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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O Último Inverno em Czarskoe Selo - Robert K. Massie (Parte 1)

Alexandra, Tatiana e Anastásia em 1916
Durante as semanas sombrias de inverno que se seguiram ao assassinato de Rasputine, o czar de Todas as Rússias sofreu algo semelhante a um esgotamento nervoso. Fatigado, desejando apenas tranquilidade e descanso, ficou fechado em Czarskoe Selo. Lá, no seio da sua família, rodeado por um círculo familiar muito reduzido, vivia calmamente, evitando decisões que afectavam ministros, munições, os seus milhões de soldados e dezenas de milhares de súbditos. Rodzianko, que o via duas vezes por dia durante este período, recordou uma reunião durante a qual Nicolau se levantou e foi até à janela. “Como a floresta estava bonita hoje,” disse ele, olhando para o lado de fora. “É tudo tão calmo lá. Uma pessoa esquece todas estas intrigas e a agitação humana insignificante. A minha alma sentiu-se tão em paz. Lá uma pessoa está mais próxima da Natureza, mais próxima de Deus.”

Nicolau II em 1916
Nicolau passava o dia inteiro nos seus aposentos privados. Transformou a sua sala de jogos numa sala de mapas e ficava lá, atrás de uma porta guardada por um etíope imóvel, durante horas, debruçado sobre mapas enormes dos campos de batalha que espalhava nas mesas de bilhar. Quando saía da sala, trancava cuidadosamente a porta e punha a chave no bolso. À noite fazia companhia à sua esposa e a Anna Vyrubova no boudoir da imperatriz e lia em voz alta. Os seus discursos públicos eram muito vagos. Enviou um manifesto ao exército que, apesar de ter sido escrito para ele pelo general Gurko, estava recheado do sonho patriótico do imperador:  “O tempo de paz ainda não chegou (…) a Rússia ainda não cumpriu os objectivos que esta guerra lhe atribuiu (…) a posse de Constantinopla (…) a restituição da liberdade da Polónia. A nossa confiança na vitória continua inabalável. Deus abençoará as nossas armas. Irá cobri-las de feitos gloriosos. Oh, minhas tropas gloriosas, uma paz tão segura que as futuras gerações irão abençoar a vossa memória sagrada!” Paléologue, ao ler o manifesto, e questionando-se sobre o seu significado, chegou à conclusão de que “só pode ser (…) uma espécie de testamento político, uma proclamação final de uma visão gloriosa que ele tinha para a Rússia que agora vê desvanecer-se.”

Nicolau II a inspeccionar tropas em 1916
Os visitantes ficavam chocados com o aspecto do czar; havia rumores de que Alexandra lhe dava drogas. No ano novo russo, os corpos diplomáticos foram a Czarskoe Selo para a recepção anual. Nicolau apareceu, rodeado dos seus generais e ajudantes-de-campo, para trocar apertos de mão, sorrisos e felicitações. “Como sempre”, escreveu Paléologue, “Nicolau II foi gentil e natural e até transmitiu um certo ar de despreocupação, mas o seu rosto magro e pálido traiu-o e mostrava o que lhe ia na cabeça.” Uma reunião privada com o imperador deixou o embaixador francês desanimado. “As palavras do imperador, os seus silêncios e reticências, as suas expressões graves e indecisas, os pensamentos furtivos e distantes e a sua personalidade vaga e enigmática confirmaram a minha ideia (…) de que Nicolau II se sente oprimido e dominado por estes acontecimentos, que perdeu toda a fé na sua missão (…) que abdicou interiormente e que se resignou ao desastre.”


Nicolau deixou uma impressão semelhante em Vladimir Kokovtsov, o antigo primeiro-ministro. Kokovtsov sempre tinha admirado a capacidade de Nicolau compreender rapidamente qualquer assunto e a sua excelente memória. Ao entrar no escritório do czar em Fevereiro, Kokovtsov ficou profundamente alarmado pela mudança do seu soberano: “Durante o ano em que não o tinha visto, ficou quase irreconhecível. O seu rosto tornou-se muito magro e oco e ficou coberto de pequenas rugas. Os seus olhos (…) tornaram-se bastante apagados e vagueavam de objecto para objecto (…) As parte branca tinha um tom amarelado e as retinas negras tinham-se tornado incolores, cinzentas e sem vida (…) O rosto do czar tinha uma expressão de desamparo. Um sorriso forçado e triste formava-se nos seus lábios e ele repetia-se várias vezes: “Estou muito bem e saudável, mas passo muito tempo sem fazer exercício e estou habituado a estar muito activo. Repito-lhe, Vladimir Nikolaevich, estou perfeitamente bem. Já não me via há um tempo e provavelmente não passei bem a noite. Daqui a pouco vou dar uma volta e vou ter melhor aspecto.’”


Ao longo do encontro, Kokovtsov prosseguiu: “ o czar ouviu-me com o mesmo sorriso doente, olhando nervosamente à sua volta.” Quando lhe fez uma pergunta “que, a mim, me parecia perfeitamente simples (…) o czar ficou num estado incompreensível de desamparo. O estranho e quase vazio sorriso ficou fixo no seu rosto, olhou para mim como se procurasse ajuda e pediu-me que o lembrasse de um assunto do qual se tinha esquecido completamente. (…) Ficou a olhar para mim durante muito tempo em silêncio, como se estivesse a organizar os seus pensamentos ou a tentar lembrar-se do que se tinha esquecido.”



Kokovtsov deixou o escritório lavado em lágrimas. Do lado de fora encontrou-se com o Dr. Botkin e o conde Paul Benckendorff, grande marechal da corte. “Não vê o estado do czar?” Perguntou ele. “Está prestes a sofrer algum distúrbio mental, se é que ainda não o sofre.” Tanto Botkin como Benckendorff afirmaram que Nicolau não estava doente, apenas cansado. Apesar de tudo Kokovtsov regressou a São Petersburgo com a impressão de que “o czar está seriamente doente e a doença é nervosa.”



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