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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O Último Inverno em Czarskoe Selo - Robert K. Massie (Parte 3)


A morte de Rasputine foi um acto monárquico. Foi planeada por um grão-duque, um príncipe e um deputado de direita com o objectivo de purificar o trono e recuperar o prestígio da dinastia. Foi também uma forma de eliminar a própria imperatriz dos assuntos do governo, já que os conspiradores acreditavam que era Rasputine o poder que a incitava. O czar, pensavam eles, ficaria então livre para escolher ministros e seguir uma política que salvasse a monarquia e a Rússia. Era esta a esperança de muitos membros da família imperial, que na sua maioria, não gostou da forma como o monge foi assassinado, mas ficou aliviada por o ver morto.

Rasputine
O facto de o czar ter castigado o grão-duque Dmitri e o príncipe Félix Yussupov, ainda que de forma bastante branda, foi uma desilusão. A família assinou uma carta em conjunto dirigida a Nicolau onde pediam para que Dmitri fosse perdoado e a formação de um governo responsável. Nicolau, que estava já ofendido com o facto de membros da sua família estarem envolvidos no assassinato, ficou ainda mais indignado com a carta: “Não me permito que ninguém me dê conselhos”, respondeu ele furioso. “Um assassinato é sempre um assassinato. De qualquer forma sei que a consciência de muitos que assinaram esta carta não está leve.” Alguns dias depois, quando soube que um dos grão-duques que tinha assinado a carta, o liberal Nicolau Mikhailovich, andava por todos os clubes sociais que frequentava em Petrogrado a criticar abertamente o governo, o czar ordenou-lhe que deixasse a capital e se refugiasse numa das suas propriedades no campo.

Dmitri Pavlovich, um dos assassinos de Rasputine
Longe de apaziguar a separação que havia entre a família Romanov, o assassinato serviu apenas para a aumentar ainda mais. A imperatriz-viúva estava profundamente alarmada: “Uma pessoa devia (…) perdoar”, escreveu Maria Feodorovna a partir de Kiev. “Tenho a certeza que sabes o quanto a tua resposta brusca ofendeu a família, atirando-lhes para cima uma acusação horrível e completamente injustificada. Espero que alivies o fardo do pobre Dmitri e não o deixes na Pérsia (…) O pobre tio Paulo [pai de Dmitri] escreveu-me em desespero por nem sequer ter tido a oportunidade de se despedir (…) Este comportamento nem parece teu (…) preocupa-me muito.”

Maria Feodorovna
O grão-duque Alexandre Mikhailovich, cunhado e primo do czar, deixou apressadamente a sua casa em Kiev para se dirigir a Czarskoe Selo com o objectivo de pedir a Nicolau que retirasse a imperatriz do governo e que deixasse a Duma governar de forma eficiente. Este era o “Sandro” da juventude de Nicolau, o seu alegre companheiro nos jantares com Kschessinska, o marido da sua irmã Xenia e sogro do príncipe Félix Yussupov. Alexandro encontrou a imperatriz deitada na cama, vestida com uma camisa-de-noite branca bordada a renda. Apesar de o czar estar presente, sentado numa cadeira ao lado da cama de casal, a fumar calmamente, o grão-duque foi directo ao assunto: “A forma como interferes nos assuntos de estado está a prejudicar (…) o prestígio do Nicky. Tenho sido sempre um amigo fiel, Alix, há vinte-e-quatro anos (…) e como teu amigo tenho de te dizer que todas as classes da nossa população se opõem às tuas políticas. Tens uma bela família, com filhos, porque é que não podes deixar os assuntos de estado para o teu marido, Alix? Por favor!”

Quando a imperatriz respondeu, dizendo que era impossível um autocrata partilhar os seus poderes com um parlamento, o grão-duque disse: “Estás muito enganada, Alix. O teu marido deixou de ser um autocrata no dia 17 de Outubro de 1905.”

Alexandre Mikhailovich
O encontro acabou mal, com o grão-duque Alexandre a gritar enfurecido: “Lembra-te que eu fiquei calado trinta meses, Alix! Durante trinta meses nunca disse (…) uma palavra sobre os assuntos vergonhosos do nosso governo, ou melhor, do teu governo. Estou a ver que estás disposta a perecer e que o teu marido concorda contigo, mas então e nós? (…) Não tens o direito de arrastar os teus parentes contigo para o precipício!” Nesta altura, Nicolau interrompeu-o calmamente e levou o primo para fora do quarto. Mais tarde, já em Kiev, Alexandre escreveu: “Uma pessoa não pode governar um país sem ouvir a voz do povo (…) Por mais estranho que possa parecer, é o governo que está a preparar a revolução (…) o governo está a fazer os possíveis para aumentar o número de descontentes e está a conseguir fazê-lo de forma admirável. Estamos a assistir a um espectáculo sem precedentes no qual a revolução parte de cima e não debaixo.”

Alexandre Mikhailovich
Um ramo da família imperial, os Vladimirovich, não se contentavam com cartas, e falavam abertamente de uma revolução no palácio que iria substituir os seus primos à força. A grã-duquesa Maria Pavlovna e os grão-duques Kyril, Boris e André – a viúva e os filhos do tio mais velho do czar, o grão-duque Vladimir - tinham ressentimentos muito enraizados no passado. O próprio Vladimir, um homem duro e ambicioso, sempre teve inveja do seu irmão mais velho, Alexandre III, e digeriu muito mal a ascensão ao trono do seu brando sobrinho. Um anglófobo convicto, Vladimir ficou furioso quando Nicolau escolheu uma consorte que, apesar de ter nascido em Darmstadt, era neta da rainha Vitória. Maria Pavlovna, que também era alemã, era a terceira grande senhora do Império Russo, aparecendo logo depois das duas imperatrizes. Socialmente, Maria era tudo o que Alexandra não era. Energética, ponderada, inteligente, instruída, dedicada aos boatos e intrigas e abertamente ambiciosa pelo futuro dos seus três filhos, transformou o seu grandioso palácio no Neva numa corte brilhante, que ofuscava facilmente a de Czarskoe Selo. Nas conversas animadas que dominavam os seus jantares e festas, criticas e escorno ao casal imperial eram temas frequentes. A grã-duquesa nunca se esquecia que depois do czarevich, que estava doente, e do irmão do czar, que estava casado com uma plebeia, o próximo na linha de sucessão era o seu filho Kyril.

Helena Vladimirovna, André Vladimirovich, Boris Vladimirovich, Kiril Vladimirovich e Vitória Melita
Além do mais, cada um dos seus filhos tinha as suas razões para manterem relações complicadas com o czar e a imperatriz. Kyril estava casado com a ex-mulher do irmão de Alexandra, o grão-duque Ernesto de Hesse. André tinha como amante a bailarina Mathilde Kschessinska, que tinha tido uma relação com Nicolau antes de ele se casar. Boris, o filho do meio de Vladimir, tinha pedido Olga, a filha mais velha do czar, em casamento. A imperatriz, numa carta ao marido, expressou alguma da repulsa que sentia por Boris: “A sua esposa seria arrastada para um cenário horrível (…) intrigas sem fim, maneiras e conversas levianas (…) um homem meio-gasto, blasé (…) de trinta e oito anos para uma menina pura e jovem dezoito anos mais nova do que ele, a viver numa casa na qual tantas mulheres já “partilharam” a sua vida! Uma menina inexperiente iria sofrer muito com um marido em quarta ou quinta mão ou mais!” Como a proposta de casamento tinha sido feita não só em nome de Boris, mas também em nome da sua mãe, Alexandra passou a ter grande ressentimento por Maria Pavlovna.

Boris Vladimirovich
Rodzianko sentiu o gosto desta amargura e da conspiração crescente quando, em Janeiro de 1917, foi convidado com urgência a almoçar no Palácio de Vladimir. Depois do almoço, escreveu ele, a grã-duquesa “começou a falar do estado do país no geral, da incompetência do governo, de Protopopov e da imperatriz. Fez referência ao nome desta última e começou a ficar cada vez mais entusiasmada, falando da sua influência nefasta e na interferência que tinha em tudo e disse que estava a destruir o país, que era a causa do perigo que ameaçava o imperador e o resto da família imperial, que estas condições já não eram toleráveis, que algo tinha de mudar, algo tinha de ser feito, retirado, destruído…”

Desejando compreender melhor o que ela queria dizer, Rodzianko perguntou: “O que quer dizer com ‘removido’?”

“A Duma tem de fazer alguma coisa. Ela tem de ser aniquilada.”

“Quem?”

“A imperatriz.”

“Vossa Alteza”, disse Rodzianko, “permita-me que finja que esta conversa nunca aconteceu, porque se a senhora se está a dirigir a mim na qualidade de presidente da Duma, o meu juramento de lealdade obriga-me a que vá falar imediatamente com Sua Mjestade Imperial para o informar de que a grã-duquesa Maria Pavlovna me acabou de dizer que a imperatriz deve ser aniquilada.”

Maria Pavlovna
Durante várias semanas, o golpe dos grão-duques foi o assunto mais falado em Petrogrado. Toda a gente sabia os seus detalhes: quatro regimentos da guarda imperial iriam entrar em Czarskoe Selo de noite e capturar a família imperial. A imperatriz seria presa num convento – o método russo clássico para se livrar de imperatrizes indesejadas – e o czar seria forçado a abdicar a favor do seu filho, tendo o grão-duque Nicolau como regente. Ninguém, nem sequer a polícia secreta que tinha reunido todos os pormenores, levou os grão-duques a sério. “Ontem à noite”, escreveu Paléologue a 9 de Janeiro, “o príncipe Gabriel Constantinovich organizou um jantar em honra da sua amante que já foi actriz. Entre os convidados encontravam-se o grão-duque Boris (…), alguns oficiais e um esquadrão de cortesãos elegantes. Durante a refeição só se falou da conspiração – dos regimentos da guarda imperial nos quais se pode confiar, no momento mais favorável para a revolta, etc. E tudo isto aconteceu enquanto os criados de movimentavam de um lado para o outro, prostitutas a olhar e a ouvir, ciganos a cantar e todos os convidados a beber Moet e Chandon brut imperial que era servido com abundância.”

Nicolau e Alexei nas celebrações do centenário da Dinastia Romanov

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