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quarta-feira, 11 de março de 2015

Um Casamento Adequado - Terceira Parte


Um dos primeiros rebeldes da família foi o grão-duque Nicolau Constantinovich (em cima com os pais, o grão-duque Constantino Nikolaevich e a grã-duquesa Alexandra Iosifovna). Ignorando as tentativas da mãe de lhe arranjar uma noiva adequada, Nicolau gastou a sua fortuna nas suas amantes e na sua colecção de arte. Em 1874 já andava a roubar à própria família: quando se soube do que tinha feito, foi declarado louco, perdeu o seu título e foi colocado sob vigia, mas, para onde quer que fosse, arranjava problemas. Em 1874 e em 1876, uma mulher que não devia sequer ter-se aproximado dele ficou grávida com o seu filho. Em 1878, casou-se com outra mulher em segredo e sempre defendeu que devia haver uma revolução. Em termos oficiais, deixou de existir e, no verão de 1881, o czar Alexandre III enviou-o para o exílio e Tashkent. En 1895, apesar de ainda viver com a sua primeira esposa, casou-se com uma jovem de dezasseis anos cometendo uma bigamia que foi rapidamente anulada. Quando o visitou em 1904, a sua irmã Olga disse: "perdeu completamente qualquer sentido de moral entre o que pode ser feito e o que pode ser exigido". Mas havia outro lado em Nicolau. Interessou-se verdadeiramente pela Ásia Central e organizou expedições cientificas, publicando depois as suas descobertas. Em Tashkent lançou sistemas de irrigação e outros projectos benéficos. Recebeu bem a revolução e, quando morreu de infecção pulmonar em Abril de 1918, os bolcheviques da sua zona organizaram um grande funeral em sua honra na Catedral de Tashkent.


O grão-duque Miguel Mikhailovich chegou à idade adulta com muita vontade de se casar. Pediu a princesa Irene de Hesse-Darmstadt em casamento e 1886 e a princesa Luísa de Gales em 1887, achando que estava profundamente apaixonado em ambos os casos. No entanto, ambas recusaram o seu pedido. Em finais de 1887, apaixonou-se pela condessa Ignatiev, filha de um ministro do governo. O amor era correspondido, mas, depois de muita deliberação, o czar recusou ceder permissão para o casamento. Profundamente triste com a situação, Miguel iniciou uma viagem pela Europa e foi nessa altura que se apaixonou por Sofia, condessa de Merenberg (acima, ao centro). Casou-se com ela antes de alguém o conseguir impedir, uma acção que lhe custou o título e uma sentença de exílio perpétuo. A fotografia acima mostra o grão-duque com Sofia e a segunda filha do casal, Nádia, em 1896.


Quatro anos depois da morte da sua primeira esposa, o grão-duque Paulo Alexandrovich começou a ter um caso amoroso com Olga von Pistolkors, esposa do ajudante-de-campo do seu irmão, o grão-duque Vladimir. Quando ela deu à luz um filho de ambos e o czar se recusou a permitir o divórcio a Olga a não ser que o tio prometesse não se casar com ela, Paulo prometeu que não o faria, mas tinha todas as intenções de não cumprir o que tinha dito. Fugiu da Rússia, deixando os seus dois filhos legítimos para trás e casou-se em Itália. Por causa deste acto, foi banido da Rússia e os seus filhos foram colocados à guarda do irmão dele, o grão-duque Sérgio. Paulo tornou-se pai de uma segunda família. Na fotografia acima, tirada em 1906, Paulo surge no centro, com a sua filha Irina do lado direito, a esposa Olga logo a seguir com Natália ao colo e Vladimir na ponta. As outras pessoas são a mãe, irmã e filhas de Olga.


Em 1896, na coroação de Nicolau II, o grão-duque Cyrill Vladimirovich apaixonou-se pela sua prima Vitória Melita, segunda filha da grã-duquesa Maria Alexandrovna. O facto de ser sua prima direita seria suficiente para dificultar qualquer plano de casamento, mas a situação era ainda pior; ela era casada com o grão-duque Ernesto Luís de Hesse-Darmstadt. Mas o casamento em Hesse já não estava a atravessar uma boa fase e acabou em divórcio em 1901. Segundo Cyril, Vitória tomou essa decisão porque o amava. Ao longo dos anos seguintes, os dois viveram juntos quando podiam, apesar de os pedidos de Cyril para se casar serem sempre negados. O seu comportamento causou muito desconforto na família e os pais de Cyril fizeram os possíveis para acabar com a relação. A sua mãe até lhe pediu para ficar com Vitória como amante e encontrar outra princesa para se casar, pelo bem da sua posição. No outono de 1905, os dois casaram em segredo na Baviera. Quando Cyrill apareceu na Rússia, à espera de ser perdoado, o czar retirou-lhe os títulos e rendimentos e enviou-o para o exílio.


Cyrill e Vitória Melita mudaram-se para uma casa ao lado do palácio da mãe de Vitória Melita em Coburgo, onde nasceu a sua primeira filha, Maria, em Fevereiro de 1907. Nicolau II foi cedendo aos poucos, graças à pressão dos pais de Cyrill, e reconheceu o casamento pouco depois do nascimento de Maria, dando títulos adequados à mãe e à criança. Em 1908, permitiu que Cyrill regressasse à Rússia para assistir ao funeral do seu tio, o grão-duque Alexei Alexandrovich, e devolveu-lhe o seu título na marinha. Acabaria por ser este perdão que iria causar ressentimento entre o resto da família, mais ainda do que o castigo inicial. Em 1910, Cyril regressou à Rússia com a esposa e as duas filhas - a princesa Kira nasceu em 1909 - e a família estabeleceu-se em São Petersburgo. A fotografia acima foi tirada em Coburgo e mostra Cyrill a segurar a sua filha mais velha, Maria.


Nenhum dos irmãos de Cyrill estava disposto a cumprir as regras. Boris nunca se casou e tornou-se um conhecido playboy. No verão de 1901, os irmãos do grão-duque André Vladmirovich (acima) apresentaram-no à bailarina Mathilde Kschessinskaya que descreveu o momento da seguinte forma: "Ele era muito bonito e também muito tímido, o que não estragava as coisas de todo, bem pelo contrário! Durante o jantar, ele derrubou um copo de vinho acidentalmente e o conteúdo acabou por me sujar o vestido. Mas não fiquei nada zangada. Senti que era um bom presságio (...) A partir daquele momento, o meu coração transbordou com uma emoção que já não sentia há muito tempo". Desde o casamento e ascensão ao trono de Nicolau II que Mathilde vivia sob a protecção do seu primo, o grão-duque Sérgio Mikhailovich. A sociedade achava que os dois eram amantes, mas, nas suas memórias a bailarina diz apenas que tinha por ele um grande afecto e amizade. Quando descreveu o nascimento do seu filho no verão de 1902, na datcha que Sérgio lhe tinha comprado, Mathilde escreveu: "ele sabia perfeitamente que não era o pai da criança, mas amava-me e... perdoou-me tudo."


Matilde com o seu filho Vladimir, conhecido por "Vova". A relação entre Mathilde e André continuou, para grande irritação da grã-duquesa Maria Vladimirovna. O grão-duque Sérgio Mikhailovich também continuou a estar muito presente na vida dos dois.


Para Nicolau II, a desobediência mais dolorosa foi o casamento às escondidas do seu irmão mais novo, o grão-duque Miguel Alexandrovich (em cima). Miguel foi o herdeiro ao trono entre 1899 e 1904 e a saúde frágil do czarevich Alexei significava que esse posto lhe podia ser entregue novamente a qualquer momento. Não havia casamento mais vital para a continuidade da dinastia Romanov, mas, infelizmente, Migue apaixonava-se com demasiada facilidade. Em 1902, foi a irmã mais nova de Vitória Melita, a princesa Beatriz, que lhe chamou a atenção e ela também se apaixonou por ele. Os dois começaram a trocar correspondência, mas, em 1903, quando se levantou a hipótese de um casamento, o czar disse ao seu irmão que tal não seria possível, uma vez que Beatriz era sua prima direita. Miguel tentou romper o noivado, mas a sua atitude foi muito mal vista pela família dela, levando a uma zanga que durou até 1905. Mas, nessa altura, o grão-duque estava novamente apaixonado. Desta vez tratava-se de uma dama-de-companhia chamada Alexandra Kossikovskaya. Em 1906, Miguel pediu permissão para casar com ela. O seu irmão recusou e a mãe de ambos, Maria Feodorovna, fez com que a rapariga fosse discretamente enviada para longe do filho. Em 1907, Miguel planeou duas fugas para se casar com ela, mas ambas falharam.


Antes do final de 1907, surgiu uma terceira mulher na vida de Miguel. Natália Sheremetyevskaya era casada com um oficial do regimento do grão-duque, Vladimir Wulfert, que era já o seu segundo marido. Para ela, seduzir o grão-duque Miguel não passava de um jogo: seria possível conquistar o irmão do czar? Era possível e ela conseguiu. A relação tornou-se mais séria quando Wulfert a descobriu. Era um homem violento e, por isso, Miguel foi enviado para outro regimento, mas recusou-se a deixar Natália e o seu caso amoroso tornou-se um pesadelo para a corte. Em Julho de 1910, Natália deu à luz o filho de Miguel. No outono de 1912, com o czarevich à beira da morte, Miguel quebrou a promessa que tinha feito ao irmão e casou-se com Natália em segredo, em Viena. Foi muito honesto relativamente aos motivos que o levaram a tomar esta decisão: "Poderia nunca ter tomado esta medida se não fosse pela doença do pequeno Alexei e a ideia de que, como herdeiro do trono, poderia ser separado da Natália. Mas agora isso já não pode acontecer." Foi a razão mais cruel que poderia ter escolhido. Nicolau enviou-o para o exílio: a fotografia acima foi tirada durante esse período, em Inglaterra.

terça-feira, 10 de março de 2015

Um Casamento Adequado - Segunda Parte


O irmão de Anastásia Mikhailovna, o grão-duque Alexandre Mikhailovich, com a grã-duquesa Xenia Alexandrovna. Este foi o primeiro casamento entre membros da família Romanov e apenas pôde ser celebrado porque os dois eram primos em segundo grau. Alexandre e Xenia conheceram-se porque faziam parte do mesmo grupo de primos e amigos que cresceu junto na década de 1880. Os dois começaram por ser amigos, apesar de ele ser mais velho nove anos do que a sua futura noiva e os seus sentimentos começaram a desenvolver-se quando Xenia estava a meio dos seus anos de adolescente. Alexandre III e Maria Feodorovna não estavam muito convencidos desta união, em parte porque Xenia era ainda muito nova e em parte porque não sabiam se podiam confiar no carácter de Alexandre. Mas a persistência acabaria por ser compensada e, em 1894, após a intervenção do grão-duque Miguel Nikolaevich, pai de Alexandre, o noivado foi anunciado. Mas mesmo assim houve percalços. A czarina não gostava da arrogância e falta de educação de Alexandre ao mesmo tempo que este se queixava que teria de esperar demasiado tempo entre o noivado e o casamento. A cerimónia celebrou-se em Peterhof a 6 de Agosto de 1894.


Alexandre e Xenia com a sua primeira filha, a princesa Irina Alexandrovna, por volta de 1896. Apesar de terem tido mais seis filhos, todos rapazes, a atracção romântica entre o casal não durou muito. O grão-duque não estava satisfeito com o rumo dos acontecimentos na Rússia e começou a ficar cada vez mais frustrado com a vida na corte. Ao fim de cerca de doze anos de casamento, tanto ele como Xenia começaram a passar longos períodos de tempo fora da Rússia. Ambos tiveram amantes com o total conhecimento do outro. No caso de Alexandre tratou-se de uma mulher identificada apenas como "Maria Ivanovna"; no caso de Xenia foi um inglês chamado Fane que ainda trocava correspondência com ela durante a Primeira Guerra Mundial. Apesar de tudo, Xenis e Alexandre continuaram casados em nome e estão enterrados ao lado um do outro.


A grã-duquesa Helena Vladimirovna com o seu noivo, o príncipe Max de Baden. O príncipe Max era neto da grã-duquesa Maria Nikolaevna da Rússia, duquesa de Leuchtenberg. Era um jovem atraente e rico e, por isso, não faltavam mães da realeza desejosas por ver as suas filhas casadas com ele. Em 1898, parecia que a grã-duquesa Maria Vladimirovna tinha ganho o grande prémio quando Max ficou noivo da sua filha Helena. Foram publicados os anúncios e tiradas as fotografias, mas o príncipe mudou de ideias. Os Vladimirovich ficaram furiosos e começaram a espalhar-se rumores de que Maria Vladimirovna estava a ficar desesperada para casar a sua filha. Em 1900, o nome de Helena foi sugerido para uma possível união com o rei da Bulgária, que tinha ficado viúvo pouco tempo antes. Nesse mesmo ano, o príncipe Nicolau da Grécia e Dinamarca, terceiro filho da rainha Olga da Grécia, pediu Helena em casamento, mas Maria Pavlovna repreendeu a filha por encorajar um homem sem perspectivas nem fortuna. Estava mais virada para o príncipe Alberto, futuro rei da Bélgica, mas ele recusou todos os seus convites para visitar a Rússia e acabaria por anunciar o seu noivado com a princesa Isabel da Baviera pouco tempo depois.

Helena Vladimirovna e Nicolau da Grécia e Dinamarca
Em Junho de 1902, Maria Pavlovna admitiu a derrota e deu permissão à filha para aceita o pedido de casamento do príncipe Nicolau da Grécia e Dinamarca. A tia dele, a czarina Maria Feodorovna, tinha as suas dúvidas: "A forma como foram criados e como vêm a coisas são tão diferentes e divergentes. Será necessária muita paciência de ambos os lados. É verdade que ela tem um tom brusco e arrogante que pode chocar as pessoas". Mas a rainha Olga, que estava afastada da velha rivalidade que sempre tinha colocado as duas Marias em campos opostos, tinha mais esperança na união e acabaria por ter razão. A ideia de superioridade que a mãe de Helena lhe tinha transmitido causou sempre problemas na família, mas eles dois, Helena e Nicolau foram sempre felizes e tiveram um longo casamento do qual resultaram três filhas.


A grã-duquesa Olga Alexandrovna com o seu marido, o duque Pedro de Oldemburgo, pouco depois do seu noivado na primavera de 1901. Quando era já idosa e estava a viver no Canadá, Olga recordou o seu primeiro casamento como uma fachada vazia. Sentia que tinha sido enganada ao aceitar a proposta de Pedro e o seu biografo, Ian Vorres, concluiu que a mãe dela teria arranjado a união para manter a sua filha por perto. No entanto, não foi esse o caso. Os documentos da época mostram que Maria Feodorovna ficou admirada e divertida com o facto de Olga ter aceite a proposta. Era um par improvável: Pedro tinha trinta-e-dois anos, enquanto Olga tinha apenas dezoito. O duque era tão adoentado e cansado como Olga era robusta e energética. Mas ela aceitou o pedido e, durante os primeiros anos de casamento, pelo menos ele estava muito apaixonado: "Minha queria e doce Olga (...) sinto muito a tua falta e a nossa casa parece morta sem ti. Fui até ao teu quarto e fiquei a pensar nos tempos que passamos aqui juntos e vieram-me as lágrimas aos olhos." Fazes-me feliz  porque sei que és feliz. Abraço-te com amor". O homem frio e desinteressado descrito nos relatos mais conhecidos não teria encontrado palavras para exprimir estes sentimentos. Talvez o problema fosse o facto de haver poucos sentimentos. Por razões ainda não completamente apuradas, o casamento desfez-se e Olga, ao recordá-lo da perspectiva de um segundo casamento feliz, apenas o conseguia recordar como uma falha.


Outro noivado recordado de uma perspectiva retorcida foi o da grã-duquesa Maria Pavlovna Júnior com o príncipe Guilherme da Suécia, arranjado pela tia de Maria, a grã-duquesa Isabel Feodorovna em 1907. Mais tarde, Maria culpou Isabel pela sua "pressa em casar-me e a total ausência de consideração pelo lado sentimental de tal pacto", embora admitisse ao mesmo tempo que gostou da atenção que recebeu na altura. "Ela era cheia de vida e muito alegre", recordou outra tia, a grã-duquesa Maria Georgievna, "mas tinha uma inclinação obstinada e egoísta que faziam com que fosse bastante difícil lidar com ela". Maria Pavlovna não falou nas memórias do desejo que tinha de fugir da disciplina da infância: "Depois vamos poder viajar juntos", escreveu Maria a Guilherme durante o seu noivado, "e viver como queremos. Estou ansiosa como começar uma vida maravilhosa - uma vida cheia de amor e felicidade, como disseste nas tuas últimas cartas."


Cinco gerações, com Maria Pavlovna, atrás, a segurar uma fotografia da sua falecida mãe, a grã-duquesa Alexandra Georgievna. A sua avó, a rainha Olga da Grécia, surge na direita, a sua bisavó, a grã-duquesa Alexandra Iosifovna, está à direita e o bebé é o filho de Maria, o príncipe Lennart da Suécia, nascido em Estocolmo a 8 de Maio de 1909. Maria acabaria por não encontrar a felicidade que esperava na Suécia. Sendo um oficial da marinha no activo, Guilherme passava muito tempo fora e a vida na corte tinha tantas limitações como aquela que tinha deixado na Rússia. Maria sentia-se frustrada e sozinha. Ficou tão doente que, em 1913, a sua família tomou a iniciativa de a levar de volta para a Rússia e dar início às negociações para o divórcio. Maria abandonou o filho que seria criado na Suécia pelo pai.


Em Maio de 1911, a princesa Tatiana Constantinovna ficou noiva do príncipe Constantino Bagration-Mukhransky. Esta união foi um sinal de que os tempos estavam a mudar. Com tantos membros da família a chegar à idade de casar, havia poucas hipóteses de encontrar parceiros do mesmo estatuto social. Além do mais, a maioria dos jovens Romanov queria ficar na Rússia. Por isso, Nicolau II deu o seu consentimento para o casamento de Tatiana e, em Agosto de 1911, formalizou uma nova lei que limitava a regra do mesmo estatuto social aos grão-duques e grã-duquesas que fossem filhos e netos de czares pela linha masculina. Os membros mais antigos da família olharam para esta nova lei com desconfiança. "Sabias que a filha do tio Kostia [Constantino Constantinovich] está noiva de um príncipe Bagration do Cáucaso?" escreveu a grã-duquesa Maria Alexandrovna à sua filha. "É o primeiro casamento morganático de uma mulher na nossa família. Ela estava ansiosa e a sofrer por causa deste amor morganático e agora foi sancionado. É um precedente perigoso para a nossa família e o início de uma nova era social." O casamento, que na verdade não era morganático, celebrou-se a 6 de Setembro  em Pavlovsk.


A princesa Irina Alexandrovna, única filha do grão-duque Alexandre Mikhailovich e da grã-duquesa Xenia Alexandrovna, e o príncipe Félix Yussupov. Irina foi o segundo membro da família imperial a beneficiar da alteração da lei do casamento. O príncipe Félix Yussupov, conde Sumarakov-Elston, era o único filho ainda vivo de um dos casais mais ricos da Rússia - dizia-se que eram até mais ricos que o czar - mas não era um príncipe real. Irina aceitou a sua proposta de casamento em inícios de 1913 e os seus pais deram o seu consentimento em principio, mas não se fez qualquer anúncio.  A família tinha muitas dúvidas acerca desta união, uma vez que Félix tinha má reputação. O anúncio foi adiado o mais possível para que houvesse tempo de avaliar atempadamente o carácter do noivo.


Nessa primavera, surgiu um segundo candidato à mão de Irina. O grão-duque Dmitri Pavlovich (acima) disse a Félix que estava apaixonado por Irina e pretendia pedi-la em casamento. Passou a aproveitar todos os momentos que tinha para estar com ela encorajado, pelo menos assim acreditava a mãe de Félix, a princesa Zinaida Yusupova, pela avó de Irina, a czarina Maria Feodorovna. Numa carta ao filho datada de 10 de Junho de 1913, a princesa Zinaida disse-lhe: "Meu querido menino (...) a mãe dela não nega que a avó é a favor do Dmitri, mas diz que, por ela, não teria nada contra ti se for isso que a Irina quiser". E foi isso mesmo que aconteceu. A decisão de Irina já estava tomada e, em Setembro, o noivado foi anunciado. Os dois casaram-se no Palácio de Anichkov, casa da avó de Irina.

Texto retirado do livro "The Camera and the Tsars" de Charlotte Zeepvat

segunda-feira, 9 de março de 2015

Um Casamento Adequado - Primeira Parte

O príncipe Nicolau da Grécia e Dinamarca com a sua esposa, a grã-duquesa Helena Vladimirovna no dia do seu casamento
Quando terminava a educação dos membros da família imperial, chegava a altura do casamento. Os estatutos impostos pelo czar Paulo I faziam com que os seus descendentes fossem obrigados a contrair matrimónio com parceiros do mesmo estatuto social, o que limitava a sua escolha a membros de famílias reinantes da Europa. Também havia considerações sociais a ter em conta: a Igreja Ortodoxa Russa proibia o casamento entre primos direitos, uma prática comum noutras casas reais, e, até 1874, as princesas estrangeiras que se casavam com homens da família Romanov eram obrigadas a converter-se à religião ortodoxa. Esta regra continuou a ser aplicada à esposa do herdeiro ao trono.

Gravura do casamento do futuro czar Alexandre III com Maria Feodorovna
Por outro lado, as grã-duquesas russas nunca se converteram a outra religião. Permaneceram ortodoxas, independentemente do noivo escolhido e, até aos dias de hoje, ainda sobrevivem igrejas russas por toda a Europa mandadas construir pelas filhas e netas de czares que se foram espalhando pelas famílias reais do continente. Era raro ver uma noiva Romanov que se adaptasse bem ao seu país de acolhimento. Rodeadas por culturas completamente diferentes daquela onde tinham nascido, quase todas elas acabariam por permanecer profundamente ligadas à Rússia e com saudades do seu país natal.

Para os seus irmãos, as coisas eram ainda mais complicadas. Os jovens Romanov não eram protegidos da sociedade e era quase inevitável que as suas primeiras paixões surgissem por alguma dama-de-companhia ou dançarina, o que tornava difícil a sua adaptação a uma casamento "adequado" e, à medida que a família foi crescendo, foi-se tornando cada vez mais difícil encontrar princesas pela Europa. Esse foi o maior problema da família imperial à medida que atravessava os seus últimos anos de existência e o número de membros da família que se foi casando abaixo da sua posição foi aumentando com o passar dos anos.

O grão-duque Paulo Alxandrovich com a sua segunda esposa, a aristocrata Olga Karnovitsch , depois princesa Paley
A grã-duquesa Maria Alexandrovna era particularmente afeiçoada ao seu pai, o czar Alexandre II da Rússia: "Perdemos a nossa filha mais velha e queríamos tanto ter outra que, quando ela nasceu, foi uma alegria. (...) Quando ela tinha aulas, as nossas horas não coincidiam e era raro ela poder fazer-me companhia nas minhas caminhadas, mas aos Domingos tinha-a só para mim e iamos sempre caminhar juntos (...) ontem, quando chegou à hora em que costumávamos fazer isso, não pude evitar e tive de lhe enviar um telegrama a dizer-lhe que estava a pensar nela e nas nossas caminhadas". Quando Maria e o príncipe Alfredo do Reino Unido começaram a apaixonar-se, ambos os seus pais mostraram alguma preocupação. As relações diplomáticas entre a Rússia e Grã-Bretanha estavam cortadas, mas o casal estava decidido e a cerimónia acabaria mesmo por celebrar-se na Grande Capela do Palácio de Inverno em Janeiro de 1872. Maria Alexandrovna teve muitas dificuldades para se adaptar à corte britânica e apenas acabaria por se sentir realmente à-vontade quando o seu marido se tornou duque de Saxe-Coburgo-Gota.

A grã-duquesa Maria Alexandrovna e o seu marido, o príncipe Alfredo do Reino Unido


Maria Alexandrovna mostra o seu filho mais velho, o príncipe Alfredo. A fotografia foi tirada na Rússia, por volta de 1875.


















As filhas mais velhas de Maria Alexandrovna: Maria, futura rainha da Roménia, e Vitória Melita, futura grã-duquesa de Hesse e grã-duquesa da Rússia. Ambos os seus casamentos seriam fonte de desentendimentos na Rússia.









A grã-duquesa Olga Constantinovna (em baixo, com a mãe) ficou noiva do rei Jorge I da Grécia no início de 1867, quando tinha apenas quinze anos de idade. Diz-se que o seu encontro em casa dos pais dela foi acidental, mas parece mais provável que a irmã dele, a futura czarina Maria Feodorovna, teve alguma influência para que ele acontecesse. É sabido que persuadiu os pais de Olga, que não estavam muito convencidos do sucesso da união, a dar o seu consentimento. "Onde é que foste aprender a ser tão casamenteira, minha marota?" perguntou o pai dela, o rei Cristiano IX da Dinamarca, "Deves ter tido muito trabalho a convencer o teu tio e a tua tia que, antes, estavam decididamente contra uma união deste tipo". Olga casou-se no Palácio de Inverno em Outubro e partiu para a Grécia pouco tempo depois, quando era ainda pouco mais do que uma criança. Levou consigo as suas bonecas e brinquedos favoritos que lhe serviram de conforto quando a experiência se tornou demasiado esmagadora. Acabaria por se adaptar relativamente bem ao seu novo país e tornou-se uma rainha bastante popular, mas o seu coração foi sempre russo. 


Olga Constantinovna e Alexandra Iosifovna
A rainha Olga com os seus filhos mais velhos, Constantino, herdeiro do trono grego, (à direita, sentado) e Jorge. Constantino nasceu em Agosto de 1868, antes de a sua mãe chegar aos dezassete anos de idade, e o seu nome foi escolhido por uma multidão que o entoou por baixo da varanda do palácio na noite do seu nascimento. Foi uma reviravolta curiosa: o primeiro Constantino da família imperial russa, o grão-duque Constantino Pavlovich, tinha recebido esse nome porque a sua avó, a czarina Catarina, a Grande, desejava criá-lo para que ele subisse um dia ao trono grego que era na altura ocupado pelo imperador otomano. Agora, quase um século depois, um dos seus descendentes, ainda para mais um com o mesmo nome, estava em linha directa para herdar o trono.

Olga Constantinovna com os seus dois filhos mais velhos
O rei Jorge e a rainha Olga em 1881 (abaixo). O rei e a rainha visitavam a Rússia e a Dinamarca, país natal do rei, com muita frequência. Na Dinamarca também se encontravam quase todos os outonos com Maria Feodorovna, Alexandre III e a sua família. Ambas as famílias foram sempre muito chegadas.

Jorge e Olga em 1881
A grã-duquesa Vladimir, Maria Pavlovna, com o seu irmão, o grão-duque hereditário Frederico Francisco de Mecklenburg-Schwerin em 1878 (abaixo). Maria Pavlovna também recorreu à sua posição de mulher casada para ajudar a arranjar o casamento dos seus irmãos solteiros. Apesar de ter uma personalidade gentil e quase santa, Frederico Francisco era o que precisava mais de ajuda. Sofria de uma forma grave de asma assim como ataques espaçados de uma doença de pele pouco atraente. Maria Feodorovna deixou-nos uma descrição bastante gráfica: "sofre de uma doença asquerosa, uma erupção cutânea que lhe afecta todo o pescoço e as orelhas de tal forma que ele teve de usar uma espécie de manto a semana inteira para não se ver. É uma tragédia para ele, coitado. É quase errado que ele se case". Mas Maria Pavlovna tinha quase tanto jeito como a cunhada para que as coisas acontecessem à sua maneira e reparou que uma prima do marido, a grã-duquesa Anastásia Mikhailovna de dezassete anos, poderia ser uma boa noiva para o irmão. Frederico Francisco fez uma visita a São Petersburgo e sentiu-se tão atraído por Anastásia que tomou imediatamente a iniciativa de escrever uma carta à mãe da sua futura esposa. "Pode imaginar como fiquei nervosa", escreveu Maria Pavlovna ao seu pai, "porque o futuro do meu irmão e o bem-estar do nosso amado estado de Mecklenburg-Schwerin depende disto."

Maria Pavlovna com o irmão, Frederico Francisco
Anastásia Mikhailovna em 1879 (abaixo), num retracto que faz justiça à descrição que Maria Feodorovna deixou dela no seu dia de casamento: "tão doce, delicada como uma rosa, bonita como uma fada". De forma característica, a futura czarina descreveu o noivo de forma perversa: "parecia alguém que tinha despertado do mundo dos mortos ou alguém que se esqueceram de enterrar". Mas Anastásia acabaria mesmo por o amar já que, de acordo com vários relatos, ele era uma pessoa muito amável - "o homem mais querido à face da Terra", segundo dizia a princesa de Pless. Foi com o estado de Mecklenburg-Schwerin que Anastásia teve problemas. Antes de se casar, a grã-duquesa esforçou-se verdadeiramente por estudar o estado que a ia receber, mas acabou por nunca se conseguir adaptar a ele. Detestava aquele lugar e os seus súbditos acabariam por sentir o mesmo em relação a ela. Não demorou muito até que Anastásia e Frederico compreendessem que apenas poderiam ser felizes como um casal longe do estado que ele estava destinado a reinar.

Anastásia Mikhailovna em 1879
Texto retirado do livro "The Camera and the Tsars" de Charlotte Zeepvat

quinta-feira, 5 de março de 2015

Os descendentes dos Romanov ainda ocupam algum trono?

Cristiano X da Dinamarca com a sua sogra, a grã-duquesa Anastásia Mikhailovna e a a esposa, a princesa Alexandra de Mecklenburg-Schwerin
A resposta a esta pergunta pode surpreender alguns e não ser grande novidade para outros, mas é um grande e extenso sim. Neste momento, algumas das famílias reais mais conhecidas da Europa descendem de algum membro da família Romanov. Vamos explorar as relações familiares que os actuais reis e rainhas da Europa têm com a desaparecida família imperial russa.

Dinamarca
A rainha Margarida II da Dinamarca com os seus descendentes em 2014
Dentro das famílias reais que ainda estão no trono, a da rainha Margarida II é a que possui uma relação mais directa com os Romanov. A sua avó materna era a princesa Alexandrina de Mecklenburg-Schwerin, filha da grã-duquesa Anastásia Mikhailovna. Esta não era a grã-duquesa que foi imortalizada em filmes e livros, mas sim a única filha do grão-duque Miguel Nikolaevich, filho do czar Nicolau I, que reinou no Império Russo entre 1825 e 1855.

Mas as ligações não terminam por aqui. A rainha Margarida é também sobrinha-bisneta da imperatriz Maria Feodorovna, uma princesa dinamarquesa, filha do rei Cristiano IX, que se casou com o czar Alexandre III. Maria Feodorovna era mãe do último czar da Rússia, Nicolau II, e avó da Anastásia dos filmes.

Para terminar as ligações familiares, Margarida II é também pentaneta de outra grã-duquesa russa: Helena Pavlovna, filha do czar Paulo I e neta da imperatriz Catarina, a Grande.

Holanda
O rei Guilherme-Alexandre da Holanda com a mãe, a rainha Beatriz, a esposa Máxima e as filhas Catarina-Amália, Alexia e Ariane
As famílias reais da Dinamarca e da Holanda têm uma antepassada Romanov em comum: a grã-duquesa Helena Pavlovna. Enquanto que, no caso de Margarida II, esta ligação surge pelo lado da sua avó materna, Beatriz é quadraneta da grã-duquesa russa através do seu avô materno, o príncipe Henrique de Mecklenburg-Schwerin, que era também o meio-irmão mais novo de uma outra figura muito conhecida da família Romanov: a grã-duquesa Maria Pavlovna, esposa do grão-duque Vladimir Alexandrovich da Rússia e matriarca do clã familiar rival de Nicolau II: os Vladimirovich.

No entanto, existe uma ligação familiar ainda mais próxima com a dinastia russa: a avó materna de Beatriz, a rainha Guilhermina da Holanda, era neta de outra filha do czar Paulo I, a grã-duquesa Ana Pavlovna da Rússia, que se casou em 1816 com o rei Guilherme II da Holanda.

Reino Unido
A família real britânica em 2012
Embora não seja muito comum ver os Windsor a conviver com outras famílias reais europeias, a sua ligação aos Romanov é também bastante forte, começando logo pelo marido da rainha Isabel II, o príncipe Filipe, duque de Edimburgo que é, nada mais nada menos, sobrinho-neto tanto da imperatriz Alexandra Feodorovna como da grã-duquesa Isabel Fedorovna. Além disso, é neto da grã-duquesa Olga Constantinovna, rainha da Grécia e sobrinho da grã-duquesa Alexandra Georgievna, a primeira esposa do grão-duque Paulo Alexandrovich, filho mais novo do czar Alexandre II. As ligações são tantas e tão próximas que este blog já lhes dedicou um artigo em 2012.

A rainha Isabel II tem também a sua quota parte de ligações aos Romanov, embora não sejam tão directas. A sua bisavó, a princesa Alexandra da Dinamarca, era irmã mais velha da czarina Maria Feodorovna e o seu avô, Jorge V, era tão parecido fisicamente com o seu primo direito, o czar Nicolau II, que os dois eram muitas vezes confundidos.

Dentro da família real britânica existe também um ramo com ligações aos Romanov: os primos direitos da rainha, o duque de Kent, a princesa Alexandra e o príncipe Michael de Kent. Filhos do príncipe Jorge, duque de Kent, e da princesa Marina da Grécia e da Dinamarca, são netos do príncipe Nicolau da Grécia e da Dinamarca e da grã-duquesa Helena Vladimirovna da Rússia, o que os torna bisnetos da grã-duquesa Maria Pavlovna e do grão-duque Vladimir Alexandrovich da Rússia e trinetos do czar Alexandre II, o Libertador.

Eduardo, duque de Kent, a princesa Alexandra, Honourable Lady Ogilvy e o príncipe Michael de Kent
Espanha
A família real espanhola em 2007
Há uma característica que salta logo à vista quando pensamos nas ligações entre a família real espanhola e os Romanov: a hemofilia. Além da Rússia, também a Espanha teve um herdeiro ao trono que padeceu desta doença em inícios do século XX: Afonso, príncipe das Astúrias. Filho do rei Afonso XIII e da rainha Vitória Eugénia, a doença surgiu pelo lado da rainha Vitória. A czarina Alexandra Feodorovna e a rainha Vitória Eugénia eram primas direitas e ambas sofreram na pele as consequências públicas e privadas que a hemofilia trouxe às suas vidas.

Em termos de relações familiares propriamente ditas, elas também existem. A rainha Sofia de Espanha é filha do rei Paulo I da Grécia e da princesa Frederica de Hanôver. O seu pai era neto da grã-duquesa Olga Constantinovna da Rússia, rainha da Grécia entre 1867 e 1913.  

Grécia
A família real grega
Embora tenham perdido o seu trono em 1973, as ligações da família real grega aos Romanov merecem, sem dúvida, uma menção honrosa.

Para começar, a antiga rainha, Ana Maria, esposa de Constantino II, é irmã mais nova da rainha Margarida II da Dinamarca, portanto todas as relações familiares especificadas mais acima também se aplicam a ela.

Constantino II é, por seu lado, irmão mais velho da rainha Sofia de Espanha, e, por isso, é também bisneto da grã-duquesa Olga Constantinovna da Rússia.

Antepassados Romanov

Helena Pavlovna, filha de Paulo I e antepassada das famílias reais da Dinamarca e da Holanda
Ana Pavlovna, irmã mais nova de Helena e antepassada da família real holandesa
Anastásia Mikhailovna, antepassada da família real dinamarquesa
Olga Constantinovna: antepassada das famílias reais do Reino Unido, Espanha e Grécia
A família de Nicolau II e Alexandra Feodorovna pode ter sido dizimada na fatídica madrugada de 16 de Julho de 1918, mas esse acto não foi capaz de eliminar por completo o sangue dos Romanov que, ainda hoje, se mantém forte e no poder em vários países da Europa e promete permanecer assim pelo menos durante mais uma geração.

quarta-feira, 4 de março de 2015

O Funeral de Alexandre II e a Condenação dos seus Assassinos

A morte de Alexandre II
O funeral do czar Alexandre II [que tinha sido assassinado num ataque à bomba a 13 de Março de 1881] realizou-se sob o maior dispositivo de segurança imaginável. Vários representantes de cortes estrangeiras viajaram para a Rússia, para se juntarem à família horrorizada, mas não sem algumas reservas da parte dos seus soberanos. O genro e a filha do falecido czar, o duque e a duquesa de Edimburgo [o príncipe Alfredo e a grã-duquesa Maria Alexandrovna], partiram imediatamente de Londres assim que souberam da notícia que tinham temido e esperado durante tanto tempo. Chegaram a São Petersburgo três dias depois e enviaram imediatamente um telegrama para Inglaterra ao príncipe e à princesa de Gales [o futuro rei Eduardo VII e a princesa Alexandra da Dinamarca] onde garantiam que o novo casal imperial, o "Sasha" [Alexandre III] e a "Minnie" [Maria Feodorovna] gostariam muito de ter a sua presença.


Maria Feodorovna, Alexandre III e Alexandra do Reino Unido
Lord Dufferin, embaixador inglês em São Petersburgo, concordou que era desejável que o casal estivesse presente no funeral. A rainha Vitória deu o seu consentimento de forma relutante e avisou Dufferin que, se alguma coisa lhes acontecesse, ele seria responsabilizado. De Berlim, o imperador Guilherme I enviou o seu filho, o príncipe-herdeiro Frederico Guilherme, apesar de ter recebido cartas anónimas a avisá-lo de que a sua vida seria posta em risco se fosse. O czar e a czarina ficaram no Palácio de Inverno e os seus convidados no Palácio de Anichkov em condições de claustrofobia quase impossíveis de aguentar. O conde Loris-Melikov garantiu-lhes que nada de mal lhes aconteceria desde que não saíssem à rua na companhia do czar. Mesmo assim, o príncipe de Gales não gostou do pequeno jardim coberto de neve no Palácio de Inverno, o único local considerado seguro para o czar fazer exercício, e disse que até uma viela de Londres tinha melhor aspecto.

O príncipe de Gales, futuro rei Eduardo VII do Reino Unido
O corpo do falecido estava em câmara ardente na capela mortuária do Palácio de Inverno, sem qualquer coroa na cabeça ou condecorações no peito, como era costume nos ritos funerários dos czares. Alexandre II tinha deixado ordens por escrito nas quais dizia que não queria levar emblemas para a sepultura. Na véspera do dia em que o corpo seria levado do palácio para a catedral da Fortaleza de Pedro e Paulo, Pobedonostsev [conselheiro do falecido czar] encarregou-se dos últimos preparativos. Quando todos já se tinham retirado, viu a viúva do czar, a princesa Catarina Dolgorukov [a segunda esposa de Alexandre II], a entrar a partir da divisão ao lado e, apesar de estar apoiada na irmã, era visível que se esforçava bastante para manter o equilíbrio e a postura. Caiu de joelhos ao lado do caixão, afastou o véu que cobria o rosto do marido e beijou-lhe o rosto demoradamente em vários locais antes de se arrastar para fora da capela. Apesar de a ter ressentido pelo escândalo que tinha causado, Pobedonostsev admitiu que, daquela vez, apenas tinha sentido compaixão pela sua dor. Nessa mesma noite, a princesa acabaria por voltar à capela, levando nas mãos o seu longo cabelo, que tinha acabado de cortar, e colocou-o dentro do caixão num gesto de despedida.

Alexandre II com a sua segunda esposa, a princesa Catarina Dolgorukov, e os seus dois filhos mais velhos: Jorge e Olga
Uma vez por dia, o czar tinha permissão para sair do palácio e estar presente numa missa dada na presença do caixão do seu pai na igreja da Fortaleza de Pedro e Paulo. De acordo com a tradição russa, todos os parentes do falecido tinham de beijar o seu rosto, uma tarefa desagradável já que as suas feições tinham sido danificadas pela bomba e começaram a apodrecer alguns dias antes do funeral que se realizou a 27 de Março. É possível que os seus filhos tenham visto alguma ironia no facto de o pai ser enterrado ao lado da primeira esposa que tanto tinha feito sofrer e que tinha deixado de amar há muito tempo.


Maria Alexandrovna numa fotografia rara ao lado do marido, Alexandre II. Ao seu lado estão dois dos seus filhos: o grão-duque Sérgio Alexandrovich e a grã-duquesa Maria Alexandrovna
Antes de deixar São Petersburgo, o príncipe de Gales condecorou o seu cunhado com a Ordem da Jarreteira em nome da rainha Vitória. A cerimónia, realizada no Palácio de Anichkov, acabaria por trazer um momento de relaxamento à vida da família que tanto precisava dele. À medida que o herdeiro ao trono britânico ia caminhando pela Sala do Trono, liderando uma procissão de cinco membros da sua comitiva que levavam as insígnias em almofadas de veludo, como pedia a tradição, uma voz feminina disse num tom muito alto e em inglês que eles pareciam uma fila de amas-de-leite a carregar bebés. A princesa de Gales e a czarina olharam uma para a outra, não conseguiram manter a postura e começaram a rir descontroladamente.

Maria Feodorovna, czarina da Rússia e Alexandra, futura rainha do Reino Unido
Algumas facções da opinião russa acreditavam fervorosamente que tentar vingar o assassinato não era o caminho a seguir. Por muito que tivesse condenado a morte violenta do seu soberano, o conde Lev Tolstoi, escritor e filósofo, implorou ao novo czar que poupasse os responsáveis. Numa longa carta, o famoso escritor defendeu que os métodos decisivos de extermínio não tinham levado a uma redução do terrorismo, mas que "indulgências liberais" - nomeadamente a liberdade parcial e abrir caminho à criação de uma constituição - assim como o perdão cristão eram a melhor resposta a dar:
"Se não perdoar e executar os criminosos, irá conseguir a eliminação de três ou quatro indivíduos de um grupo com centenas de seguidores; mas o mal cria ainda mais mal e, em vez de três ou quatro, irão crescer mais trinta ou quarenta e irá deixar escapar o momento que vale por toda uma geração - o momento em que poderia ter cumprido a vontade de Deus e não o fez - e irá ignorar esta oportunidade de passar entre as ondas afastadas, quando poderia ter escolhido o bem acima do mal, e irá afundar-se para sempre a serviço do mal a que chamam o Interesse de Estado (...) Uma palavra de perdão e amor cristão, falada e executada a partir do alto de um trono e o caminho de um governo cristão, que está perante si, à espera de ser caminhado, pode destruir todo o mal que está a corromper a Rússia. Tal como a cera perante o fogo, as lutas revolucionárias irão derreter-se perante o homem-czar que cumpra a lei de Cristo."
Lev Tolstoi
Tolstoi convenceu o grão-duque Sérgio a colocar a carta na secretária do irmão e o czar leu-a, mas acabou por desdenhá-la. Ao mesmo tempo, o comité executivo da organização Vontade do Povo, acreditava, erradamente, que o novo czar iria certamente ouvir os seus conselhos para evitar sofrer o mesmo destino do pai.  Numa longa carta aberta, avisaram-no de que tinha apenas duas alternativas - "ou uma revolução inevitável, que não pode ser eliminada através de castigos corporais; ou o cumprimento voluntário da vontade do povo da parte do governo". Exigiam "uma amnistia geral de todos os ofensores políticos anteriores, uma vez que estes não eram criminosos, mas meros cumpridores do seu difícil dever cívico"; e "a convocação dos representantes de todo o povo russo para uma revisão e reforma das leis privadas do estado, de acordo com a vontade da nação". Estes seriam "os únicos meios para voltar a colocar a Rússia no caminho do progresso pacífico", e o seu partido nunca deveria ser acusado de qualquer acto de violência contra as medidas de um governo criado por tal parlamento. A carta terminava com as palavras "Sua Majestade tem de decidir. Tem dois cenários à sua frente; cabe-lhe a si decidir por qual deles irá optar."

O czar Alexandre III
Nenhum dos apelos surtiu qualquer efeito. Sua Majestade Imperial, o czar Alexandre III, czar de Todas as Rússias, já tinha decidido o que queria. Desde que soube da explosão no Palácio de Inverno, tinha vivido ainda com mais medo do que o pai e estava determinado a acabar com o terrorismo no seu império. O seu reinado ainda mal tinha começado quando começaram a ser erguidas barreiras em locais potencialmente vulneráveis. Os guardas passaram a vigiar os palácios de Inverno e de Anichkov com mais frequência e foram colocados homens com espingardas nas entradas de edifícios governamentais. Foram enviados homens armados e patrulhas montadas a cavalo para as ruas, com ordens para revistar todos os cantos à procura dos suspeitos. A nova família imperial também se adoptou às novas medidas de segurança o melhor possível e, durante os seus primeiros tempos de reinado, o czar e a czarina mal saíram à rua. Pobedonostsev aconselhou pessoalmente o czar a trancar as portas que davam acesso aos seus aposentos e a trancar a porta do quarto antes de ir dormir. Todos os seus filhos eram vigiados vinte-e-quatro horas por dia. De Berlim, o chanceler Bismark ordenou que o embaixador alemão em São Petersburgo lhe enviasse telegramas duas vezes por dia. Se não recebesse qualquer telegrama, teria de assumir que o telegrafo tinha sido destruído devido ao estado de anarquia contínua.


Alexandre III, Maria Feodorovna e os seus filhos
Esta atitude demonstra bem o clima de pânico que se vivia e, à medida que o período de calma e falta de actividade revolucionária se ia arrastando durante semanas e, depois, meses, os guardas e sentinelas começaram a ficar enfadados, à espera que algo acontecesse. Loris-Melikov recusou-se a entrar em pânico. Apesar de não ter conseguido manter o seu mestre vivo, ainda acreditava que havia apenas alguns revolucionários à solta e que estes poderiam ser apanhados através de métodos de segurança tradicionais. Temia que, se a concessão de reformas fosse adiada, a maioria dos russos com formação que simpatizavam com os revolucionários seriam atraídos por eles. Alguns oficiais achavam que o assassinato tinha destruído por completo a sua credibilidade e que Melikov seria dispensado em breve, mas o czar Alexandre III não desejava tomar nenhuma decisão precipitada relativamente a esse assunto. Talvez tenha sido esta relutância em tomar medidas à pressa que tenha sido interpretada pelo público como uma demonstração de que o novo czar era contra as medidas do seu pai ou talvez não tenha passado de uma falta de confiança temporária no seu próprio discernimento. 

Alexandre III
Foram dadas ordens aos tribunais para que julgassem os assassinos o mais rapidamente possível. Grinevitsky [um dos responsáveis pelo assassinato de Alexandre II já estava morto, mas Perovskaya ainda estava a monte. Quatro semanas depois, acabaria por ser presa juntamente com quatro dos seus colegas. Os cinco foram condenados à morte: Zelayabov, que já estava preso quando o czar foi assassinado, mas que se gabou de ser o eminence grise por detrás da operação; Kibalchich, o químico que fez as granadas; Rysakov, o último voluntário da operação; e Michelovich, que tinha participado em reuniões do grupo onde o plano para assassinar o czar tinha sido discutido. Jessica Hellman, que tinha emprestado o seu apartamento aos conspiradores foi poupada à pena de morte por estar grávida, mas foi condenada a servidão perpétua.

Sofia Perovskaya, uma das responsáveis pelo assassinato de Alexandre II
Os restantes foram enforcados a 15 de Abril naquela que seria a última execução pública alguma vez realizada em São Petersburgo. Os condenados estavam sentados em cadeiras, colocadas dentro de grandes carroças, de costas viradas para os cavalos. Cada um levava uma tableta com a palavra "Tsaryubeeyetz" ("Regicídio"). A carroça era seguida por duas bandas filarmónicas que tocavam as suas músicas alto o suficiente para impedir os condenados de falarem com uma multidão dividida entre os que aprovavam a medida e os que estavam contra ela. A música foi seleccionada sem grande consideração; uma das bandas começou a tocar Fatiniza e, sempre que os músicos faziam uma pausa, a outra banda começava a tocar Kaiser Alexander, uma marcha igualmente alegre e jovial. "A incongruência horrenda entre a música e a ocasião dava arrepios", escreveu o diplomata Lord Frederick Hamilton.

A execução dos assassinos de Alexandre II
A tensão foi diminuindo em São Petersburgo após as execuções, mas havia um sentimento sombrio por todas as zonas rurais da Rússia. Havia versões sensacionalistas do que tinha acontecido a circular de aldeia para aldeia. Alguns camponeses acreditavam que tinham sido os nobres que possuíam terras a matar o czar libertador por este ter sido gentil para com os camponeses e começaram a atacar proprietários locais para o vingar. Outros imaginaram, ou foi-lhes dito, que o novo czar desejava aproveitar a sua coroação para anunciar os seus planos para a distribuição das terras da aristocracia pelo povo e começaram a ficar impacientes por ter de esperar tanto tempo.


Texto retirado do livro "The Romanovs: 1818-1959" de John van der Kiste