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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

"The Romanovs - One Last Dance"


"The Romanovs - One Last Dance" é uma espécie de romance, disponível online no site Pan Historia que conta uma versão alternativa na vida dos Romanov, caso o czar Nicolau II nunca tivesse abdicado. Na versão original, a história começava em 1917, quando depois de a Rússia obter duas importantes vitórias durante a Primeira Guerra Mundial, a situação política melhora ligeiramente e, em vez de abdicar do trono, Nicolau apenas suspende os seus poderes. A família fica em prisão domiciliária, mas, após longas negociações entre Kerensky e Nicolau II, este concorda em deixar o sistema autocrático e a Rússia passa a ser uma monarquia constitucional. Nesta versão alternativa, Lenine é preso e executado enquanto Estaline é alvejado quando tenta roubar uma arma.

Quanto à vida pessoal da família, Maria Nikolaevna é a primeira das quatro filhas a casar e fá-lo com um soldado russo chamado Ivanshko Tarkhan e, ao longo da história, os dois têm três filhos. Tatiana casa-se com o príncipe Cristóvão da Grécia e Dinamarca, de quem tem dois filhos, Olga casa-se com o príncipe David do Reino Unido (mais conhecido por rei Eduardo VIII) de quem tem uma filha e, finalmente, Anastásia casa-se com o futuro rei Leopoldo III da Bélgica de quem tem um filho.

Qualquer pessoa pode escrever para este romance mediante registo no site e a criação de uma personagem que não esteja ainda ocupada. Para ler é necessário entrar no site, mas o registo não é necessário, basta entrar como convidado da seguinte forma:

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O Último Inverno em Czarskoe Selo - Robert K. Massie (Última Parte)

Maria Nikolaevna
O governo imperial estava a desfazer-se e entre aqueles que observavam o processo com receio, estavam alguns que não eram russos. A guerra e a aliança tinham dado aos embaixadores da França e da Grã-Bretanha, Maurice Paléologue e Sir George Buchanan, posições de grande importância. Pelas duas embaixadas em Petrogrado e pelas secretárias dos dois embaixadores passavam questões importantes de fornecimento, munições e assuntos diplomáticos. À medida que se foi tornando claro que a crise interna da Rússia estava a afectar cada vez mais a sua capacidade como aliada militar, Buchanan e Paléologue viram-se numa situação delicada. Tendo obtido a confiança do czar, não tinham qualquer direito de falar sobre os assuntos que afectavam a política interna russa. Apesar de tudo, no inicio de 1917, ambos os embaixadores viram-se alvo de pedidos de todos os lados para que usassem o acesso que tinham ao czar para implorar que este escolhesse um governo aceitável para a Duma. Convictos de que não havia mais nada a fazer para salvar a Rússia como aliada, ambos concordaram. A tentativa de Paléologue, desfeita pela incerteza e cortesia de Nicolau, falhou completamente. A 12 de Janeiro, foi a vez de Buchanan ser recebido em Czarskoe Selo.

Maurice Paléologue

Sir George Buchanan era um diplomata de velha guarda, conhecido pela sua discrição, cabelo grisalho e monóculo. Sete anos de serviço na Rússia tinham-no deixado cansado e frágil, mas tinham-lhe garantido uma hoste de amigos e admiradores, incluindo o próprio czar. A única fraqueza que tinha na sua posição era o facto de não falar russo, o que não fazia diferença em Petrogrado onde todos aqueles que interessavam falavam francês ou inglês. Contudo, em 1916, quando Buchanan visitou Moscovo, onde se tornou cidadão honorário da cidade e recebeu um ícone e uma grande taça. “No coração da Rússia”, escreveu R. H. Bruse Lockhart, o cônsul britânico, que acompanhou Buchanan na sua visita, “tinha de dizer pelo menos uma ou duas palavras em russo. Tínhamos ensaiado cuidadosamente com o embaixador para que ele levantasse a taça e dissesse ao seu distinto público ‘Spasibo’, que é o termo mais curto na língua russa para dizer ‘obrigado’. Em vez disso, Sir George, com a voz firme, levantou a taça e disse ‘Za Pivo’, que, em russo significa ‘para cerveja’”.

George Buchanan

Em Czarskoe Selo, Buchanan ficou surpreendido por ser recebido pelo czar na sala de reuniões oficial e não no seu escritório, onde costumavam falar. Apesar de tudo, perguntou ao czar se podia falar honestamente e ele concordou. Buchanan foi directo ao assunto , dizendo a Nicolau que a Rússia precisava de um governo no qual a nação pudesse confiar. “Vossa Majestade, se me permite dizê-lo, tem apenas um caminho a seguir – nomeadamente quebrar a barreira que o separa do seu povo e reconquistar a sua confiança.”

Levantando-se e dando um olhar rígido a Buchanan, Nicolau perguntou: “Quer dizer que tenho de reconquistar a confiança do meu povo ou que eles precisam de ganhar a minha?”.
“Ambas as coisas, senhor,” respondeu Buchanan, “porque se não houver confiança mútua, a Rússia nunca vencerá esta guerra.”

O embaixador criticou Protopopov, “que, se Vossa Majestade me perdoar o facto de estar a dizer isto, está a levar a Rússia à ruína”.

“Fui eu que escolhi M. Protopopov”, disse Nicolau, “das filas da Duma para os agradar – e esta é a minha recompensa.”

Nicolau II
Buchanan avisou-o que a língua da revolução não estava a ser falada apenas em Petrogrado, mas por toda a Rússia, e que “no caso de haver uma revolução, só poderá contar com uma pequena parte do exército para defender a dinastia”. Depois concluiu com uma vaga de sentimentos íntimos:

“Sei bem que um embaixador não tem direito de usar a linguagem que usei com Vossa Majestade e tive de agarrar a minha coragem com ambas as mãos antes de falar da maneira que falei (…) [Mas] se visse um amigo meu a entrar num bosque numa noite escura ir um caminho que sabia que acabava num precipício, não seria meu dever, senhor, avisá-lo do perigo que corria? E não é da mesma forma meu dever avisar Vossa Majestade do abismo que está mesmo à vossa frente?”

O czar ficou comovido com o apelo de Buchanan e, quando ele se estava a ir embora, disse-lhe: “Agradeço-lhe, Sir George.” Contudo, a imperatriz ficou ofendida com a presunção de Buchanan. “O grão-duque Sérgio [Mikhailovich] disse que, se eu fosse um súbdito russo, teria sido mandado para a Sibéria”, escreveu ele mais tarde.

Nicolau II, Tatiana e Maria

Apesar de Rodzianko ter desdenhado a sugestão de Maria Pavlovna de “aniquilar” a imperatriz, concordava com a grã-duquesa na parte de que esta tinha de perder o seu poder político. No inicio do outono, quando Protopopov se tinha encontrado com ele e dito que o czar poderia vir a nomear o presidente da Duma para primeiro-ministro, Rodzianko tinha dito que uma das suas condições para aceitar o cargo era a de que “a imperatriz tem de abdicar de toda a sua influência nos assuntos de estado e permanecer em Livadia até ao fim da guerra.”. Agora, a meio do inverno, recebia uma visita do irmão mais novo do czar, o grão-duque Miguel Alexandrovich. Miguel, o bonito e amável “Misha”, estava a viver com a sua esposa, a condessa Brassova, em Gatchina, nos arredores da capital. Apesar de ser o próximo na linha de sucessão depois do czarevich, não tinha qualquer influência no irmão. Preocupado, e apercebendo-se do seu desamparo, perguntou-lhe como seria possível remediar aquela situação desesperada. Rodzianko voltou a declarar que “Alexandra Feodorovna é odiada ferozmente e por todos e todos os círculos pedem que seja retirada. Enquanto ela permanecer no poder, vamos continuar no nosso caminho para a destruição”. O grão-duque concordou com ele e implorou-lhe que fosse falar novamente com o czar. A 20 de Janeiro, Nicolau recebeu-o.

Miguel Alexandrovich com a sua esposa


“Vossa Majestade”, disse Rodzianko, “considero que o estado do país se tornou mais crítico e ameaçador do que nunca. O espirito de todas as pessoas é tal que podemos esperar as piores convulsões sociais (…) Toda a Rússia está unida na exigência de um novo governo e na nomeação de um primeiro-ministro responsável que possua a confiança da nação (…) Senhor, não resta um único homem honesto ou de confiança na sua comitiva; os melhores foram eliminados ou demitiram-se (…) É um segredo aberto que a imperatriz dá ordens sem o seu conhecimento, que os ministros lhe respondem a ela em assuntos de estado (…) A indignação e o ódio pela imperatriz estão a aumentar por todo o país. Ela é vista como uma protectora dos alemães. Até as pessoas mais comuns falam disso!”

Nicolau interrompeu-o: “Mostre-me factos. Não existem factos que comprovem as suas afirmações.”

“Não existem factos”, admitiu Rodzianko, “mas o tipo de política dirigida por Sua Majestade é uma prova destas ideias. Para salvar a sua família, Vossa Majestade tem de descobrir alguma forma de impedir a imperatriz de exercer qualquer influência na política (…) Vossa Majestade, não force o povo a escolher entre si e o bem do país.”

Nicolau e Alexandra
Nicolau segurou a cabeça entre as mãos. “Será possível”, perguntou ele, “que durante vinte e dois anos tenha dado o meu melhor e que durante vinte e dois anos tenha feito tudo mal?”

A pergunta era surpreendente. Estava muito além dos limites do adequado para que Rodzianko pudesse responder, contudo, compreendendo que a pergunta tinha sido feita de forma honesta, de homem para homem, o presidente reuniu toda a sua coragem e respondeu: “Sim, Vossa Majestade, durante vinte e dois anos seguiu o caminho errado.”

Um mês depois, a 23 de Fevereiro, Rodzianko viu Nicolau pela última vez. Desta vez, o czar mostrou uma atitude “certamente desagradável” e Rodzianko, por seu lado, foi honesto. Anunciando que a revolução estava iminente, declarou: “Considero meu dever, senhor, declarar-lhe a minha crença profunda de que este é o nosso último encontro formal.”
Nicolau não respondeu e Rodzianko foi dispensado pouco depois.

Nicolau e Alexandra
O aviso de Rodzianko foi dos últimos que Nicolau recebeu. Nicolau rejeitou-os a todos. Tinha jurado manter a autocracia e entrega-la intacta ao filho. Na sua cabeça, grão-duques citadinos, embaixadores estrangeiros e membros da Duma não representavam a opinião das massas de camponeses daquela que considerava ser a verdadeira Rússia. Acima de tudo, achava que ceder durante a guerra seria um sinal de fraqueza pessoal que apenas serviria para acelerar a revolução. Talvez quando a guerra terminasse tivesse mudado a autocracia e reconhecido o poder do governo. “Vou fazer tudo depois”, disse ele. “Mas não posso fazer nada neste momento. Não consigo fazer mais do que uma coisa ao mesmo tempo.”

Os ataques feitos à imperatriz e a sugestão de mandá-la para longe enfureciam-no. “A imperatriz é estrangeira”, afirmou ele ardentemente. “Não tem ninguém para a proteger a não ser eu próprio. Não a vou abandonar seja em que circunstância for. De qualquer forma, todas as acusações que lhe foram feitas são falsas. Estão a ser espalhadas mentiras cruéis sobre ela. Mas eu sei como vou fazer com que seja respeitada.”

Nicolau com os filhos e sobrinhos
No início de Março, depois de ter descansado dois meses com a família, o humor de Nicolau começou a melhorar. Estava confiante de que o exército, equipado com novas armas enviadas da Grã-Bretanha e de França, podia acabar com a guerra no final do ano. Queixando-se do “ar poluído” de Petrogrado, estava ansioso por voltar a Stavka para planear a ofensiva da Primavera.

Entretanto, Protopopov, que sentia uma crise aproximar-se, tentou disfarçar os seus medos recorrendo a medidas de contra-ataque. Foram chamados quatro regimentos de cavalaria da guarda imperial da frente de combate para Petrogrado e a polícia da cidade começou a treinar o uso de metralhadoras. A cavalaria nunca chegou. Em Stavka, o general Gurko ficou chocado com a ideia de virar os soldados contra as pessoas e ignorou a ordem. A 7 de Março, a véspera da partida de Nicolau para o quartel-general, Protopopov foi até ao palácio. Viu primeiro a imperatriz que lhe disse que o czar estava a insistir passar um mês na frente de batalha e que ela não conseguia fazê-lo mudar de ideias. Nicolau entrou no quarto e, levando Protopopov para um canto, disse-lhe que estaria de volta dentro de três semanas. Protopopov, agitado, disse-lhe: “Estamos em tal altura que a vossa presença é necessária tanto cá como lá (…) Temo muito pelas consequências”. Nicolau, afectado pelo alarme do seu ministro, prometeu que voltaria dentro de uma semana, se possível.

Nicolau II
Houve um momento, segundo Rodzianko, em que Nicolau esmoreceu na sua determinação de recusar a nomeação de um governo responsável. Na noite antes da sua partida, o czar convocou vários ministros, incluindo o príncipe Golitsyn e o primeiro-ministro e anunciou que pretendia ir à Duma no dia seguinte e anunciar pessoalmente a nomeação de um novo governo. Nessa mesma noite, Golitsyn foi convocado novamente e soube que o czar estava de partida para o quartel-general.

“Como é que isso é possível, Vossa Majestade?” Perguntou Golitsyn espantado. “Então e o governo responsável? Queria ir à Duma amanhã!”

“Mudei de ideias”, disse Nicolau. “Vou partir para Stavka esta noite.”

Esta conversa aconteceu na quarta-feira, 7 de Março de 1917. Cinco dias depois, na segunda-feira dia 12 de Março, o governo imperial caiu em Petrogrado.





terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O Último Inverno em Czarskoe Selo - Robert K. Massie (Parte 3)


A morte de Rasputine foi um acto monárquico. Foi planeada por um grão-duque, um príncipe e um deputado de direita com o objectivo de purificar o trono e recuperar o prestígio da dinastia. Foi também uma forma de eliminar a própria imperatriz dos assuntos do governo, já que os conspiradores acreditavam que era Rasputine o poder que a incitava. O czar, pensavam eles, ficaria então livre para escolher ministros e seguir uma política que salvasse a monarquia e a Rússia. Era esta a esperança de muitos membros da família imperial, que na sua maioria, não gostou da forma como o monge foi assassinado, mas ficou aliviada por o ver morto.

Rasputine
O facto de o czar ter castigado o grão-duque Dmitri e o príncipe Félix Yussupov, ainda que de forma bastante branda, foi uma desilusão. A família assinou uma carta em conjunto dirigida a Nicolau onde pediam para que Dmitri fosse perdoado e a formação de um governo responsável. Nicolau, que estava já ofendido com o facto de membros da sua família estarem envolvidos no assassinato, ficou ainda mais indignado com a carta: “Não me permito que ninguém me dê conselhos”, respondeu ele furioso. “Um assassinato é sempre um assassinato. De qualquer forma sei que a consciência de muitos que assinaram esta carta não está leve.” Alguns dias depois, quando soube que um dos grão-duques que tinha assinado a carta, o liberal Nicolau Mikhailovich, andava por todos os clubes sociais que frequentava em Petrogrado a criticar abertamente o governo, o czar ordenou-lhe que deixasse a capital e se refugiasse numa das suas propriedades no campo.

Dmitri Pavlovich, um dos assassinos de Rasputine
Longe de apaziguar a separação que havia entre a família Romanov, o assassinato serviu apenas para a aumentar ainda mais. A imperatriz-viúva estava profundamente alarmada: “Uma pessoa devia (…) perdoar”, escreveu Maria Feodorovna a partir de Kiev. “Tenho a certeza que sabes o quanto a tua resposta brusca ofendeu a família, atirando-lhes para cima uma acusação horrível e completamente injustificada. Espero que alivies o fardo do pobre Dmitri e não o deixes na Pérsia (…) O pobre tio Paulo [pai de Dmitri] escreveu-me em desespero por nem sequer ter tido a oportunidade de se despedir (…) Este comportamento nem parece teu (…) preocupa-me muito.”

Maria Feodorovna
O grão-duque Alexandre Mikhailovich, cunhado e primo do czar, deixou apressadamente a sua casa em Kiev para se dirigir a Czarskoe Selo com o objectivo de pedir a Nicolau que retirasse a imperatriz do governo e que deixasse a Duma governar de forma eficiente. Este era o “Sandro” da juventude de Nicolau, o seu alegre companheiro nos jantares com Kschessinska, o marido da sua irmã Xenia e sogro do príncipe Félix Yussupov. Alexandro encontrou a imperatriz deitada na cama, vestida com uma camisa-de-noite branca bordada a renda. Apesar de o czar estar presente, sentado numa cadeira ao lado da cama de casal, a fumar calmamente, o grão-duque foi directo ao assunto: “A forma como interferes nos assuntos de estado está a prejudicar (…) o prestígio do Nicky. Tenho sido sempre um amigo fiel, Alix, há vinte-e-quatro anos (…) e como teu amigo tenho de te dizer que todas as classes da nossa população se opõem às tuas políticas. Tens uma bela família, com filhos, porque é que não podes deixar os assuntos de estado para o teu marido, Alix? Por favor!”

Quando a imperatriz respondeu, dizendo que era impossível um autocrata partilhar os seus poderes com um parlamento, o grão-duque disse: “Estás muito enganada, Alix. O teu marido deixou de ser um autocrata no dia 17 de Outubro de 1905.”

Alexandre Mikhailovich
O encontro acabou mal, com o grão-duque Alexandre a gritar enfurecido: “Lembra-te que eu fiquei calado trinta meses, Alix! Durante trinta meses nunca disse (…) uma palavra sobre os assuntos vergonhosos do nosso governo, ou melhor, do teu governo. Estou a ver que estás disposta a perecer e que o teu marido concorda contigo, mas então e nós? (…) Não tens o direito de arrastar os teus parentes contigo para o precipício!” Nesta altura, Nicolau interrompeu-o calmamente e levou o primo para fora do quarto. Mais tarde, já em Kiev, Alexandre escreveu: “Uma pessoa não pode governar um país sem ouvir a voz do povo (…) Por mais estranho que possa parecer, é o governo que está a preparar a revolução (…) o governo está a fazer os possíveis para aumentar o número de descontentes e está a conseguir fazê-lo de forma admirável. Estamos a assistir a um espectáculo sem precedentes no qual a revolução parte de cima e não debaixo.”

Alexandre Mikhailovich
Um ramo da família imperial, os Vladimirovich, não se contentavam com cartas, e falavam abertamente de uma revolução no palácio que iria substituir os seus primos à força. A grã-duquesa Maria Pavlovna e os grão-duques Kyril, Boris e André – a viúva e os filhos do tio mais velho do czar, o grão-duque Vladimir - tinham ressentimentos muito enraizados no passado. O próprio Vladimir, um homem duro e ambicioso, sempre teve inveja do seu irmão mais velho, Alexandre III, e digeriu muito mal a ascensão ao trono do seu brando sobrinho. Um anglófobo convicto, Vladimir ficou furioso quando Nicolau escolheu uma consorte que, apesar de ter nascido em Darmstadt, era neta da rainha Vitória. Maria Pavlovna, que também era alemã, era a terceira grande senhora do Império Russo, aparecendo logo depois das duas imperatrizes. Socialmente, Maria era tudo o que Alexandra não era. Energética, ponderada, inteligente, instruída, dedicada aos boatos e intrigas e abertamente ambiciosa pelo futuro dos seus três filhos, transformou o seu grandioso palácio no Neva numa corte brilhante, que ofuscava facilmente a de Czarskoe Selo. Nas conversas animadas que dominavam os seus jantares e festas, criticas e escorno ao casal imperial eram temas frequentes. A grã-duquesa nunca se esquecia que depois do czarevich, que estava doente, e do irmão do czar, que estava casado com uma plebeia, o próximo na linha de sucessão era o seu filho Kyril.

Helena Vladimirovna, André Vladimirovich, Boris Vladimirovich, Kiril Vladimirovich e Vitória Melita
Além do mais, cada um dos seus filhos tinha as suas razões para manterem relações complicadas com o czar e a imperatriz. Kyril estava casado com a ex-mulher do irmão de Alexandra, o grão-duque Ernesto de Hesse. André tinha como amante a bailarina Mathilde Kschessinska, que tinha tido uma relação com Nicolau antes de ele se casar. Boris, o filho do meio de Vladimir, tinha pedido Olga, a filha mais velha do czar, em casamento. A imperatriz, numa carta ao marido, expressou alguma da repulsa que sentia por Boris: “A sua esposa seria arrastada para um cenário horrível (…) intrigas sem fim, maneiras e conversas levianas (…) um homem meio-gasto, blasé (…) de trinta e oito anos para uma menina pura e jovem dezoito anos mais nova do que ele, a viver numa casa na qual tantas mulheres já “partilharam” a sua vida! Uma menina inexperiente iria sofrer muito com um marido em quarta ou quinta mão ou mais!” Como a proposta de casamento tinha sido feita não só em nome de Boris, mas também em nome da sua mãe, Alexandra passou a ter grande ressentimento por Maria Pavlovna.

Boris Vladimirovich
Rodzianko sentiu o gosto desta amargura e da conspiração crescente quando, em Janeiro de 1917, foi convidado com urgência a almoçar no Palácio de Vladimir. Depois do almoço, escreveu ele, a grã-duquesa “começou a falar do estado do país no geral, da incompetência do governo, de Protopopov e da imperatriz. Fez referência ao nome desta última e começou a ficar cada vez mais entusiasmada, falando da sua influência nefasta e na interferência que tinha em tudo e disse que estava a destruir o país, que era a causa do perigo que ameaçava o imperador e o resto da família imperial, que estas condições já não eram toleráveis, que algo tinha de mudar, algo tinha de ser feito, retirado, destruído…”

Desejando compreender melhor o que ela queria dizer, Rodzianko perguntou: “O que quer dizer com ‘removido’?”

“A Duma tem de fazer alguma coisa. Ela tem de ser aniquilada.”

“Quem?”

“A imperatriz.”

“Vossa Alteza”, disse Rodzianko, “permita-me que finja que esta conversa nunca aconteceu, porque se a senhora se está a dirigir a mim na qualidade de presidente da Duma, o meu juramento de lealdade obriga-me a que vá falar imediatamente com Sua Mjestade Imperial para o informar de que a grã-duquesa Maria Pavlovna me acabou de dizer que a imperatriz deve ser aniquilada.”

Maria Pavlovna
Durante várias semanas, o golpe dos grão-duques foi o assunto mais falado em Petrogrado. Toda a gente sabia os seus detalhes: quatro regimentos da guarda imperial iriam entrar em Czarskoe Selo de noite e capturar a família imperial. A imperatriz seria presa num convento – o método russo clássico para se livrar de imperatrizes indesejadas – e o czar seria forçado a abdicar a favor do seu filho, tendo o grão-duque Nicolau como regente. Ninguém, nem sequer a polícia secreta que tinha reunido todos os pormenores, levou os grão-duques a sério. “Ontem à noite”, escreveu Paléologue a 9 de Janeiro, “o príncipe Gabriel Constantinovich organizou um jantar em honra da sua amante que já foi actriz. Entre os convidados encontravam-se o grão-duque Boris (…), alguns oficiais e um esquadrão de cortesãos elegantes. Durante a refeição só se falou da conspiração – dos regimentos da guarda imperial nos quais se pode confiar, no momento mais favorável para a revolta, etc. E tudo isto aconteceu enquanto os criados de movimentavam de um lado para o outro, prostitutas a olhar e a ouvir, ciganos a cantar e todos os convidados a beber Moet e Chandon brut imperial que era servido com abundância.”

Nicolau e Alexei nas celebrações do centenário da Dinastia Romanov

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O Último Inverno em Czarskoe Selo - Robert K. Massie (Parte 2

Alexandra, Tatiana e Alexei em Czarskoe Selo
A morte de Rasputine abalou Alexandra, mas, agarrando-se à mesma crença interior que a iria manter viva durante os meses impiedosos que se seguiriam, não se deixou ir abaixo. Rasputine tinha-lhe dito muitas vezes: “Se eu morrer ou tu me abandonares, vais perder o teu filho e a tua coroa em seis meses”. A imperatriz nunca tinha duvidado dele. A morte de Rasputine retirou-lhe o salvador do seu filho e a sua ligação com Deus. Sem as suas rezas e conselhos, qualquer desastre era possível. O facto de o golpe ter partido de dentro da família imperial não a surpreendeu. Sabia o que pensavam e compreendia que tinha sido ela o verdadeiro alvo dos assassinos.


Alexandra com Dmitri Pavlovich, um dos assassinos de Rasputine
Após o assassinato, passou vários dias sentada em silêncio, com o rosto coberto de lágrimas, a olhar para o infinito. Depois recompôs-se e a cara que mostrava, até aqueles que viviam no palácio, era calma e decidida. Embora Deus lhe tivesse tirado o seu querido amigo, ela ainda estava viva. Enquanto ainda lhe restasse vida, iria perseverar na sua fé em Deus, na sua dedicação ao marido e à família, na sua resolução, encerrada agora com o martírio de Gregório, de manter a autocracia que Deus tinha dado à Rússia. Sentindo a mesma premonição de condenação na Terra que o seu marido sentia, preparou-se para os choques que estavam para vir. Desde aí e durante os meses de vida que lhe restavam, Alexandra nunca esmoreceu.

Foi a imperatriz quem assumiu o controlo. Desde o dia do assassinato que a caixa de correio de Anna Vyrubova se tinha enchido de cartas ameaçadoras. Por ordem da imperatriz, Anna mudou-se da sua pequena casa para aposentos no Palácio de Alexandra para sua segurança. Apesar de o czar viver no palácio, era a imperatriz que tinha mais influência nos assuntos políticos. O telefone mais importante do palácio não estava na secretária do czar, mas sim numa mesa do boudoir da imperatriz, debaixo de um quadro de Maria Antonieta. Os relatórios de Popov eram entregues tanto a Nicolau como a Alexandra, dependendo de quem estivesse disponível, às vezes eram até lidos pelos dois ao mesmo tempo. Além do mais, e com o conhecimento do marido, a imperatriz começou a ouvir as conversas oficiais do czar atrás das portas. Kokovtsov sentiu que algo parecido se estava a passar quando estava numa reunião com o czar: “Tive a sensação que a porta que dava acesso ao quarto-de-vestir do czar estava meia aberta, algo que nunca tinha acontecido antes, e que alguém estava de pé mesmo atrás dela,” escreveu ele. “Pode ter sido apenas impressão minha, mas foi uma sensação que permaneceu ao longo de toda a reunião”. Não foi apenas uma impressão, foi um estratagema temporário. Pouco depois, para maior conveniência, a imperatriz mandou construir uma escadaria de madeira que cortava pelas paredes do escritório e dava acesso a uma varanda com vista para a sala de reuniões do czar. Lá, escondida pelas cortinas, a imperatriz podia deitar-se num sofá e ouvir as conversas.

Alexandra com Nicolau e Alexei em 1916
A morte de Rasputine não mudou nada na forma como o governo era dirigido. Os ministros eram escolhidos e dispensados. Tropov, que tinha substituído Stumer como primeiro-ministro em Novembro, teve permissão para se despedir em Janeiro para ser substituído pelo príncipe Nicolau Golitsyn, um homem idoso que a imperatriz conhecia por ter sido presidente de uma das suas obras de caridade. Golitsyn ficou horrorizado com a sua nomeação e implorou ao czar que escolhesse outra pessoa, mas sem sucesso. “Se alguém tivesse usado a linguagem que eu usei para me descrever, tinha sido obrigado a desafia-lo para um duelo,” disse ele.

Nicolau e Alexandra
Fazia pouca diferença. O único ministro em quem Alexandra confiava completamente era Protopopov. O resto tinha pouca importância e Protopopov raramente se dava ao trabalho de estar presente em reuniões com os restantes ministros. Rodzianko até se recusava a falar com ele. Na recepção de ano novo, o presidente da Duma tentou evitar encontrar-se com o seu antigo deputado. “Reparei que ele me andava a seguir (…) por isso fui para outra parte da sala e fiquei de costas voltadas para ele. Apesar de tudo (…) Protopopov estendeu-me a mão. Respondi-lhe: ‘Nem aqui, nem nunca’. Protopopov (…) agarrou-me de forma amigável pelo cotovelo e disse: ‘Meu querido amigo, de certeza que conseguimos chegar a acordo.’ Tive nojo dele. ‘Deixe-me em paz. Para mim, o senhor é repelente.’”

Protopopov
Tal como Rasputine, o ministro do interior dependia unicamente do favor da imperatriz e, por isso, apressou-se a seguir as suas tendências espirituais. Tal como o monge tinha o costume de fazer, Protopopov telefonava para o palácio todos os dias às dez da manhã para falar quer com a imperatriz quer com Anna Vyrubova. Dizia que, por vezes, o espirito de Rasputine lhe aparecia à noite, que sentia a sua presença e ouvia a sua voz que lhe dava conselhos. Corria uma história por Petrogrado que dizia que Protopopov tinha caído de joelhos a mio de uma reunião com a imperatriz, dizendo-lhe: “Oh, Majestade, vejo Cristo atrás de si!”

Alexandra e Alexei
Apesar de imperatriz estar decidida, não gostava do seu trabalho. Todas as quintas-feiras, uma orquestra romena dava um concerto na sala de convívio do palácio. A cadeira da imperatriz era sempre colocada perto da lareira acesa e ela ficava sentada, absorvida pela música, a olhar para as chamas. Numa dessas noites, apenas duas semanas antes da Revolução, uma das suas amigas, Lili Dehn, sentou-se numa cadeira atrás dela. “A imperatriz parecia anormalmente triste”, escreveu, “sussurrei-lhe ao ouvido, preocupada: ‘Madame, porque está tão triste hoje?’ A imperatriz virou-se e olhou para mim (…) ‘Porque estou triste, Lili? (…) não sei porquê, mas (…) acho que tenho o coração partido.’”

Alexandra com Lili Dehn
Um visitante britânico que esteve com a imperatriz durante estas semanas ficou impressionado com o seu ar triste e resignado. Era o general Sir Henry Wilson, que visitou a Rússia durante uma missão dos Aliados, e tinha conhecido Alexandra quando ela ainda era uma criança em Darmstadt. Agora, “ao ser levado por uma longa passagem até ao boudoir da imperatriz – uma sala cheia de fotografias e bric-a-brac (…)” ele recordou-a “dos nossos jogos de ténis, nos bons velhos tempos em Darmstadt há trinta e seis anos (…) Ficou tão encantada com as recordações e relembrou-me nomes dos quais me tinha esquecido. Depois disso foi fácil. Disse que a sua família estava numa situação mais complicada do que a maioria porque tinham familiares e amigos na Inglaterra, Rússia e Alemanha. Falou-me das suas experiências e os seus olhos encheram-se de lágrimas. Tinha um rosto bonito, mas muito, muito triste. É alta e graciosa, divide o cabelo a meio de forma simples e tem uma boa postura. O cabelo tem manchas cinzentas. Quando disse que a ia deixar em paz, já que ela devia estar cansada de ver estranhos e de fazer conversa, ela quase se riu e disse para ficar mais um pouco.”

Alexandra
Wilson ficou comovido com esta conversa. “Quanta tragédia há naquela vida”, escreveu ele. Apesar de tudo, quando deixou a Rússia uma semana depois, acrescentou: “Parece-me certo que o imperador e a imperatriz estão prestes a cair num precipício. Toda a gente – oficiais, mercadores, damas – fala abertamente da absoluta necessidade de se livrarem deles.”

Alexandra
Texto retirado do livro "Nicholas and Alexandra" de Robert K. Massie

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O Último Inverno em Czarskoe Selo - Robert K. Massie (Parte 1)

Alexandra, Tatiana e Anastásia em 1916
Durante as semanas sombrias de inverno que se seguiram ao assassinato de Rasputine, o czar de Todas as Rússias sofreu algo semelhante a um esgotamento nervoso. Fatigado, desejando apenas tranquilidade e descanso, ficou fechado em Czarskoe Selo. Lá, no seio da sua família, rodeado por um círculo familiar muito reduzido, vivia calmamente, evitando decisões que afectavam ministros, munições, os seus milhões de soldados e dezenas de milhares de súbditos. Rodzianko, que o via duas vezes por dia durante este período, recordou uma reunião durante a qual Nicolau se levantou e foi até à janela. “Como a floresta estava bonita hoje,” disse ele, olhando para o lado de fora. “É tudo tão calmo lá. Uma pessoa esquece todas estas intrigas e a agitação humana insignificante. A minha alma sentiu-se tão em paz. Lá uma pessoa está mais próxima da Natureza, mais próxima de Deus.”

Nicolau II em 1916
Nicolau passava o dia inteiro nos seus aposentos privados. Transformou a sua sala de jogos numa sala de mapas e ficava lá, atrás de uma porta guardada por um etíope imóvel, durante horas, debruçado sobre mapas enormes dos campos de batalha que espalhava nas mesas de bilhar. Quando saía da sala, trancava cuidadosamente a porta e punha a chave no bolso. À noite fazia companhia à sua esposa e a Anna Vyrubova no boudoir da imperatriz e lia em voz alta. Os seus discursos públicos eram muito vagos. Enviou um manifesto ao exército que, apesar de ter sido escrito para ele pelo general Gurko, estava recheado do sonho patriótico do imperador:  “O tempo de paz ainda não chegou (…) a Rússia ainda não cumpriu os objectivos que esta guerra lhe atribuiu (…) a posse de Constantinopla (…) a restituição da liberdade da Polónia. A nossa confiança na vitória continua inabalável. Deus abençoará as nossas armas. Irá cobri-las de feitos gloriosos. Oh, minhas tropas gloriosas, uma paz tão segura que as futuras gerações irão abençoar a vossa memória sagrada!” Paléologue, ao ler o manifesto, e questionando-se sobre o seu significado, chegou à conclusão de que “só pode ser (…) uma espécie de testamento político, uma proclamação final de uma visão gloriosa que ele tinha para a Rússia que agora vê desvanecer-se.”

Nicolau II a inspeccionar tropas em 1916
Os visitantes ficavam chocados com o aspecto do czar; havia rumores de que Alexandra lhe dava drogas. No ano novo russo, os corpos diplomáticos foram a Czarskoe Selo para a recepção anual. Nicolau apareceu, rodeado dos seus generais e ajudantes-de-campo, para trocar apertos de mão, sorrisos e felicitações. “Como sempre”, escreveu Paléologue, “Nicolau II foi gentil e natural e até transmitiu um certo ar de despreocupação, mas o seu rosto magro e pálido traiu-o e mostrava o que lhe ia na cabeça.” Uma reunião privada com o imperador deixou o embaixador francês desanimado. “As palavras do imperador, os seus silêncios e reticências, as suas expressões graves e indecisas, os pensamentos furtivos e distantes e a sua personalidade vaga e enigmática confirmaram a minha ideia (…) de que Nicolau II se sente oprimido e dominado por estes acontecimentos, que perdeu toda a fé na sua missão (…) que abdicou interiormente e que se resignou ao desastre.”


Nicolau deixou uma impressão semelhante em Vladimir Kokovtsov, o antigo primeiro-ministro. Kokovtsov sempre tinha admirado a capacidade de Nicolau compreender rapidamente qualquer assunto e a sua excelente memória. Ao entrar no escritório do czar em Fevereiro, Kokovtsov ficou profundamente alarmado pela mudança do seu soberano: “Durante o ano em que não o tinha visto, ficou quase irreconhecível. O seu rosto tornou-se muito magro e oco e ficou coberto de pequenas rugas. Os seus olhos (…) tornaram-se bastante apagados e vagueavam de objecto para objecto (…) As parte branca tinha um tom amarelado e as retinas negras tinham-se tornado incolores, cinzentas e sem vida (…) O rosto do czar tinha uma expressão de desamparo. Um sorriso forçado e triste formava-se nos seus lábios e ele repetia-se várias vezes: “Estou muito bem e saudável, mas passo muito tempo sem fazer exercício e estou habituado a estar muito activo. Repito-lhe, Vladimir Nikolaevich, estou perfeitamente bem. Já não me via há um tempo e provavelmente não passei bem a noite. Daqui a pouco vou dar uma volta e vou ter melhor aspecto.’”


Ao longo do encontro, Kokovtsov prosseguiu: “ o czar ouviu-me com o mesmo sorriso doente, olhando nervosamente à sua volta.” Quando lhe fez uma pergunta “que, a mim, me parecia perfeitamente simples (…) o czar ficou num estado incompreensível de desamparo. O estranho e quase vazio sorriso ficou fixo no seu rosto, olhou para mim como se procurasse ajuda e pediu-me que o lembrasse de um assunto do qual se tinha esquecido completamente. (…) Ficou a olhar para mim durante muito tempo em silêncio, como se estivesse a organizar os seus pensamentos ou a tentar lembrar-se do que se tinha esquecido.”



Kokovtsov deixou o escritório lavado em lágrimas. Do lado de fora encontrou-se com o Dr. Botkin e o conde Paul Benckendorff, grande marechal da corte. “Não vê o estado do czar?” Perguntou ele. “Está prestes a sofrer algum distúrbio mental, se é que ainda não o sofre.” Tanto Botkin como Benckendorff afirmaram que Nicolau não estava doente, apenas cansado. Apesar de tudo Kokovtsov regressou a São Petersburgo com a impressão de que “o czar está seriamente doente e a doença é nervosa.”



O Nascimento da Grã-Duquesa Maria - Margaret Eager

Olga Nikolaevna com a tia Olga Alexandrovna em 1899

Um dia, na altura da Páscoa, fomos dar um passeio pela avenida de Nevski e a pequena grã-duquesa Olga não se estava a portar bem. Eu tentava falar com ela, tentando fazer com que se sentasse quieta quando, inesperadamente, ela me obedeceu, colocando as mãos muito educadamente no colo. Alguns segundos depois perguntou-me: “Viu aquele polícia?”. Respondi-lhe que isso não era nada de extraordinário e que o polícia não lhe ia fazer nada. Ela respondeu: “mas este estava a escrever alguma coisa, tive medo que estivesse a escrever que tinha visto a Olga e que ela se estava a portar muito mal.” Expliquei-lhe que isso era muito improvável e ela relembrou-me, de forma bastante indignada, que um dia, algum tempo antes, tinha visto uma mulher bêbada a ser presa na rua e que me tinha pedido para ir dizer ao polícia para não a magoar, e eu tinha-me “recusado a interferir e dito que a mulher se tinha portado muito mal e que o polícia tinha toda a razão por a estar a levar” . Nesta altura expliquei-lhe que uma pessoa tinha de ser bastante crescida e portar-se muito mal antes de a polícia levar alguém para a prisão. Quando voltamos a casa, ela perguntou a toda a gente se algum polícia tinha passado pelo palácio e perguntado por ela enquanto estivemos fora. Quando foi visitar os pais nessa tarde, contou tudo o que tinha acontecido ao pai, dizendo-lhe que eu lhe tinha dito que era bastante provável viver uma vida inteira sem ir para a prisão. Depois perguntou ao pai se ele alguma vez tinha estado preso e o imperador respondeu que nunca se tinha portado mal o suficiente para ir para a prisão, ao que ela respondeu: “Ah, então também te deves ter portado muito bem”. 

Olga em 1899
Ficamos cerca de dois dias em São Petersburgo e depois regressamos a Czarskoe Selo. A primavera chega tão rapidamente na Rússia que quando regressamos, as paisagens já estavam verdes e magníficas, os pássaros já estavam a cantar e tudo estava lindo com a chegada da primavera.

A esposa do czar Alexandre II adorava primaveras. Importava-as da Alemanha e plantava-as no parque de Czarskoe Selo. Deram-se muito bem e agora qualquer as encontra até em Peterhoff, que fica cerca de cinquenta quilómetros de São Petersburgo.

Maria Alexandrovna
Ficamos em Czarskoe Selo até ao início de Maio, quando nos mudamos para Peterhoff, a residência de verão no Golfo da Finlândia. Lá existem várias residências imperiais e o grande palácio é usado para cerimónias de estado. O parque é limitado pelo calmo Báltico de um lado. No horizonte vê-se a cidade de Kronstadt, rodeada pelos seus fortes. Há uma pequena igreja inglesa onde vive um capelão durante o verão que trabalha com os marinheiros. Kronstadt é o segundo lugar mais seguro do mundo e, até muito recentemente, era considerado impenetrável por causa do gelo. Contudo, a quebra do gelo mudou tudo. O lugar mais seguro do mundo é, claro, Gilbraltar.

As pequenas grã-duquesas começaram a ir regularmente à igreja desde bebés. Foi durante este ano que a grã-duquesa Olga começou a compreender o que lá se dizia. Chegou a casa um dia e disse-me: “o padre rezou pela mamã e pelo papá, pela Tatiana e por mim, pelos soldados, pelos marinheiros, os pobres doentes, as maçãs e as pêras e por Madame G.” Contestei quando falou desta última e ela respondeu-me: “Mas eu ouvi-o dizer ‘Maria Feodorovna’!” Então disse-lhe que se calhar se estava a referir à avó dela, mas ela protestou: “Não! A avó chama-se Amama [avó em dinamarquês], ou Sua Majestade, mas não se chama Maria Feodorovna.” Disse-lhe: “Também se chama Maria Feodorovna”, mas ela não aceitou: “ninguém tem mais de dois nomes e tenho a certeza que a Madame G. ia ficar muito contente se soubesse que os padres rezam sempre por ela na igreja.”

Olga Nikolaevna com a avó Maria Feodorovna
Foi em Peterhoff, durante o quente mês de Junho, que nasceu a pequena grã-duquesa Maria. Penso muitas vezes que ela já nasceu boa, com o mínimo sinal do pecado original. O grão-duque Vladimir costumava chamar-lhe “o bebé amigável”, por ela ser tão boa e estar sempre a sorrir e alegre. É uma criança muito bonita e amorosa, com grandes olhos azuis-escuros e as sobrancelhas negras da família Romanov. Há pouco tempo, um cavalheiro ao falar dela disse que tinha o rosto de um anjo de Botticelli. Mas por muito boa e gentil que seja, também é muito humana, como as seguintes histórias vão mostrar. Um dia, quando ela ainda era muito pequena, estava no boudoir da imperatriz onde o imperador e a imperatriz estavam a tomar chá. A imperatriz tinha umas wafers pequenas com sabor a baunilha que se chamavam Biblichen, das quais as crianças gostavam muito, mas não tinham permissão para pedir nada enquanto estivessem na mesa. A imperatriz mandou-me chamar e quando cheguei a pequena Maria estava de pé, no meio da sala, com os olhos lavados em lágrimas e a engolir alguma coisa apressadamente. “Pronto! Comi tudo!”, disse ela, “Agora já não as podem comer!” Fiquei muito admirada e sugeri logo que se mandasse a criança para cama de castigo. A imperatriz disse: “Muito bem, leve-a”, mas o imperador interrompeu-a e pediu que a deixássemos ficar, dizendo: “Já estava com medo que lhe começassem a crescer as asas, ainda bem que ela é só uma criança humana.” Servia muitas vezes de exemplo para as suas irmãs mais velhas que declararam que ela era uma meia-irmã. Disse-lhes em vão que, nos contos de fadas, eram as irmãs mais velhas que eram as meias-irmãs e que a terceira é que era a irmã verdadeira. Elas não me ouviam e excluíam-na de todas as suas brincadeiras. Disse-lhes que ela não ia aguentar aquele comportamento para sempre e que, um dia, elas seriam castigadas. Um dia, as duas mais velhas fizeram uma casa com cadeiras numa ponta do berçário e não deixaram entrar a pobre Maria, dizendo-lhe que ela podia fazer de mordomo, mas que, para isso, tinha de ficar do lado de fora. Fiz outra casa do outro lado e ela brincou lá. De repente, a Maria correu para o outro lado do quarto, foi até à casa das irmãs, deu um estalo na cara a cada uma delas e foi para o quarto ao lado, voltando vestida com o manto de uma boneca e um chapéu e as mãos cheias de brinquedos pequenos. “Não vou ser o mordomo, vou ser a tia boa e gentil que dá brinquedos!”, disse ela. Depois distribuiu os brinquedos, beijou as suas “sobrinhas” e sentou-se. As irmãs dela olharam uma para a outra envergonhadas e depois a Tatiana disse: “Fomos tão más para a pobre Maria e ela não resistiu a bater-nos.” Aprenderam a lição e a partir daí passaram a dar-lhe os direitos de família que ela merecia.

Maria Nikolaevna
Desde muito cedo que o amor pelo pai era muito visível. Quando ainda mal conseguia andar, a Maria tentava sempre fugir do berçário para ir ter com o papá e sempre que o via no jardim ou no parque, chamava-o. Se ele a ouvisse ou visse, esperava sempre por ela para a poder levar um pouco ao colo.

Quando ele esteve doente na Crimeia, sofreu muito por não o poder ver. Tinha de trancar a porta do berçário, senão ela fugia para o corredor e incomodava-o com os seus esforços para chegar até ele. Todas as noites, depois do chá, sentava-se no chão, mesmo encostada à porta do berçário, a ouvir os sons que podiam vir do quarto. Se ouvisse a voz dele por acaso, esticava os braços e começava a chamar pelo pai e a sua alegria quando o pôde ver foi enorme. Quando a imperatriz foi visitar as crianças na primeira noite depois de ter sido diagnosticada a febre tifóide, estava a usar um broche que tinha um retracto em miniatura do imperador. No meio de lágrimas e soluços, a pequena Maria reparou nele. Subiu para o colo da mãe e cobriu a fotografia de beijos, recusando-se a ir para a cama durante todas as noites em que a doença durou sem beijar esta miniatura.

Maria Nikolaevna com a mãe Alexandra
Texto retirado do livro "Six Years at the Russian Court" de Margaret Eager