijolo interligados por uma ponte escondida. Se a carruagem não tivesse sido parada, nunca teria pensado que tinha chegado ao meu destino.


Fui levado para uma sala pequena, mobilada de forma simples em estilo inglês no segundo andar. A porta abriu-se a czarina entrou, segurando as suas filhas Olga e Tatiana pela mão. Depois de fazer alguns elogios, sentou-se na mesa e convidou-me a fazer o mesmo do lado oposto ao dela. As crianças sentaram-se nas outras duas pontas da mesa.


Olga e Tatiana na altura em que começaram a receber lições de francês de Gilliard

A czarina ainda era uma mulher bonita nesta altura. Era alta e magra e tinha um porte soberbo. Mas tudo isto deixou de contar quando a olhei nos olhos, aqueles olhos azuis-acinzentados que falavam e mostravam as emoções de uma alma sensível.

Olga, a grã-duquesa mais velha, era uma menina de dez anos, muito loira e com uns olhos brilhantes e marotos e um nariz ligeiramente retoussé. Examinou-me com um olhar que me pareceu procurar um ponto fraco na minha armadura desde o primeiro momento, mas havia algo de tão puro e honesto na criança que uma pessoa gostava imediatamente dela.

A segunda menina, Tatiana, tinha oito anos e meio. Tinha cabelo castanho-avermelhado e era mais bonita do que a irmã, mas dava a impressão de ser menos transparente, honesta e espontânea. 


A lição começou. Fiquei espantado, até embaraçado, pela simplicidade de uma cena que tinha esperado ser muito diferente. A czarina seguiu tudo o que eu disse muito atentamente. Senti de forma distinta que não estava a dar uma aula, mas sim a ser avaliado. O contraste entre o que tinha antecipado e a realidade deixou-me muito confuso. Para aumentar ainda mais o meu desconforto, tinha a ideia de que as minhas alunas estavam muito mais avançadas do que realmente verifiquei. Tinha escolhido certos exercícios, mas estes acabaram por ser demasiado complicados para elas. A lição que tinha preparado não serviu de nada e tive de improvisar e contar com outros materiais. Finalmente, para grande alívio meu, o relógio bateu as horas e marcou o final do meu sofrimento.

Nas semanas que se seguiram, a czarina esteve sempre presente nas lições das crianças, pelas quais se interessava visivelmente. Muito frequentemente, depois de as suas filhas deixarem a sala, a czarina discutia comigo sobre os melhores métodos de ensinar línguas modernas e ficava sempre espantado pelo bom senso das suas opiniões.

Alexandra
Desses primeiros dias, guardei na memória uma lição que dei um dia ou dois antes do problema do Manifesto de Outubro em 1905 que acabaria na criação da Duma. A czarina estava sentada numa cadeira baixa, perto da janela. Reparei imediatamente que estava distraída e preocupada. Apesar de tudo que podia fazer, o seu rosto traía-a e mostrava uma agitação interior. Esforçava-se obviamente para se concentrar em nós, mas não demorava a mergulhar novamente num estado de melancolia no qual se acabaria por perder. O seu trabalho escorregou-lhe dos dedos para o colo. Tinha as mãos apertadas e o seu olhar, que seguia os seus pensamentos, parecia perdido e indiferente às coisas que aconteciam à sua volta.

Quando a lição acabou, fechei o meu livro e esperei que a czarina se levantasse, um sinal de que me poderia retirar. Desta vez, apesar do silêncio que seguiu o fim da lição, ela estava tão perdida dos seus pensamentos que não se mexeu. Os minutos passavam e as crianças começam a ficar inquietas. Abri o meu livro novamente e continuei a ler. Só um quarto-de-hora depois, quando as grã-duquesas foram ter com a mãe, é que a czarina se apercebeu das horas.

Alexandra
Alguns meses depois, a czarina nomeou uma das damas-de-companhia, a princesa Obolensky, para a substituir durante as minhas lições. Assim acabou o período de uma espécie de avaliação à qual tinha sido submetido. Devo admitir que a mudança foi um alívio. Sentia-me muito mais à vontade com a presença da princesa Obolensky e, além do mais, ela ajudava-me muito. No entanto, desses primeiros meses, preservei uma memória vívida do grande interesse que a czarina, uma mãe com grande sentido de responsabilidade, tinha pela educação dos seus filhos. Em vez da imperatriz fria e altiva de quem ouvi falar tanto, e fiquei espantado por estar na presença de uma mulher completamente dedicada às suas obrigações maternas.

Também foi nesta altura que comecei a aperceber-me de certos sinais de reserva que tantas pessoas tinham levado a mal e lhe tinham valido tantos inimigos, eram na verdade sinais de uma timidez natural e, como tal, uma máscara para esconder a sua sensibilidade.


Alexandra Feodorovna


Vou dar um pormenor que ilustra o interesse da czarina na educação dos seus filhos e a importância que dava a estes mostrarem respeito pelos seus professores mostrando aquele sentido de decoro que é o primeiro elemento das boas maneiras. Enquanto esteve presente nas minhas lições, quando eu entrava na sala, encontrava sempre os livros e os cadernos empilhados de forma organizada nos lugares das minhas alunas na mesa e nunca tive de esperar um momento. O mesmo continuou a acontecer depois. Ao longo do tempo, às minhas primeiras alunas, Olga e Tatiana, juntaram-se a Maria, em 1907, e a Anastásia, em 1909, anos em que, respectivamente, completaram 9 anos de idade.

A saúde da czarina, que tinha já sofrido pela sua ansiedade devido à ameaça que havia sobre o czarevich, foi impedindo-a de seguir a educação das filhas. Na altura não me apercebi qual seria a causa da sua aparente indiferença e senti-me inclinado a censura-la, mas não demorou muito até que os acontecimentos me mostrassem que estava errado.

Alexei e Pierre Gilliard
Texto retirado do livro "Thirteen Years at the Russian Court" de Pierre Gilliard.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

O Príncipe Filipe e os Romanov


A propósito das celebrações do Jubileu de Diamante da rainha Isabel II do Reino, o blog "Os Romanov" resolveu fazer uma pequena pesquisa em nome próprio sobre as relações familiares do seu consorte, o príncipe Filipe, mais especificamente o seu parentesco com a família imperial russa, os Romanov, que são mais próximas do que a maioria dos leitores terá alguma vez pensado.

De facto, estas relações são tão próximas que, aquando da descoberta dos corpos dos Romanov no início dos anos 90, o príncipe Filipe foi uma das pessoas que forneceu amostras de sangue para determinar o perfil de ADN dos mesmos. Mas vamos começar pelo principio.

O Lado do Pai

Príncipe André da Grécia e Dinamarca
Filipe é o filho mais novo do príncipe André da Grécia e Dinamarca e da princesa Alice de Battenberg. O seu pai, que durante alguns anos foi um militar muito respeitado na Grécia antes de ser injustamente acusado de crimes de guerra por ocasião da guerra greco-turca de 1919-1920, era filho do rei Jorge I da Grécia e da grã-duquesa Olga Constantinovna da Rússia, o que faz com que, logo aqui, encontremos uma ligação muito directa com os Romanov.

No entanto, Filipe parece ter tido pouco contacto com a sua avó paterna Olga uma vez que, quando tinha apenas alguns meses de idade, em Dezembro de 1922, a sua família foi forçada a fugir da Grécia depois de o seu pai ter escapado por pouco a uma sentença de morte e a monarquia ser abolida. Enquanto Filipe acompanhou os pais e as quatro irmãs para o exílio em Paris, a sua avó Olga foi para Itália e morreu em 1926, uma semana depois de Filipe completar cinco anos de idade.

A grã-duquesa Olga Constantinovna, avó paterna de Filipe

Além da sua avó Olga, Filipe tinha também uma relação de parentesco muito próxima com os Romanov no seu lado grego da família. A irmã mais velha do seu pai, a princesa Alexandra da Grécia e Dinamarca, tinha-se casado em Abril de 1889 com o grão-duque Paulo Alexandrovich da Rússia. Antes de morrer tragicamente depois de um parto prematuro, a tia paterna de Filipe teve dois filhos: a grã-duquesa Maria Pavlovna e o grão-duque Dmitri Pavlovich da Rússia. Isto faz então com que Filipe seja primo direito do assassino de Rasputine.

Devido a vários factores como a diferença de idades, o facto de a mãe deles ter morrido cedo e a distância que os separava, também não foram encontrados registos de que Filipe tivesse tido alguma relação próxima com estes dois primos, embora seja provável que os tenha conhecido, uma vez que tanto Maria como Dmitri passaram algum tempo exilados em Paris na mesma altura em que a família de Filipe se encontrava lá. Apesar de tudo, Filipe seria demasiado novo para se lembrar de tais encontros.

O grão-duque Dmitri Pavlovich e a grã-duquesa Maria Pavlovna eram primos direitos do príncipe Filipe

Outro dos irmãos do seu pai, o príncipe Nicolau da Grécia e da Dinamarca que, ele próprio, era muito chegado à família Romanov, como provam várias fotos da época, casou-se com a grã-duquesa Helena Vladimirovna da Rússia, filha do grão-duque Vladimir Alexandrovich e da grã-duquesa Maria Pavlovna Sénior. Neste caso, como a mãe de Filipe se tornou uma grande amiga de Helena quando ambas viviam na Grécia, existem registos de que ambos se encontraram várias vezes, principalmente depois de a monarquia ser restaurada na Grécia, altura em que o futuro consorte começou a passar sempre uma parte dos seus verões no país. Henry Channon, um socialite americano, recordou mesmo uma conversa que teve com Helena sobre o seu possível casamento com a princesa Isabel.

Nicolau da Grécia, tio paterno de Filipe, com o czar Nicolau II, o rei Jorge I da Grécia e a grã-duquesa Olga Alexandrovna
Filipe teve ainda a oportunidade de conviver de perto com um dos seus tios paternos que teve também um papel importante na história dos Romanov. O seu tio Jorge da Grécia e Dinamarca, conhecido por ter salvo Nicolau II do ataque de um japonês durante a Grande Digressão que ambos fizeram para completar os seus estudos, e a sua esposa Maria Bonaparte acolheram Filipe na sua casa em Paris depois de a sua mãe ser internada numa instituição de saúde mental e o seu pai ter partido para Monte Carlo. Foi mesmo Maria, que tinha estudado psicanálise com Freud, que recomendou os especialistas que diagnosticaram a mãe de Filipe com esquizofrenia. O casal também pagou os primeiros anos de escola de Filipe.

Maria Bonaparte e Jorge da Grécia e Dinamarca, tios paternos de Filipe

O Lado da Mãe

Alice de Battenberg, mãe do príncipe Filipe
Pelo lado da mãe, as ligações de Filipe aos Romanov são ainda mais evidentes e directas. Alice, que tinha recebido o nome em honra da sua avó materna, a princesa Alice do Reino Unido, era a filha mais velha da princesa Vitória de Hesse-Darmstadt e do seu marido, Luís de Battenberg. Vitória era irmã mais velha da grã-duquesa Isabel Feodorovna e da czarina Alexandra Feodorovna.

A relação de Filipe com a sua avó era muito forte, principalmente depois de a sua mãe ser internada quando o príncipe tinha pouco mais de seis anos de idade. Foi Vitória quem organizou a educação de Filipe e era ela quem decidia onde o neto iria passar as suas férias escolares. Era a principal responsável por Filipe e aquela que conseguiu manter alguma estabilidade na sua infância turbulenta. O duque de Edimburgo já falou muitas vezes da sua avó materna em várias entrevistas, sempre de forma carinhosa. "Admiro-a imensamente. Gostava muito dela. Era muito inteligente e culta. Tinha conversas fascinantes, sabia tudo, pelo menos do meu ponto de vista", disse, numa entrevista em 2011.

Vitória (esq.) avó materna de Filipe, com as irmãs Isabel Feodorovna e Alexandra Feodorovna

Embora Filipe não tenha tido muito contacto com as suas tias-avós russas, uma vez que nasceu três anos depois de elas morrerem, as suas irmãs mais velhas encontraram-se com a família Romanov pelo menos duas vezes, tendo em conta fotografias que existem da época. Os filhos do czar Nicolau II e da czarina Alexandra eram seus primos em segundo-grau.

Margarida e Teodora, irmãs mais velhas de Filipe, com as grã-duquesas Maria e Anastásia
Apesar de nunca ter conhecido Alexandra nem Isabel, Filipe passou muitas vezes férias com outra figura importante ligada à família Romanov: o grão-duque Ernesto Luís de Hesse-Darmstadt. De facto, outra das suas irmãs, a princesa Cecília, casou-se com o filho mais velho dele, o príncipe Jorge Donatus. Foi Cecília que deixou o testemunho de umas férias que Filipe passou em Darmstadt com Ernesto Luís, a sua esposa Leonor e o resto da família:

"Foi muito bom (...) O tio Ernie e a tia Onor deram-lhe [a Filipe] uma bicicleta nova nos anos e agora ele anda em cima dela o dia todo. À noite, desde que vai tomar banho até ir para a cama toca a grafonola que lhe deste. Este ano recebeu presentes muito bons. A Dolla [Teodora] e a Tiny [Sofia] deram-lhe canivetes e o Don [Jorge Donatus] deu-lhe uma grande bola colorida para ele brincar na piscina. Eu dei-lhe uma toalha para ele se deitar no jardim. Tem-se portado muito bem e faz tudo o que a tia Onor manda."

Ernesto Luís de Hesse-Darmstadt e Leonor de Solms, tios-avós  de Filipe, com o filho  Jorge Donatus, seu futuro cunhado
Quando foi para a escola em Inglaterra, Filipe começou a passar as suas férias de verão com um dos seus tios maternos, o marquês Jorge Mountbatten de Milford-Haven. Aqui encontramos mais uma ligação um pouco mais indirecta com os Romanov, uma vez que Jorge era casado com Nádia Mikhailovna de Torby, filha do grão-duque Miguel Mikhailovich da Rússia, um cunhado da grã-duquesa Xenia Alexandrovna. Por causa destas estadias, Filipe estabeleceu fortes amizades tanto com os filhos de Nádia como com os da sua irmã, Anastásia Mikhailovna de Torby. Jorge, que era também sobrinho de Isabel e Alexandra Feodorovna, também visitou os seus primos russos pelo menos uma vez.

Jorge Mountbatten, tio materno de Filipe, com as grã-duquesas Olga e Maria
Não foi possível encontrar testemunhos de Filipe em relação às suas relações familiares com os Romanov, no entanto, com o seu humor característico, Filipe respondeu da seguinte forma quando um jornalista lhe perguntou se gostaria de visitar a Rússia:

"Gostava muito de lá ir, embora essas bestas tenham assassinado metade da minha família"


Fontes

  • Eade Philip, "Young Prince Philip", Harper Press, 2011
  • BBC, "Prince Philip at 90", 2011