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quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Helena Pavlovna: Um Sacrifício Inútil? - Segunda Parte

Helena Pavlovna
A grã-duquesa Helena estava a criar um salão no Palácio de Mikhail em São Petersburgo e nos palácios de verão do marido, semelhante aos que tinha conhecido em Paris na sua juventude, atraindo para junto de si as pessoas mais criativas e interessantes da Rússia. Ela era uma das senhoras com a posição mais elevada no país e a sociedade não gostava do facto de o dinheiro e a posição não serem critérios importantes para entrar no circulo da grã-duquesa. Apenas eram convidadas as pessoas mais inteligentes, artistas e músicos e a censura rígida importa pelo seu cunhado Nicolau I também não tinha permissão para entrar na sua porta. Gogol, Pushkin e Turgenev foram alguns dos escritores apoiados por Helena e sabiam que podiam expressar qualquer ideia na casa dela sem medo de represálias e com uma audiência atenta e ansiosa por ouvi-los.

Helena Pavlovna com a sua filha mais velha, Maria
À medida que a confiança de Helena foi aumentando, foi-se dedicando cada vez mais às pessoas que precisavam de ajuda. Tornou-se uma grande amiga dos dois filhos mais velhos do czar, Alexandre e Constantino, e apresentou-lhes novas ideias que eles nunca poderiam ouvir em casa. Quando a princesa Maria de Hesse-Darmstadt, a noiva do czarevich Alexandre Nikolaevich, chegou à Rússia muito tímida, infeliz e com apenas quinze anos, Helena, que compreendia perfeitamente o que significava ser uma estranha na corte, tornou-se rapidamente sua amiga. Helena tinha um carinho especial pelo segundo filho do czar, o grão-duque Constantino Nikolaevich e, quando chegou a altura de ele se casar, foi ela que sugeriu a princesa Alexandra de Saxe-Altemburgo, uma prima sua do lado da mãe, para sua noiva. Os dois acabariam mesmo por se casar e a princesa Alexandra adoptou o nome de grã-duquesa Alexandra Iosifovna quando se converteu à Igreja Ortodoxa.

Helena Pavlovna
Mas, apesar de estar a ganhar cada vez mais confiança, Helena também sofreu muitas tristezas durante estes anos. No início de 1844, a sua filha Isabel Mikhailovna casou-se com o enteado da sua irmã Paulina, o duque Adolfo de Nassau. Isabel morreu um ano depois, depois de dar à luz um bebé que também não sobreviveu. No ano seguinte, o estado de saúde da sua filha mais velha também começou a deteriorar-se. A grã-duquesa Maria Mikhailovna nunca tinha tido uma constituição forte. Estava em Viena quando chegou o seu fim e parece que o pai estava com ela, uma vez que foi ele que deu a notícia à família. Nas cartas que o grão-duque trocou com a família, apenas de fala da dor que ele sentia por ter perdido duas das suas filhas. Não existe qualquer referência a Helena. Este facto pode reflectir apenas o antigo laço que existia dentro da "Triopatia" ou pode mostrar grandes divisões dentro da família de Miguel. No verão de 1849, o grão-duque Miguel estava a participar em manobras do exército em Varsóvia quando sofreu uma apoplexia. Morreu na Polónia alguns meses depois e, mais uma vez, nem a grã-duquesa Ana nem o czar Nicolau I fizeram qualquer referência à sua cunhada.

A grã-duquesa Maria Mikhailovna
Independentemente do que tivesse sentido com a morte do marido, o estatuto de viúva deu mais independência a Helena. Deixou de comemorar a Páscoa na corte e passou a preferir estar no seu próprio palácio com a sua única filha ainda viva, a grã-duquesa Catarina Mikhailovna. A partir desse momento, passou a lidar com a família imperial nos seus próprios termos. Catarina casou-se com o duque Jorge de Mecklemburgo-Schwerin em 1851, mas ele gostava da Rússia e não se importava que a sua esposa passasse grande parte do ano com a mãe. A família rodeava-se de pessoas interessantes. em 1848, o músico Anton Rubinstein foi a São Petersburgo e ficou alojado no Palácio de Mikhail. Com a sua ajuda, Helena criou o que se viria a tornar, no futuro, o Conservatório de São Petersburgo. Cinco anos depois, convidou a princesa Kurakin para ser sua dama-de-companhia. A princesa tinha passado catorze anos fora da Rússia, tinha assistido à Revolução de 1848 em Paris e trazia consigo novas ideias para a casa.


Helena Pavlovna
A educação das mulheres era um dos maiores interesses de Helena que costumava perguntar aos filhos da princesa Kurakin sobre os seus estudos em Paris. Enviou também a antiga governanta da sua filha, Mademoiselle Troubat a França para que ela observasse como era a educação no país e para reportar os desenvolvimentos que tinha visto. Helena sonhava em melhorar os padrões de educação de todas as mulheres russas, um sonho que partilhava com a jovem czarevna Maria Alexandrovna. A sociedade não via com bons olhos a amizade entre a grã-duquesa e a nova geração de Romanovs: ela gostava demasiado de reforma e as suas ambições iam muito além das salas de aula.


Helena Pavlovna
Sob a protecção de Helena, os intelectuais russos tinham a liberdade de expressar o seu descontentamento cada vez maior com o sistema de propriedade fundiária que fazia com que um homem se tornasse propriedade de outro. O trabalho controverso de Samarin sobre a abolição da servidão foi lido e discutido na sala-de-visitas do Palácio de Mikhail, e Helena ficou de tal forma comovida que pediu permissão ao czar para libertar os servos que tinha herdado do marido. Nicolau I recusou. Mesmo assim, Helena começou a gerir as propriedades com linhas de orientação mais humanitárias que horrorizaram o governador provincial, que se queixou que se iria perder toda a disciplina.


Este tipo de preocupações ficou para trás quando rebentou a Guerra da Crimeia. Helena não se juntou ao coro de vozes que criticavam o czar e colocou de lado o amor que sentia pela França. Organizou uma sociedade de recolha de fundos privada para ajudar os feridos e criou uma ordem de enfermeiras, apesar das fortes criticas por parte da hierarquia militar. O czar confiou nela e deu-lhe o que ela queria, tendo concordado com o pedido dela para a criação de uma comissão no exército para Pirogov, um dos mais respeitados cirurgiões da época. A ordem de enfermeiras de Helena tornou-se a precursora da Cruz Vermelha na Rússia, e o seu interesse pela área médica e cientifica aumentou.


Com a morte de Nicolau I, o novo reinado deu-lhe a oportunidade de levar a cabo mudanças políticas efectivas. Finalmente conseguiu libertar os servos nas suas propriedades de Poltava e os seus salões passaram a dedicar-se completamente à causa da abolição. A grã-duquesa conhecia Alexandre II desde que ele era apenas uma criança e agora encorajava-o nos seus planos para a reforma do país apoiada também pelo grão-duque Constantino Nikolaevich e pela sua amiga, a nova czarina Maria Alexandrovna. Os quatro faziam uma equipa extraordinária. Sozinho, Alexandre poderia nunca ter tido a força para levar a cabo as políticas mais exigentes, mas quando os ministros conservadores de Alexandre estavam prestes a vencê-lo, Helena apresentou o sobrinho de Kisselev, Nikolai Milutin, a Maria Alexandrovna e conseguiu colocá-lo no comité que estava a trabalhar na libertação. Com Milutin e Constantino a seu lado, Alexandre conseguiu levar a reforma até ao fim. A abolição da servidão, que se tornou lei a 3 de Março de 1861, foi a grande feito do reinado de Alexandre II, mas é possível que ele nunca o tivesse conseguido sem a ajuda do irmão, da esposa e da tia. A oposição era feroz. Helena dava de tal forma importância à sua amizade com Milutin que as pessoas que estavam dispostas a tudo para travar a emancipação tentaram destruí-la, espalhando rumores que os dois partilhavam mais do que amizade e interesse por política. Helena ignorou-os.

Constantino Nikolaevich
O mundo que Helena criou depois da sua experiência de casamento horrível era um mundo de mulheres. A sua vida era dedicada à sua filha e às suas criadas. Interessava-se sinceramente pelas suas vidas e ideias e era sempre gentil com os seus filhos. A sua mão direita era a sua dama-de-companhia, a baronesa Editha von Rahden, que partilhava as suas preocupações, a mantinha informada e tratava da correspondência. A baronesa era encantadora, entusiasmada, inteligente e muito gentil. Tinha tempo para todos, embora a sociedade a olhasse um pouco de lado por levar a etiqueta demasiado a sério. Dizia-se que as vénias dela eram mais fundas do que as de qualquer outra pessoa. Os homens só podiam entrar neste circulo encantador se fossem convidados. Helena mantinha uma certa distância à sua volta que desencorajava informalidades. No seu diário, Kisselev descreveu-a como "uma mulher de grande inteligência e com um coração de ouro. Não dava a sua amizade facilmente, mas, quando o fazia, era inabalável como uma rocha (...) nunca faz conversa de circunstância, só tem conversas profundas. Todos os que a conhecem fica admirado com a vastidão da sua sabedoria".

Helena Pavlovna
O salão no Palácio de Mikhailov era o local mais procurado na época e ainda não era possível comprar a entrada, algo que não era bem visto. As noites de quinta-feira eram dedicadas a encontros entre artistas e cientistas; noutros dias organizavam-se jogos de debates ou festas, e havia sempre música. Ocasionalmente, Helena encomendava traduções de livros. Alexandre II não perdeu uma única leitura das memórias da baronesa Oberkirchen, que tinha acompanhado os seus avós a Versalhes na época de Maria Antonieta. Constantino Nikolaevich também aparecia com frequência. Havia ainda muito que não tinham perdoado Helena e Constantino pelo papel que tinham desempenhado na libertação dos servos e começaram a espalhar rumores de que os dois tinham planos para roubar o trono a Alexandre. Em tempos mais dourados, os rumores eram ignorados, mas deixaram sempre uma sombra sobre tia e sobrinho que nunca desapareceu completamente.

Alexandre II
Na primavera de 1862, Helena encontrou uma nova função para o Palácio de Mikhail. Os revolucionários tinham incendiado vastas zonas da cidade, tendo causado dezenas de mortos, feridos e desalojados. A princesa transformou metade do palácio numa cantina e outras pessoas seguiram-lhe o exemplo. Era típico de Helena ter uma abordagem prática quando ocorriam tragédias nacionais, e também quando havia tragédias mais particulares.Quando uma das damas da sua filha, uma jovem princesa Kurakin, entrou em depressão devido à morte do irmão, Helena colocou-a à frente de lar para senhoras idosas que ela tinha acabado de abrir. Depois, trabalhou ao lado da jovem, ajudou-a a lidar com os problemas do dia-a-dia, e a aprender mais sobre ela própria no processo. Também oferecia a sua ajuda sem problema a pessoas que não conhecia: sem publicidade nem alarido, pagou pensões a vários artistas e músicos em quem reparava, para que eles pudessem continuar o seu trabalho.


Catarina Mikhailovna, filha de Helena Pavlovna, com o seu marido, Jorge de Mecklemburgo-Strelitz com os seus dois filhos mais velhos: Helena e Jorge
À medida que o tempo ia passando, Helena começou a passar cada vez mais tempo a viajar pela Europa, e, em 1863, encontrou um novo interesse. Durante uma visita à sua irmã Paulina, conheceu a princesa Isabel de Wied, a neta por afinidade da sua irmã, que na altura tinha dezanove anos de idade. Isabel era uma jovem que tinha os horizontes mais largos do que outras da sua idade: era inteligente e artística, profundamente emocional e extremamente ligada à sua casa. Helena perguntou se podia levar a princesa consigo nas suas viagens, e a família dela ficou encantada. Nesse outono, Helena viajou com ela até ao Lago Lemano e as duas ficaram alojadas no Hotel Beaurivage em Ouchy. Isabel ficou eternamente grata pela simpatia da grã-duquesa. "Gosto cada vez mais da minha tia", escreveu ela à sua mãe. "Fico feliz por poder estar ao pé dela e, quando ela sai, estou sempre a pensar nela".

Isabel de Wied
Juntas, continuaram a viagem até São Petersburgo para o inverno. A família imperial recebeu-a com alegria e Helena certificou-se de que a sua protegida aproveitava bem o tempo. "O dia dela está preenchido com música, leitura, estudo de russo e com o tempo que ela passa comigo", a grã-duquesa contou à princesa de Wied, "Também a tenho incentivado a ter sempre um bom livro à mão. Para aumentar o interesse dela e incentivá-la a trabalhar sozinha, aconselhei-a a transcrever passagens e a comentá-las e depois enviá-las para ti. Quer estejamos aqui ou em qualquer outro lugar do mundo, não nos podemos esquecer que vamos deteriorando se não tentarmos fugir da frivolidade que afecta este mundo através do pensamento e da leitura". Isabel teve aulas de piano com Anton Rubinstein e Clara Schumann. Às segundas-feiras à noite, ia à opera com Helena, às quintas-feiras lia-se Shakespeare e os jantares dançantes concluíam a semana. O palácio enchia-se de música maravilhosa. Depois, quando Isabel adoeceu, Helena cuidou dela, com a ajuda da sua filha Catarina e da baronesa Rahden. O príncipe de Wied morreu enquanto Isabel estava doente, mas ela decidiu ficar na Rússia até ao verão seguinte, quando Helena a levou de volta para casa.

Isabel de Wied
Durante os três anos seguintes, Isabel acompanhou a sua tia-avó sempre que ela viajou pela Europa. Quer a grã-duquesa esteve a jogar jogos com o general Moltke em Ragaz, a organizar encontros intelectuais em Carlsbad ou a visitar a Grande Exposição em Paris, Isabel estava sempre ao seu lado. Foi em Ragaz, em 1866, que a jovem princesa ficou a saber que estavam a decorrer negociações para o seu casamento com o príncipe Carlos de Hohenzollern-Sigmaringen, que, um dia, se tornaria rei da Roménia e seu marido.

Isabel de Wied, Carlos da Roménia e a sua única filha, Maria
Os últimos anos de Helena foram ocupados com a sua filha, os seus três netos de Mecklemburgo e os seus interesses. A sua ordem de enfermeiras estava a florescer e ela já tinha aberto um hospital, mas mesmo assim sentia que não era suficiente- Sonhava com a criação de uma instituição médica maior e fez planos para isso. Embora não tenha vivido para ver esses planos concretizarem-se, o Instituto da Grã-Duquesa Helena Pavlovna formou alguns dos melhores médicos da Rússia e manteve o seu nome vivo até à Revolução Russa. Helena evoluiu muito desde a jovem infeliz de dezassete anos que tinha perdido o gosto de viver. Alguns dizem que ela era convencida, mas são poucos. Tornou-se importante para o seu país graças, em grande parte, aos seus próprios esforços e as agonias do passado dissiparam-se, tornando-se apenas em histórias que contava à lareira para encorajar as jovens mais novas quando as suas vidas pareciam vazias e sem esperança.

Helena Pavlovna
Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Helena Pavlovna: Um Sacrifício Inútil? - Primeira Parte

Helena Pavlovna, nascida princesa Carlota de Wuttemberg
Um dia, nos primeiros anos do século XIX, estava uma jovem sentada à janela no Palácio de Inverno. Entre lágrimas, olhava as águas cinzentas e agitadas do rio Neva e o que mais queria era não sentir nada. A grã-duquesa Helena Pavlovna tinha dezassete anos, estava presa num casamento com um homem que não mostrava qualquer sinal de afecto ou até interesse nela, e os anos pareciam infinitos, sem esperança e vazios. O czar entrou na divisão onde ela estava, mas a grã-duquesa desviou o olhar. Alexandre I não precisou de perguntar o que se passava; sentou-se ao lado de Helena e começou a contar-lhe um pouco da história da sua vida, dos seus próprios problemas, esperanças e medos. "Não somos donos de nós mesmos", disse ele, "não passamos de ferramentas nas mãos de Deus, destinados a cumprir a vontade Dele; somos o meio que Ele escolheu. A nossa felicidade resume-se a seguir o Seu chamamento, só assim podemos praticar o bem". Foi um conselho pouco reconfortante, mas Helena ficou comovida com a bondade dele e iria recordar este episódio como o ponto de viragem na sua vida. Na verdade, as coisas iriam piorar muito mais antes de ela conseguir sentir alguma melhora.

Helena Pavlovna
Para casar com um membro da família Romanov, Helena tinha deixado tudo para trás, incluindo o seu nome. Dois anos antes desta conversa com o czar, era simplesmente a princesa Carlota de Wuttemberg, e vivia com o pai e a irmã em Paris. As duas princesas viviam de forma muito modesta, sendo responsáveis por costurar as suas próprias roupas, e estudavam num instituto. Foi lá que conheceram Miss Walter, uma parente do conhecido paleontologista e anatomista Georges Cuvier. Carlota e a irmã passaram muitos serões em casa de Cuvier, na companhia do seu pai, o príncipe Paulo, e estudaram sob a orientação deste grande homem, ao mesmo tempo que ouviam as conversas intelectuais que se trocavam à mesa dele. Foi para conseguir este tipo de vida intelectual que Paulo tinha deixado a sua cidade natal de Estugarda em 1815, tendo-se mudado para Paris com as suas filhas mais novas porque achava que a vida na capital francesa era mais apelativa.

Paulo de Wuttemberg, pai de Helena
Em casa, em Wuttemberg, tinha deixado a sua esposa e dois filhos, além de um legado amargo. A família Wuttemberg não apoiava a sua decisão de se mudar para Paris. Deram-lhe ordens para regressar a casa para que as suas filhas pudessem ser educadas de forma mais adequada às suas posições, mas o príncipe desafiou-os. Os Romanov estavam convencidos de que a infância e adolescência de Helena tinham sido infelizes. Os únicos pormenores sobre estes anos da sua vida vêm das histórias que ela contou mais tarde às suas criadas, mas, aí, não há sinais de infelicidade. É possível que só se lembrasse daquilo que queria. Helena contou-lhes histórias da sua vida em Paris e sobre os seus estudos com Cuvier, falou-lhes também do seu pai, que recordava com carinho, mas nunca mencionou a sua mãe nem Estugarda. A princesa Isabel Kurakin, cuja mãe era uma das damas-de-companhia da grã-duquesa, achava até que Helena tinha perdido a mãe muito nova quando, na verdade, a sua mãe só morreu quando ela tinha mais de quarenta anos. É provável que o grande casamento de Helena com um grão-duque russo tenha sido a forma que a família real de Wuttemberg encontrou para recuperar a sua autoridade.

Carlota de Saxe-Hildburghausen, mãe de Helena Pavlovna
Helena conheceu o marido no verão de 1822, mas o noivado já tinha sido arranjado vários meses antes do encontro. O noivo era o grão-duque Miguel Pavlovich, o irmão mais novo do czar Alexandre I, e o seu único interesse era o exército. Os homens comuns no exército viam-no como um disciplinário exigente, até brutal, mas as pessoas que o conheciam verdadeiramente gostavam dele pela sua boa-disposição e generosidade e toda a família o adorava. Pouco antes deste encontro, Miguel nunca tinha mostrado grande interesse em casar-se, e a única preocupação da sua mãe tinha sido a falta de princesas adequadas para o filho. Aparentemente, nunca se lembrou de Carlota, o que era estranho, uma vez que ela era também uma princesa de Wuttemberg e o príncipe Paulo era seu sobrinho e, além de ter nascido em São Petersburgo, tinha recebido o nome em homenagem ao seu marido, o czar Paulo I.

O grão-duque Miguel Pavlovich
No entanto, depois de o noivado ser confirmado, começaram a chegar relatos encorajadores sobre a noiva a São Petersburgo. Diziam que Carlota era excepcional, muito madura para os seus quinze anos de idade, e, embora não fosse propriamente bonita, tinha um rosto doce e expressivo. A princesa viajou para norte em Agosto de 1823 e Miguel foi ter com ela à fronteira de cavalo. Ficou impressionado com a postura e aparente confiança dela e impressionado quando a ouviu cumprimentar os oficiais em russo. Na festa de recepção que foi dada em sua honra, Carlota encantou os duzentos convidados quando falou com cada um deles pessoalmente. Disse ao historiador Nikolai Karamzin que tinha lido o seu volume mais recente em russo e, quando foi apresentada aos generais, o seu tema de conversa mudou para batalhas e estratégia. Os ensinamentos de Cuvier tinham-lhe dado um nível de cultura e inteligência que ninguém estava à espera de encontrar numa jovem de dezasseis anos. Uma princesa a entrar na casa do seu novo marido devia ser doce, infantil e inocente, branda o suficiente para se poder adaptar aos hábitos da família e do país. Esta princesa já tinha uma personalidade própria muito forte.

Retratos do grão-duque Miguel Pavlovich, da sua mãe, a czarina Maria Feodorovna e da sua esposa, a grã-duquesa Helena Pavlovna
À medida que as semanas foram passando, foram aumentando os elogios às qualidades invulgares de Carlota. Sabia conduzir bem as cerimónias da corte, dançava de forma muito bonita, o seu feitio era adequadamente reservado. Era tudo uma fachada: em privado, os seus períodos estavam atrasados e sofria fortes dores de estômago; quando participou pela primeira vez numa missa ortodoxa, ficou pálida, a suar e quase desmaiou, mas esforçou-se por aguentar até ao fim. Os sinais de perigo já existiam: Maria Feodorovna reparou que o filho não dava atenção nem era carinhoso com a esposa, mas tentou ignorar o problema o mais possível, por acreditar que ninguém poderia ser infeliz com o seu Miguel. Houve apenas uma pessoa na família que viu a situação com clareza. O grão-duque Constantino Pavlovich conhecia bem o irmão e o resumo que deu da situação era assustador: "O casamento", escreveu ele, "é um acessório que ele podia ter dispensado sem grande problema".

Constantino Pavlovich
Antes de Carlota viajar até São Petersburgo, Constantino tinha tentado convencer Miguel a romper o noivado. Também tinha falado com a mãe e com uma das irmãs, mas ninguém lhe quis dar ouvidos. O assunto começou a avançar demasiado. Carlota converteu-se à Igreja Ortodoxa a 17 de Dezembro de 1823 e adoptou o nome de Helena Pavlovna: o seu nome de baptismo nunca mais voltaria a ser utilizado. O seu noivado foi celebrado oficialmente no dia seguinte e a princesa usou um vestido de veludo azul com uma cauda comprida, bordada com rosas e folhas prateadas, e um diadema de esmeraldas. Estava magnifica. A 20 de Fevereiro de 1824, Helena e Miguel casaram-se numa capela temporária que tinha sido erguida na sala de recepção do czar. Alexandre estava com dores na perna, mas a família nunca considerou sequer a hipótese de realizar o casamento sem ele.

Helena Pavlovna
Quinze dias depois, já havia problemas no casamento. Miguel dizia estar feliz, mas não fazia ideia do que era preciso fazer para manter um casamento. "Apesar do facto de até poder amar a esposa", escreveu Constantino à sua irmã Ana, "continua a tratá-la com frieza e indiferença. Não consigo perceber se o faz por ser uma situação nova, por timidez ou por qualquer outro motivo". Constantino gostava de Helena. Via que, atrás das suas conversas inteligentes e divertidas, ela era uma pessoa muito sensível, e tentou mudar a atitude do irmão, mas sem sucesso. Em Abril, o grão-duque Nicolau (futuro czar Nicolau I) escreveu que Miguel se estava "a esforçar muito para ter filhos, mas parece que não tem conseguido". Mais optimista do que o irmão mais velho, Nicolau nunca viu a tempestade que se escondia por baixo da superfície.

Miguel Pavlovich
Helena deu à luz a primeira filha, a grã-duquesa Maria Mikhailovna, em Março do ano seguinte. Poucos meses depois, já estava grávida novamente. A czarina-viúva, que ainda queria acreditar que tudo correria pelo melhor, elogiou a disciplina da sua nora: "ela organiza o tempo que tem muito bem. Passa as manhãs inteiras a estudar, apesar de ter náuseas e vómitos". As mortes de Alexandre I e da sua esposa nesse inverno fizeram com que Helena perdesse os seus amigos mais chegados na família imperial. Com a chegada da primavera, foi enviada para Moscovo, para dar à luz mais uma menina a quem chamou Isabel, em honra do czarina que tinha morrido alguns meses antes. Juntou-se uma multidão no Kremlin para celebrar a ocasião e todos cantaram um Te Deum, mas, afastada das comemorações, Helena sofreu de febre do leite e de dores pós-parto durante várias semanas. Na mesma altura, havia relatos de que, na mesma altura, Miguel estava muito bem disposto e cheio de trabalho.

Helena Pavlovna
No início do ano seguinte, Helena estava grávida novamente e, mais uma vez, a sofrer. A sua primeira filha começava a mostrar os primeiros sintomas de tuberculose e os médicos davam-lhe poucas hipóteses de sobreviver. A sua terceira filha, Catarina, nasceu em São Petersburgo no verão de 1827, e, desta vez, Helena não conseguiu recuperar dos efeitos do parto. Física e psicologicamente, já não tinha mais forças. O seu comportamento começou a ser cada vez mais criticado e, finalmente, a grã-duquesa atingiu o seu limite. Decidiu que o seu casamento já não tinha salvação, mas, quando pediu ajuda à sua família paterna, eles fecharam-lhe as portas. A mãe, o tio (o rei de Wuttemberg), a avó, até o pai em Paris, recusaram-se a ajudá-la. O casamento, apesar de horrível, continuava a ser um casamento. A família imperial permitiu apenas uma separação temporária. Enquanto Miguel partiu com o exército para lutar numa das guerras intermináveis da Rússia contra a Turquia, Helena viajou para sul, para um spa em Ems, deixando as suas filhas com a czarina-viúva.

Isabel, Maria e Catarina Mikhailovna, filhas de Miguel Pavlovich e Helena Pavlovna
A caminho do spa, Helena fez uma paragem no palácio de Constantino Pavlovich em Varsóvia e o grão-duque ficou chocado com o estado dela e zangado por ninguém ter prestado atenção aos seus avisos. Escreveu numa carta à irmã que "temos de concordar que esta jovem e encantadora mulher foi sacrificada de forma gratuita e inútil. A sua posição é assustadora (...) e o pior de tudo é que ninguém se quer colocar no lugar dela para a poderem compreender. A minha esposa e eu fizemos os possíveis para a tentar animar, que estava muito baixa". A grã-duquesa Ana Pavlovna concordou: "Também sinto que ela é uma pessoa nobre - completamente sacrificada - que, na minha opinião, só padece destes pequenos defeitos de que é acusada porque foi provocada ou está magoada por causa desta sucessão de dificuldades sem fim que não consegue aceitar porque é demasiado alegre e demasiado nova para isso." Ambos os irmãos esperavam que, agora que Helena tinha deixado a sua posição mais clara, que Miguel a respeitasse mais e que começasse a dar valor à sua vida como casal. Esta parecia ser a sua única oportunidade.

Ana Pavlovna da Rússia, rainha dos Países Baixos
Helena ficou afastada da Rússia durante pelo menos um ano. A czarina-viúva morreu e, no seu testamento, deixou uma ajuda para que a sua nora pudesse adaptar-se melhor à vida na corte russa, tendo-lhe deixado a administração de duas instituições caritativas. Havia alguma preocupação com a forma como Miguel Pavlovich iria gerir as suas finanças, por isso a sua mãe decidiu proteger o dinheiro, colocando uma boa parte dele num banco, ao qual Miguel não tinha acesso. O casal tinha trocado cartas durante o seu período de separação, e tinham conseguido chegar a uma espécie de acordo de paz: Helena regressou à Rússia e, no início de 1830, sofreu um aborto. Teve mais duas filhas, Alexandra e Ana, mas ambas morreram muito novas. Na primavera de 1835, Miguel e Helena levaram as filhas para um spa na Boémia, mas o casal não estavam habituados a estar juntos. Depois disso, Miguel começou a passar cada vez mais tempo em viagens pela Europa, enquanto que Helena começou a construir a sua própria vida em São Petersburgo, uma vida na qual não havia espaço para Miguel.

Miguel Pavlovich

Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

O outro Nicolau e a outra Alexandra - Nicolau I e Alexandra Feodorovna (Carlota da Prússia) - Segunda Parte

Nicolau I e Alexandra Feodorovna
A ascenção de Nicolau ao trono foi um golpe duro para a família. Alexandra passou o dia em que o marido subiu ao trono a rezar com os filhos. Estava aterrorizada. Quando era criança, tinha visto a sua família a fugir de Berlim por causa dos exércitos de Napoleão e, agora, o seu marido enfrentava homens armados nas ruas da sua capital. As horas de ansiedade, à espera de notícias do marido, deixaram-na com um tique nervoso na cabeça que um grupo de pessoas que visitou a corte vinte anos depois ainda viu. A sua saúde nunca recuperou completamente. O pequeno czarevich também ficou afectado. Os seus tutores repararam num certo nível de timidez que nunca tinha existido e uma tendência para desistir das coisas quando elas se tornavam demasiado complicadas. Alexandre temia o dia em que o trono iria cair nas suas mãos.

O futuro czar Alexandre II
A família precisava de privacidade e sentiam-se mais felizes em Alexandria Peterhof, a propriedade que Alexandra tinha recebido do seu cunhado. Este era o palácio privado deles, "o nosso cantinho favorito neste mundo". Em 1832, tinham sete filhos e Nicolau adorava-os a todos. O czarevich era bonito e alegre. Quando cavalgou com as tropas na coroação do pai, o czar quase rebentou de orgulho. Nicolau adorava o filho, apesar de se preocupar com o facto de ele ser demasiado sonhador e não se entusiasmar muito com o exército. Maria era baixa para a idade, enquanto que Olga já tinha a mesma altura da mãe aos doze anos de idade. A pequena Alexandra era "uma querida" e quando Constantino, o seu segundo filho varão, nasceu, o seu pai chorou de alegria. Disse que Constantino era "pequeno e feio, mas muito invulgar". Depois, tiveram ainda mais dois rapazes, Nicolau e Miguel, que o pai dizia serem "muito simpáticos (...) os meninos dos meus olhos."

Olga e Alexandra Nikolaevna, filhas do meio de Nicolau e Alexandra
Nicolau e Alexandra eram pais excepcionais e não permitiam nenhum tipo de bajulação que complicasse a vida dos filhos. Os jovens Romanov mantinham-se afastados da corte e foram criados de forma simples; até os criados recebiam ordens para não os tratar pelos títulos, mas sim pelo nome próprio e pelo patronímico, como era normal na Rússia. Passavam sempre os seus serões com os pais, ou pelo menos com a mãe, a jogar jogos, a representar em peças de teatro e a tocar música. Uma vez, o embaixador francês perguntou se podia conhecer o czarevich. Esperava ter uma audiencia no Palácio de Inverno e ficou espantado quando foi levado até ao parque em Czarskoe Selo para ver o rapaz a brincar com as irmãs. O czar explicou que temia que apresentar o filho a pessoas importantes num ambiente formal poderia ser uma má influência para ele.

Nicolau I e Alexandra Feodorovna a chegar de carroça a Alexandria Peterhof
Nicolau estava a preparar o czarevich para um futuro em mudança e, apesar de o seu próprio reinado ser repressivo, o czar compreendia os pedidos de reforma e reconhecia que a escravatura era injusta. No entanto, sabia também que era fundamental para a organização do império e não podia ser abolida facilmente. O Conde Kisselev, ministro dos domínios imperiais, recebeu ordens para analisar as medidas que poderiam ser tomadas e chegaram mesmo a haver algumas mudanças tímidas, mas Nicolau nunca conseguiu apoio para a abolição completa. Acreditava na autocracia e via-se como o único defensor do povo. Era ele que tratava até dos pormenores mais mundanos pessoalmente e viajou extensamente por todo o império para ouvir as preocupações individuais dos seus súbditos. Nicolau era severo, mas também conseguia ser gentil: em certa ocasião, saiu da sua carruagem para caminhar numa procissão fúnebre de um homem que não tinha mais ninguém. Entretanto, a vida na corte era uma ronda constante de bailes de máscaras, jantares e entretenimento de todos os tipos. "Gosto que as pessoas se divirtam," contou Nicolau à sua irmã Ana, "assim ficam ocupados e ficam sem tempo para dizerem disparates".

Festa de Natal na corte russa na época de Nicolau I
Assim que a ordem foi restabelecida, Nicolau esforçou-se por reforçar e aumentar as fronteiras do império. Lutou contra os turcos e impôs a sua vontade nos povos do Cáucaso; em 1830, a Polónia revoltou-se e o czar reprimiu as revoltas com uma eficácia sem escrúpulos. Apesar disso, quando os outros países europeus o apelidaram de "novo Átila", Nicolau ficou ofendido. "Este pobre Átila só quer ficar calmamente em casa, feliz na companhia da sua esposa grávida de cinco meses e dos seus filhos; os seus gostos são domésticos; resumidamente, é a pessoa menos hostil e mais pacífica do mundo; - que destino tão estranho!" Os contemporâneos do czar teriam ficado espantados se soubessem que era assim que ele se via. À medida que a Europa sofria uma série de revoltas armadas, a Rússia de Nicolau tornou-se uma fortaleza construída para aguentar as influências ocidentais e na qual o czar surgia como o defensor dos valores tradicionais.

Nicolau I da Rússia
Os historiadores liberais costumam guardar os seus melhores insultos para Nicolau I. Já lhe chamaram cruel, brutal, tirânico e déspota e raramente alguém lhe dá créditos pelos feitos positivos que conseguiu ao longo do seu reinado. Mas ele era mais russo do que qualquer outro czar em mais de um século, e deu resposta ao novo movimento que surgiu no seu país, que tentava compreender o que significava verdadeiramente ser russo. Isto era mais positivo do que simplesmente fechar as fronteiras. Desde o início do seu reinado que Nicolau iniciou um programa de obras públicas e apoiava os artistas que estavam a tentar criar um novo estilo, baseado nos melhores elementos do antigo. Ajudou financeiramente Feodor Solntsev, que viajou por todo o império à procura de exemplos de desenhos tradicionais, e permitiu a publicação das descobertas que ele fez. Na década de 1830, houve um plano ambicioso para restaurar o Kremlin e acrescentar-lhe novos edifícios, para harmonizar as catedrais antigas e os palácios novos. Pouco sobrou do interior do Palácio de Terem, por exemplo. Sempre rigoroso, Nicolau rejeitou catorze esquemas decorativos antes de encontrar um que lhe agradasse.

Todo o trabalho foi feito com seriedade: o czar via o Kremlin como um património nacional que devia ser preservado para o seu povo. Tal como Pedro, o Grande tinha obrigado a Rússia a virar-se para o ocidente, Nicolau estava a tentar fazê-la voltar às suas origens. Redesenhou o aspecto da sua corte, tendo emitido um decreto em 1834 no qual voltava a instaurar vestidos de corte para as senhoras baseados nos trajes tradicionais russos. Este decreto definia o corte, cor e tecido, assim como os ornamentos exactos que as senhoras deveriam usar, dependendo do seu estatuto. Os oficiais do governo teriam de usar sempre uniforme. Com estas medidas, o czar estava a criar um cenário russo impressionante e único para a vida pública na corte.

A corte russa no tempo de Nicolau I
Em privado, Nicolau I também era um construtor ambicioso. Criou casas, pavilhões e capelas no Alexandria Peterhof e os aposentos privados da sua família no Palácio de Inverno foram redecorados no início do seu reinado. Em 1837, grande parte do Palácio de Inverno foi destruído num incêndio. Nicolau coordenou o resgate bem sucedido de muitos tesouros em pessoa enquanto o palácio ardia. Quando terminou, Nicolau declarou que o seu restauro era uma prioridade. Foi também um mecenas generoso, mas era muito exigente com os prazos. Gostava de descobrir novos artistas e não era estranho que um pintor que estivesse a trabalhar calmamente num dos parques imperiais fosse convidado a tomar chá com o czar. Em 1844, Nicolau encomendou um gigantesco programa de reconstrução do Palácio de Gatchina, mas, uma vez que tinha passado a sua infância e juventude nesse palácio, ordenou primeiro que pintassem todas as divisões antes das obras começarem, para guardar um registo visual do passado. Era extremamente emocional em tudo o que estava relacionado com a família, dando instruções para que determinadas divisões fossem mantidas exactamente como estavam. Sob a sua orientação, partes dos palácios maiores tornaram-se museus da família.

Nicolau I com a sua esposa e as filhas mais velhas
Todos os membros da família imperial eram leitores ávidos. A censura do estado era apertada, mas foi durante o reinado de Nicolau I que houve uma avalanche de livros que, actualmente, são considerados clássicos: Pushkin, Dostoevsky, Turgenev, Lermontov e Gogol floresceram nesta época. Todos criticavam o regime nas suas obras e os censores oficiais interferiam com o seu trabalho, mas nunca os impediram de escrever. Nicolau chegou mesmo a estar presente na estreia da peça "O Inspector Geral" de Gogel, no Teatro Alexandrinsky. Parece um paradoxo, mas Nicolau I era, ao mesmo tempo, profundamente repressivo e tolerante. Continuava a ser fiel ao lema que tinha no anel da Triopatia, um anel que usou a vida inteira, "Firmeza e Esperança", a firmeza autocrata que nunca diminuiu e a esperança no progresso e reforma para o futuro.

Nicolau I com Pushkin e a sua esposa Natália
Em 1842, Nicolau e Alexandra comemoraram as suas bodas de prata com um torneio medieval em Czarskoe Selo, no qual participou toda a família. A ideia de cavalheirismo apelava ao lado romântico de Nicolau, que era um grande admirador de Sir Walter Scott. Os romances de Scott eram lidos em voz alta para toda a família com grande frequência. Os dois tinham-se cruzado em 1816, quando Nicolau foi enviado a Inglaterra para estudar o sistema constitucional. Quando o seu filho mais velho chegou à idade adulta, Nicolau voltou a encontrar tempo para viajar, deixando o futuro czar Alexandre II como regente. Visitou novamente a Inglaterra e acompanhou a sua esposa Alexandra em visitas a spas europeus; em 1845 e 1846, os dois passaram algum tempo em Itália.

Nicolau I, Alexandra Feodorovna e os seus filhos nas comemorações das suas Bodas de Prata em 1842
Nesta altura, os dois já eram avós. A sua filha mais velha, Maria, tinha-se casado com o duque Maximiliano de Leuchtenberg e o czarevich tinha-se casado com a princesa Maria de Hesse-Darmstadt, e ambos os casais já tinham filhos. Nicolau e Alexandra adoravam ver a nova geração a crescer, mas também passaram por grandes tristezas. A sua primeira neta, a princesa Alexandra de Leuchtenberg, morreu aos três anos de idade e o czarevich perdeu a sua filha mais velha, a grã-duquesa Alexandra Alexandrovna pouco antes de ela fazer sete anos de idade. Em Janeiro de 1822, a filha mais nova de Nicolau e Alexandra, a grã-duquesa Alexandra Nikolaevna, casou-se com o príncipe Frederico Guilherme de Hesse-Cassel. Tal como a mãe, engravidou poucas semanas depois, mas adoeceu no verão quando estava de férias em Czarskoe Selo e deu à luz prematuramente. Segundo algumas fontes, teve febre escarlate, enquanto que outras dizem ter tido sarampo. Qualquer que tenha sido a doença, tanto ela como o bebé morreram antes do fim do dia. Os pais dela ficaram destroçados. "A nossa dor é para toda a vida", escreveu Nicolau, "é uma ferida aberta que vamos levar connosco para as nossas sepulturas". Depois destes acontecimentos, a família começou a considerar que o nome Alexandra estava amaldiçoado.

A grã-duquesa Alexandra Nikolaevna
A devoção de Nicolau e Alexandra um para o outro nunca esmoreceu. Em finais da década de 1840, a saúde de Alexandra estava cada vez mais fraca e a vida do casal tornou-se mais calma. Lady Bloomfiel, esposa do representante britânico em São Petersburgo, viu-os juntos em várias ocasiões e reparou que o comportamento de Nicolau com a esposa era "comovente e encantador (...) era tão atento e afectuoso, e, ao mesmo tempo, tão respeitador". Com a idade e a experiência, o czar tinha conseguido aprender as boas maneiras impecáveis que a sua mãe tanto tinha desejado quando ele era mais novo, e Lady Bloomfield ficou impressionada com o seu charme, gentileza e beleza que ainda não tinha esmorecido. Achou que a czarina estava "muito magra, mas não tão doente como esperava, e o rosto dela tinha vestígios de grande requinte e beleza. Os seus olhos, que eram azuis, estavam fixos no fundo da cabeça e a sua expressão era mais inteligente do que agradável. A voz dela era suave, mas falava depressa e com decisão". Ficou comovida com a gentileza de Alexandra e surpreendida e agradada por ser recebida nos aposentos privados da família imperial sem cerimónias nem formalidades.

A czarina Alexandra Feodorovna
Mas, fora do refúgio doméstico, o final da década de 1840 foi marcada por um aumento das tensões na Europa. As revoluções de 1848 não chegaram à Rússia, mas Nicolau aumentou o controlo no país e enviou um exército para ajudar o jovem imperador Francisco José na Hungria. A Rússia de Nicolau tinha-se tornado uma força admirável, mas o ajuste de contas estava próximo. Há já várias gerações que os governantes da Rússia ansiavam por anexar os países dos Balcãs que, na altura, se encontravam sob domínio turco. Nicolau esperava estabelecer-se como protector dos súbditos ortodoxos do sultão e, em 1853, os seus exércitos ocuparam as províncias da Moldávia e da Valáquia. Foi uma expansão que o ocidente não podia permitir. A guerra que se seguiu na Crimeia expôs todas as fissuras na armadura do czar e o seu império, que tinha parecido tão forte, não tinha os recursos ou a organização para competir com a aliança ocidental. Deprimido pela fraqueza do seu exército na Crimeia, a saúde de Nicolau começou a sofrer e ele acabaria por morrer no Palácio de Inverno a 18 de Fevereiro de 1855. A causa de morte oficial foi gripe, mas havia quem sugerisse que tinha sido uma discussão que tinha tido com o filho que lhe tinha provocado uma apoplexia. Outros sugeriram que se tratou de suicídio e havia também muitos que afirmavam que o imperador tinha simplesmente morrido de coração partido. Apesar de ter sido um dos governantes mais temidos da Europa, a sua prioridade nunca tinha sido o poder. Tal como disse à irmã, "a única felicidade que existe é uma vida familiar agradável. Tudo o resto não passa de uma ilusão". 

Quadro alegórico de Nicolau I no seu leito de morte com a sua filha Alexandra Nikolaevna e a neta Alexandra Alexandrovna representadas como anjos.
Alexandra viveu durante mais cinco anos. Retirou-se para o Palácio de Alexandre em Czarskoe Selo, e continuou a organizar jantares enquanto a saúde lhe permitiu. Nunca deixou de se preocupar com a sua família e as suas vidas e avisou o seu filho mais velho dos perigos da reforma. De uma coisa nunca duvidou: ao recordar o dia do seu casamento, escreveu: "com toda a confiança, coloquei a minha vida nas mãos do meu Nicolau e ele nunca quebrou essa confiança".

A czarina Alexandra Feodorovna

Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

O outro Nicolau e a outra Alexandra - Nicolau I e Alexandra Feodorovna (Carlota da Prússia) - Primeira Parte


"Quando olhamos para trás, é assustador ver como o tempo passa depressa...". A Rússia estava no auge do seu poder quando Nicolau I escreveu estas palavras à sua irmã, ao recordar o dia em que, mais de trinta anos antes, quando tinha partido para a guerra com o irmão, o czar Alexandre I. Na altura, tinha apenas dezassete anos de idade e não fazia ideia que um dia iria suceder ao trono. Era feliz e, embora não o soubesse, estava prestes a conhecer a jovem com quem se viria a casar. Em Berlim, foi a filha do rei da Prússia, Carlota, que recebeu os visitantes. Tinha quinze anos, era alta, bonita e um tanto inocente. Nicolau também era bonito. Tinham os dois terminado a sua educação há pouco tempo e apaixonaram-se loucamente um pelo outro, apesar de as suas famílias insistirem que tinham de esperar um ano antes de sequer ficarem noivos. A derrota de Napoleão e a reorganização da Europa era muito mais importante do que as esperanças de dois adolescentes românticos - apesar de as suas famílias verem que o casamento iria reforçar a aliança política entre os dois países. Passaram três anos até Carlota se converter à Igreja Ortodoxa com o nome de Alexandra Feodorovna, que passaria a utilizar para o resto da vida. No dia em que completou dezanove anos, casou-se com Nicolau na capela do Palácio de Inverno. Corria o ano de 1817, cem anos antes do colapso da dinastia.

Alexandra Feodorovna (Carlota da Prússia)
Nicolau nasceu para ser soldado, e era essa a única vida que queria. Demasiado novo para sentir as tensões que levaram ao assassinato do seu pai, o czar Paulo I, era o produto de uma infância segura numa família extremamente unida. Quando nasceu, no Palácio de Catarina, em Czarskoe Selo, no verão de 1796, os seus irmãos Alexandre e Constantino eram quase adultos. Era mais chegado à sua irmã Ana, que era apenas um ano mais velha do que ele, e ao seu irmão mais novo, Miguel; mais tarde, os três decidiram apelidar-se de a "Triopatia" e passaram a usar anéis especiais gravados com o lema "Firmeza e Esperança". Ofereceram um anel semelhante à sua mãe, a czarina Maria Feodorovna, tornando-a assim um membro do seu circulo.

Ana Pavlovna (futura rainha dos Países Baixos), Nicolau Pavlovich (futuro czar Nicolau I) e Miguel Pavlovich por F. Ferriere em 1806
Maria Feodorovna era mulher forte e foi a sua vontade de ferro que tornou a sua grande família tão unida, sobrepondo-se às suas diferenças de idade e educações distintas. A czarina tinha sido obrigada a entregar os seus filhos mais velhos à sua sogra, a imperatriz Catarina, a Grande, o que serviu para reforçar ainda mais a sua vontade de educar os restantes filhos à sua maneira. Nicolau aprendeu a falar quatro línguas, e estudou os clássicos, economia, direito e ciência política. Tocava flauta e as suas pinturas podiam facilmente ser confundidas com o trabalho de um artista profissional, mas, por muito que a sua mãe o tentasse convencer, nunca o conseguiu tornar tão encantador e educado como queria. Tanto Nicolau como Miguel gostavam mais de paradas militares do que de salões de festas: "os teus irmãos parecem inválidos", queixou-se Maria Feodorovna numa carta à sua filha Ana, "e nunca dançam um passo que seja, escondem-se nos cantos e parecem estar sempre aborrecidos".

A czarina Maria Feodorovna, nascida princesa Sofia Doroteia de Wuttenberg
Alexandra Feodorovna recordava-se da falta de jeito do marido com humor num livro de memórias que escreveu sobre os seus primeiros anos de casamento com Nicolau. Dizia que, em privado, ele era uma pessoa completamente diferente e "tanto ele como eu só estávamos realmente felizes e satisfeitos quando ficávamos sozinhos nos nossos aposentos, comigo sentada no colo dele enquanto ele me cobria de amor e afecto".  A czarina-viúva adorava vê-los juntos: "O Nicky é um marido muito afectuoso. É impossível ser mais cuidadoso, mais atencioso do que ele é com a esposa (...) a esposa dele é encantadora e vive só para ele, adivinhando todos os seus desejos, todos os seus pensamentos; a fazer tudo o que pode para o agradar". Poucas semanas depois do casamento, Alexandra já estava grávida. Desmaiou durante a missa e, depois de a levar para o quarto, Nicolau foi a correr até um jovem pajem e anunciou que ia ser pai. O bebé, um menino, nasceu no Kremlin, o coração histórico da Rússia, rodeado de bons presságios: "na Semana Santa, num lindo dia de primavera, enquanto os sinos ainda tocavam em celebração pela grande festa da Ressurreição. (...) O Nicky beijou-se e desfez-se em lágrimas, e ambos agradecemos a Deus juntos."

Alexandra Feodorovna com os seus dois filhos mais velhos: Maria e Alexandre
Na verdade, o cenário do nascimento do pequeno Alexandre Nikolevich não teve nada de acidental. Tinha sido planeado pela czarina-viúva para chamar a atenção para a importância nacional da jovem família. Todos sabiam que, um dia, o trono iria passar para Nicolau e o nascimento de um filho confirmou a sua importância. Ele e Alexandra eram os únicos que se recusavam a lidar com o inevitável. O casamento de Alexandre I era vazio e as suas duas filhas tinham morrido ainda bebés. Constantino era divorciado. Em 1820, casou-se morganaticamente e disse à mãe que não queria nada a impedir a sucessão de Nicolau ao trono. Ainda assim, Nicolau não queria discutir a sucessão. Alexandre tentou falar sobre o assunto uma noite, depois de um jantar de família, mas Nicolau e Alexandra ficaram tão perturbados que o czar desistiu da ideia. Quando Constantino renunciou formalmente aos seus direitos em 1822, Alexandre manteve o documento em segredo.

Alexandre I
A felicidade do casal era um problema. Tudo o que queriam era estar juntos e aproveitar a sua vida familiar com os filhos. O segundo bebé foi uma menina a quem chamaram Maria; Nicolau rapidamente ultrapassou a sua desilusão inicial e as suas cartas começaram a encher-se de descrições de quanto adorava os seus filhos. A sua mãe concordava. "Fui abraçar os meus queridos netos, que são encantadores," escreveu a czarina-viúva em 1820, sete meses após o nascimento de Maria. "A menina está a ficar muito mais bonita e vai ser tão bonita como a mãe (...) já gosta muito do pai que lhe dá muita atenção e que se diverte muito com ela. Adora-a verdadeiramente. Quanto ao menino, é um anjo e a melhor criança que se possa imaginar".

Maria Nikolaevna
Alguns meses depois de estas palavras serem escritas, Alexandra deu à luz uma bebé que nasceu morta. Foi a sua terceira gravidez em três anos de casamento e a perda da bebé deixou-a profundamente deprimida. Nicolau dedicou toda a sua atenção e carinho à esposa, tendo tratado dela com as suas próprias mãos, embora a sua mãe tenha reparado que ele "distrai-se e esquecesse de manter a abstinência que devia estar a cumprir". Os médicos aconselharam umas férias e Nicolau levou a esposa para a sua terra natal: Berlim. Os dois gostaram tanto das férias que acabaram por regressar à Alemanha no ano seguinte e em 1824, numa altura em que já tinham três filhos para deixar com a czarina-viúva, e memórias dolorosas da perda de mais um bebé. Será que sonhavam em deixar a Rússia para sempre? Alexandre I temia que isso pudesse vir a acontecer, por isso, na primavera de 1825, mandou chamar o irmão e a cunhada, dizendo que precisava da companhia deles. Ofereceu terrenos a Alexandra em Peterhof, a propriedade imperial da qual ela tinha gostado mais quando tinha chegado à Rússia. Algumas semanas depois de receber este presente, teve mais uma filha, a grã-duquesa Alexandra.

A grã-duquesa Alexandra Nikolaevna
Quando Alexandre I pediu ao seu irmão para regressar à Rússia em 1825, estava a perder rapidamente o interesse pela vida. O czar estava cansado, e, por conselho médico, viajou com a esposa, que estava doente, para sul nesse outono, tendo nomeado Nicolau para regente. Ninguém estava à espera de receber a notícia de que Alexandre tinha morrido na distante cidade de Taganrog; foi um choque para toda a família. Nicolau ordenou a guarda imperial a jurar lealdade a Constantino, recusando-se a aceitar a renuncia do irmão ao trono porque nunca ninguém o tinha informado da mesma, nem mostrado os documentos. Em Varsóvia, onde vivia, Constantino jurou lealdade a Nicolau e este impasse durou quase três semanas, durante as quais cada um dos irmãos declarava lealdade ao outro e o grão-duque Miguel tinha de viajar de um lado para o outro entre eles. A situação até poderia ter sido divertida, se não fosse tão perigosa. Quando Nicolau soube que havia uma conspiração no exército, aceitou o inevitável e assumiu o trono a 13 de Dezembro de 1825.

Nicolau I
O ar na cidade estava tenso. Havia grupos de soldados nas ruas a gritar por Constantino. Os seus líderes eram, na sua maioria, jovens de famílias nobres que tinham visto como os seus pares viviam noutros países da Europa e tinham regressado à Rússia convencidos de que era necessária uma reforma liberal. Alguns eram republicanos, mas outros não; não tinham uma liderança coerente e Constantino não tinha qualquer interesse neles, mas, durante algumas horas, o perigo foi intenso. No pátio coberto de neve do Palácio de Inverno, à luz das tochas, Nicolau entregou o seu filho Alexandre à protecção dos Guardas Finlandeses, que lhe eram leais. Quando nasceu o dia, os rebeldes juntaram-se na Praça do Senado. Regimentos inteiros recusaram-se a jurar lealdade ao novo czar: quando o governador de São Petersburgo tentou explicar que Constantino tinha renunciado ao trono, foi morto a tiro. Antes do meio-dia, Nicolau foi até à praça de cavalo e as tropas que lhe eram leais acompanharam-no. Falou aos rebeldes e ofereceu um armistício, mas não conseguiu quaisquer avanços e, à medida que anoitecia, os seus generais pediram-lhe que disparasse sobre a multidão. Nicolau cedeu e a Revolta Dezembrista foi esmagada à força.

A Revolta Dezembrista - soldados reunidos na Praça do Senado em São Petersburgo
Ninguém duvidava da coragem que Nicolau mostrou naquele dia, mas muitos questionaram a sua humanidade. Os soldados comuns que se juntaram à revolta foram perdoados, mas cinco dos seus líderes foram condenados à morte, e quase trezentos foram exilados para a Sibéria. O novo czar tomou medidas firmes para o império, impondo restrições severas ao movimento e pensamento individual. Precisava de assumir o controlo rapidamente e de voltar a restaurar a ordem, mas o fardo pessoal era demasiado. Nicolau era completamente dedicado ao dever, e a sua mãe via com preocupação a saúde do filho, que se foi deteriorando perante o peso das suas novas responsabilidades. "Diz que o reinado só lhe trouxe problemas," escreveu ela, "está sobrecarregado com assuntos do estado, com trabalho. Nunca vai para a cama antes das duas ou três da manhã. Nem sequer tem tempo para jantar descansado. (...) Está mais magro, mais pálido, de uma forma assustadora."

Constantino Pavlovich, irmão mais velho de Nicolau que renunciou ao trono
Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat