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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O Nascimento da Grã-Duquesa Maria - Margaret Eager

Olga Nikolaevna com a tia Olga Alexandrovna em 1899

Um dia, na altura da Páscoa, fomos dar um passeio pela avenida de Nevski e a pequena grã-duquesa Olga não se estava a portar bem. Eu tentava falar com ela, tentando fazer com que se sentasse quieta quando, inesperadamente, ela me obedeceu, colocando as mãos muito educadamente no colo. Alguns segundos depois perguntou-me: “Viu aquele polícia?”. Respondi-lhe que isso não era nada de extraordinário e que o polícia não lhe ia fazer nada. Ela respondeu: “mas este estava a escrever alguma coisa, tive medo que estivesse a escrever que tinha visto a Olga e que ela se estava a portar muito mal.” Expliquei-lhe que isso era muito improvável e ela relembrou-me, de forma bastante indignada, que um dia, algum tempo antes, tinha visto uma mulher bêbada a ser presa na rua e que me tinha pedido para ir dizer ao polícia para não a magoar, e eu tinha-me “recusado a interferir e dito que a mulher se tinha portado muito mal e que o polícia tinha toda a razão por a estar a levar” . Nesta altura expliquei-lhe que uma pessoa tinha de ser bastante crescida e portar-se muito mal antes de a polícia levar alguém para a prisão. Quando voltamos a casa, ela perguntou a toda a gente se algum polícia tinha passado pelo palácio e perguntado por ela enquanto estivemos fora. Quando foi visitar os pais nessa tarde, contou tudo o que tinha acontecido ao pai, dizendo-lhe que eu lhe tinha dito que era bastante provável viver uma vida inteira sem ir para a prisão. Depois perguntou ao pai se ele alguma vez tinha estado preso e o imperador respondeu que nunca se tinha portado mal o suficiente para ir para a prisão, ao que ela respondeu: “Ah, então também te deves ter portado muito bem”. 

Olga em 1899
Ficamos cerca de dois dias em São Petersburgo e depois regressamos a Czarskoe Selo. A primavera chega tão rapidamente na Rússia que quando regressamos, as paisagens já estavam verdes e magníficas, os pássaros já estavam a cantar e tudo estava lindo com a chegada da primavera.

A esposa do czar Alexandre II adorava primaveras. Importava-as da Alemanha e plantava-as no parque de Czarskoe Selo. Deram-se muito bem e agora qualquer as encontra até em Peterhoff, que fica cerca de cinquenta quilómetros de São Petersburgo.

Maria Alexandrovna
Ficamos em Czarskoe Selo até ao início de Maio, quando nos mudamos para Peterhoff, a residência de verão no Golfo da Finlândia. Lá existem várias residências imperiais e o grande palácio é usado para cerimónias de estado. O parque é limitado pelo calmo Báltico de um lado. No horizonte vê-se a cidade de Kronstadt, rodeada pelos seus fortes. Há uma pequena igreja inglesa onde vive um capelão durante o verão que trabalha com os marinheiros. Kronstadt é o segundo lugar mais seguro do mundo e, até muito recentemente, era considerado impenetrável por causa do gelo. Contudo, a quebra do gelo mudou tudo. O lugar mais seguro do mundo é, claro, Gilbraltar.

As pequenas grã-duquesas começaram a ir regularmente à igreja desde bebés. Foi durante este ano que a grã-duquesa Olga começou a compreender o que lá se dizia. Chegou a casa um dia e disse-me: “o padre rezou pela mamã e pelo papá, pela Tatiana e por mim, pelos soldados, pelos marinheiros, os pobres doentes, as maçãs e as pêras e por Madame G.” Contestei quando falou desta última e ela respondeu-me: “Mas eu ouvi-o dizer ‘Maria Feodorovna’!” Então disse-lhe que se calhar se estava a referir à avó dela, mas ela protestou: “Não! A avó chama-se Amama [avó em dinamarquês], ou Sua Majestade, mas não se chama Maria Feodorovna.” Disse-lhe: “Também se chama Maria Feodorovna”, mas ela não aceitou: “ninguém tem mais de dois nomes e tenho a certeza que a Madame G. ia ficar muito contente se soubesse que os padres rezam sempre por ela na igreja.”

Olga Nikolaevna com a avó Maria Feodorovna
Foi em Peterhoff, durante o quente mês de Junho, que nasceu a pequena grã-duquesa Maria. Penso muitas vezes que ela já nasceu boa, com o mínimo sinal do pecado original. O grão-duque Vladimir costumava chamar-lhe “o bebé amigável”, por ela ser tão boa e estar sempre a sorrir e alegre. É uma criança muito bonita e amorosa, com grandes olhos azuis-escuros e as sobrancelhas negras da família Romanov. Há pouco tempo, um cavalheiro ao falar dela disse que tinha o rosto de um anjo de Botticelli. Mas por muito boa e gentil que seja, também é muito humana, como as seguintes histórias vão mostrar. Um dia, quando ela ainda era muito pequena, estava no boudoir da imperatriz onde o imperador e a imperatriz estavam a tomar chá. A imperatriz tinha umas wafers pequenas com sabor a baunilha que se chamavam Biblichen, das quais as crianças gostavam muito, mas não tinham permissão para pedir nada enquanto estivessem na mesa. A imperatriz mandou-me chamar e quando cheguei a pequena Maria estava de pé, no meio da sala, com os olhos lavados em lágrimas e a engolir alguma coisa apressadamente. “Pronto! Comi tudo!”, disse ela, “Agora já não as podem comer!” Fiquei muito admirada e sugeri logo que se mandasse a criança para cama de castigo. A imperatriz disse: “Muito bem, leve-a”, mas o imperador interrompeu-a e pediu que a deixássemos ficar, dizendo: “Já estava com medo que lhe começassem a crescer as asas, ainda bem que ela é só uma criança humana.” Servia muitas vezes de exemplo para as suas irmãs mais velhas que declararam que ela era uma meia-irmã. Disse-lhes em vão que, nos contos de fadas, eram as irmãs mais velhas que eram as meias-irmãs e que a terceira é que era a irmã verdadeira. Elas não me ouviam e excluíam-na de todas as suas brincadeiras. Disse-lhes que ela não ia aguentar aquele comportamento para sempre e que, um dia, elas seriam castigadas. Um dia, as duas mais velhas fizeram uma casa com cadeiras numa ponta do berçário e não deixaram entrar a pobre Maria, dizendo-lhe que ela podia fazer de mordomo, mas que, para isso, tinha de ficar do lado de fora. Fiz outra casa do outro lado e ela brincou lá. De repente, a Maria correu para o outro lado do quarto, foi até à casa das irmãs, deu um estalo na cara a cada uma delas e foi para o quarto ao lado, voltando vestida com o manto de uma boneca e um chapéu e as mãos cheias de brinquedos pequenos. “Não vou ser o mordomo, vou ser a tia boa e gentil que dá brinquedos!”, disse ela. Depois distribuiu os brinquedos, beijou as suas “sobrinhas” e sentou-se. As irmãs dela olharam uma para a outra envergonhadas e depois a Tatiana disse: “Fomos tão más para a pobre Maria e ela não resistiu a bater-nos.” Aprenderam a lição e a partir daí passaram a dar-lhe os direitos de família que ela merecia.

Maria Nikolaevna
Desde muito cedo que o amor pelo pai era muito visível. Quando ainda mal conseguia andar, a Maria tentava sempre fugir do berçário para ir ter com o papá e sempre que o via no jardim ou no parque, chamava-o. Se ele a ouvisse ou visse, esperava sempre por ela para a poder levar um pouco ao colo.

Quando ele esteve doente na Crimeia, sofreu muito por não o poder ver. Tinha de trancar a porta do berçário, senão ela fugia para o corredor e incomodava-o com os seus esforços para chegar até ele. Todas as noites, depois do chá, sentava-se no chão, mesmo encostada à porta do berçário, a ouvir os sons que podiam vir do quarto. Se ouvisse a voz dele por acaso, esticava os braços e começava a chamar pelo pai e a sua alegria quando o pôde ver foi enorme. Quando a imperatriz foi visitar as crianças na primeira noite depois de ter sido diagnosticada a febre tifóide, estava a usar um broche que tinha um retracto em miniatura do imperador. No meio de lágrimas e soluços, a pequena Maria reparou nele. Subiu para o colo da mãe e cobriu a fotografia de beijos, recusando-se a ir para a cama durante todas as noites em que a doença durou sem beijar esta miniatura.

Maria Nikolaevna com a mãe Alexandra
Texto retirado do livro "Six Years at the Russian Court" de Margaret Eager


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