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segunda-feira, 14 de novembro de 2016

O outro Nicolau e a outra Alexandra - Nicolau I e Alexandra Feodorovna (Carlota da Prússia) - Segunda Parte

Nicolau I e Alexandra Feodorovna
A ascenção de Nicolau ao trono foi um golpe duro para a família. Alexandra passou o dia em que o marido subiu ao trono a rezar com os filhos. Estava aterrorizada. Quando era criança, tinha visto a sua família a fugir de Berlim por causa dos exércitos de Napoleão e, agora, o seu marido enfrentava homens armados nas ruas da sua capital. As horas de ansiedade, à espera de notícias do marido, deixaram-na com um tique nervoso na cabeça que um grupo de pessoas que visitou a corte vinte anos depois ainda viu. A sua saúde nunca recuperou completamente. O pequeno czarevich também ficou afectado. Os seus tutores repararam num certo nível de timidez que nunca tinha existido e uma tendência para desistir das coisas quando elas se tornavam demasiado complicadas. Alexandre temia o dia em que o trono iria cair nas suas mãos.

O futuro czar Alexandre II
A família precisava de privacidade e sentiam-se mais felizes em Alexandria Peterhof, a propriedade que Alexandra tinha recebido do seu cunhado. Este era o palácio privado deles, "o nosso cantinho favorito neste mundo". Em 1832, tinham sete filhos e Nicolau adorava-os a todos. O czarevich era bonito e alegre. Quando cavalgou com as tropas na coroação do pai, o czar quase rebentou de orgulho. Nicolau adorava o filho, apesar de se preocupar com o facto de ele ser demasiado sonhador e não se entusiasmar muito com o exército. Maria era baixa para a idade, enquanto que Olga já tinha a mesma altura da mãe aos doze anos de idade. A pequena Alexandra era "uma querida" e quando Constantino, o seu segundo filho varão, nasceu, o seu pai chorou de alegria. Disse que Constantino era "pequeno e feio, mas muito invulgar". Depois, tiveram ainda mais dois rapazes, Nicolau e Miguel, que o pai dizia serem "muito simpáticos (...) os meninos dos meus olhos."

Olga e Alexandra Nikolaevna, filhas do meio de Nicolau e Alexandra
Nicolau e Alexandra eram pais excepcionais e não permitiam nenhum tipo de bajulação que complicasse a vida dos filhos. Os jovens Romanov mantinham-se afastados da corte e foram criados de forma simples; até os criados recebiam ordens para não os tratar pelos títulos, mas sim pelo nome próprio e pelo patronímico, como era normal na Rússia. Passavam sempre os seus serões com os pais, ou pelo menos com a mãe, a jogar jogos, a representar em peças de teatro e a tocar música. Uma vez, o embaixador francês perguntou se podia conhecer o czarevich. Esperava ter uma audiencia no Palácio de Inverno e ficou espantado quando foi levado até ao parque em Czarskoe Selo para ver o rapaz a brincar com as irmãs. O czar explicou que temia que apresentar o filho a pessoas importantes num ambiente formal poderia ser uma má influência para ele.

Nicolau I e Alexandra Feodorovna a chegar de carroça a Alexandria Peterhof
Nicolau estava a preparar o czarevich para um futuro em mudança e, apesar de o seu próprio reinado ser repressivo, o czar compreendia os pedidos de reforma e reconhecia que a escravatura era injusta. No entanto, sabia também que era fundamental para a organização do império e não podia ser abolida facilmente. O Conde Kisselev, ministro dos domínios imperiais, recebeu ordens para analisar as medidas que poderiam ser tomadas e chegaram mesmo a haver algumas mudanças tímidas, mas Nicolau nunca conseguiu apoio para a abolição completa. Acreditava na autocracia e via-se como o único defensor do povo. Era ele que tratava até dos pormenores mais mundanos pessoalmente e viajou extensamente por todo o império para ouvir as preocupações individuais dos seus súbditos. Nicolau era severo, mas também conseguia ser gentil: em certa ocasião, saiu da sua carruagem para caminhar numa procissão fúnebre de um homem que não tinha mais ninguém. Entretanto, a vida na corte era uma ronda constante de bailes de máscaras, jantares e entretenimento de todos os tipos. "Gosto que as pessoas se divirtam," contou Nicolau à sua irmã Ana, "assim ficam ocupados e ficam sem tempo para dizerem disparates".

Festa de Natal na corte russa na época de Nicolau I
Assim que a ordem foi restabelecida, Nicolau esforçou-se por reforçar e aumentar as fronteiras do império. Lutou contra os turcos e impôs a sua vontade nos povos do Cáucaso; em 1830, a Polónia revoltou-se e o czar reprimiu as revoltas com uma eficácia sem escrúpulos. Apesar disso, quando os outros países europeus o apelidaram de "novo Átila", Nicolau ficou ofendido. "Este pobre Átila só quer ficar calmamente em casa, feliz na companhia da sua esposa grávida de cinco meses e dos seus filhos; os seus gostos são domésticos; resumidamente, é a pessoa menos hostil e mais pacífica do mundo; - que destino tão estranho!" Os contemporâneos do czar teriam ficado espantados se soubessem que era assim que ele se via. À medida que a Europa sofria uma série de revoltas armadas, a Rússia de Nicolau tornou-se uma fortaleza construída para aguentar as influências ocidentais e na qual o czar surgia como o defensor dos valores tradicionais.

Nicolau I da Rússia
Os historiadores liberais costumam guardar os seus melhores insultos para Nicolau I. Já lhe chamaram cruel, brutal, tirânico e déspota e raramente alguém lhe dá créditos pelos feitos positivos que conseguiu ao longo do seu reinado. Mas ele era mais russo do que qualquer outro czar em mais de um século, e deu resposta ao novo movimento que surgiu no seu país, que tentava compreender o que significava verdadeiramente ser russo. Isto era mais positivo do que simplesmente fechar as fronteiras. Desde o início do seu reinado que Nicolau iniciou um programa de obras públicas e apoiava os artistas que estavam a tentar criar um novo estilo, baseado nos melhores elementos do antigo. Ajudou financeiramente Feodor Solntsev, que viajou por todo o império à procura de exemplos de desenhos tradicionais, e permitiu a publicação das descobertas que ele fez. Na década de 1830, houve um plano ambicioso para restaurar o Kremlin e acrescentar-lhe novos edifícios, para harmonizar as catedrais antigas e os palácios novos. Pouco sobrou do interior do Palácio de Terem, por exemplo. Sempre rigoroso, Nicolau rejeitou catorze esquemas decorativos antes de encontrar um que lhe agradasse.

Todo o trabalho foi feito com seriedade: o czar via o Kremlin como um património nacional que devia ser preservado para o seu povo. Tal como Pedro, o Grande tinha obrigado a Rússia a virar-se para o ocidente, Nicolau estava a tentar fazê-la voltar às suas origens. Redesenhou o aspecto da sua corte, tendo emitido um decreto em 1834 no qual voltava a instaurar vestidos de corte para as senhoras baseados nos trajes tradicionais russos. Este decreto definia o corte, cor e tecido, assim como os ornamentos exactos que as senhoras deveriam usar, dependendo do seu estatuto. Os oficiais do governo teriam de usar sempre uniforme. Com estas medidas, o czar estava a criar um cenário russo impressionante e único para a vida pública na corte.

A corte russa no tempo de Nicolau I
Em privado, Nicolau I também era um construtor ambicioso. Criou casas, pavilhões e capelas no Alexandria Peterhof e os aposentos privados da sua família no Palácio de Inverno foram redecorados no início do seu reinado. Em 1837, grande parte do Palácio de Inverno foi destruído num incêndio. Nicolau coordenou o resgate bem sucedido de muitos tesouros em pessoa enquanto o palácio ardia. Quando terminou, Nicolau declarou que o seu restauro era uma prioridade. Foi também um mecenas generoso, mas era muito exigente com os prazos. Gostava de descobrir novos artistas e não era estranho que um pintor que estivesse a trabalhar calmamente num dos parques imperiais fosse convidado a tomar chá com o czar. Em 1844, Nicolau encomendou um gigantesco programa de reconstrução do Palácio de Gatchina, mas, uma vez que tinha passado a sua infância e juventude nesse palácio, ordenou primeiro que pintassem todas as divisões antes das obras começarem, para guardar um registo visual do passado. Era extremamente emocional em tudo o que estava relacionado com a família, dando instruções para que determinadas divisões fossem mantidas exactamente como estavam. Sob a sua orientação, partes dos palácios maiores tornaram-se museus da família.

Nicolau I com a sua esposa e as filhas mais velhas
Todos os membros da família imperial eram leitores ávidos. A censura do estado era apertada, mas foi durante o reinado de Nicolau I que houve uma avalanche de livros que, actualmente, são considerados clássicos: Pushkin, Dostoevsky, Turgenev, Lermontov e Gogol floresceram nesta época. Todos criticavam o regime nas suas obras e os censores oficiais interferiam com o seu trabalho, mas nunca os impediram de escrever. Nicolau chegou mesmo a estar presente na estreia da peça "O Inspector Geral" de Gogel, no Teatro Alexandrinsky. Parece um paradoxo, mas Nicolau I era, ao mesmo tempo, profundamente repressivo e tolerante. Continuava a ser fiel ao lema que tinha no anel da Triopatia, um anel que usou a vida inteira, "Firmeza e Esperança", a firmeza autocrata que nunca diminuiu e a esperança no progresso e reforma para o futuro.

Nicolau I com Pushkin e a sua esposa Natália
Em 1842, Nicolau e Alexandra comemoraram as suas bodas de prata com um torneio medieval em Czarskoe Selo, no qual participou toda a família. A ideia de cavalheirismo apelava ao lado romântico de Nicolau, que era um grande admirador de Sir Walter Scott. Os romances de Scott eram lidos em voz alta para toda a família com grande frequência. Os dois tinham-se cruzado em 1816, quando Nicolau foi enviado a Inglaterra para estudar o sistema constitucional. Quando o seu filho mais velho chegou à idade adulta, Nicolau voltou a encontrar tempo para viajar, deixando o futuro czar Alexandre II como regente. Visitou novamente a Inglaterra e acompanhou a sua esposa Alexandra em visitas a spas europeus; em 1845 e 1846, os dois passaram algum tempo em Itália.

Nicolau I, Alexandra Feodorovna e os seus filhos nas comemorações das suas Bodas de Prata em 1842
Nesta altura, os dois já eram avós. A sua filha mais velha, Maria, tinha-se casado com o duque Maximiliano de Leuchtenberg e o czarevich tinha-se casado com a princesa Maria de Hesse-Darmstadt, e ambos os casais já tinham filhos. Nicolau e Alexandra adoravam ver a nova geração a crescer, mas também passaram por grandes tristezas. A sua primeira neta, a princesa Alexandra de Leuchtenberg, morreu aos três anos de idade e o czarevich perdeu a sua filha mais velha, a grã-duquesa Alexandra Alexandrovna pouco antes de ela fazer sete anos de idade. Em Janeiro de 1822, a filha mais nova de Nicolau e Alexandra, a grã-duquesa Alexandra Nikolaevna, casou-se com o príncipe Frederico Guilherme de Hesse-Cassel. Tal como a mãe, engravidou poucas semanas depois, mas adoeceu no verão quando estava de férias em Czarskoe Selo e deu à luz prematuramente. Segundo algumas fontes, teve febre escarlate, enquanto que outras dizem ter tido sarampo. Qualquer que tenha sido a doença, tanto ela como o bebé morreram antes do fim do dia. Os pais dela ficaram destroçados. "A nossa dor é para toda a vida", escreveu Nicolau, "é uma ferida aberta que vamos levar connosco para as nossas sepulturas". Depois destes acontecimentos, a família começou a considerar que o nome Alexandra estava amaldiçoado.

A grã-duquesa Alexandra Nikolaevna
A devoção de Nicolau e Alexandra um para o outro nunca esmoreceu. Em finais da década de 1840, a saúde de Alexandra estava cada vez mais fraca e a vida do casal tornou-se mais calma. Lady Bloomfiel, esposa do representante britânico em São Petersburgo, viu-os juntos em várias ocasiões e reparou que o comportamento de Nicolau com a esposa era "comovente e encantador (...) era tão atento e afectuoso, e, ao mesmo tempo, tão respeitador". Com a idade e a experiência, o czar tinha conseguido aprender as boas maneiras impecáveis que a sua mãe tanto tinha desejado quando ele era mais novo, e Lady Bloomfield ficou impressionada com o seu charme, gentileza e beleza que ainda não tinha esmorecido. Achou que a czarina estava "muito magra, mas não tão doente como esperava, e o rosto dela tinha vestígios de grande requinte e beleza. Os seus olhos, que eram azuis, estavam fixos no fundo da cabeça e a sua expressão era mais inteligente do que agradável. A voz dela era suave, mas falava depressa e com decisão". Ficou comovida com a gentileza de Alexandra e surpreendida e agradada por ser recebida nos aposentos privados da família imperial sem cerimónias nem formalidades.

A czarina Alexandra Feodorovna
Mas, fora do refúgio doméstico, o final da década de 1840 foi marcada por um aumento das tensões na Europa. As revoluções de 1848 não chegaram à Rússia, mas Nicolau aumentou o controlo no país e enviou um exército para ajudar o jovem imperador Francisco José na Hungria. A Rússia de Nicolau tinha-se tornado uma força admirável, mas o ajuste de contas estava próximo. Há já várias gerações que os governantes da Rússia ansiavam por anexar os países dos Balcãs que, na altura, se encontravam sob domínio turco. Nicolau esperava estabelecer-se como protector dos súbditos ortodoxos do sultão e, em 1853, os seus exércitos ocuparam as províncias da Moldávia e da Valáquia. Foi uma expansão que o ocidente não podia permitir. A guerra que se seguiu na Crimeia expôs todas as fissuras na armadura do czar e o seu império, que tinha parecido tão forte, não tinha os recursos ou a organização para competir com a aliança ocidental. Deprimido pela fraqueza do seu exército na Crimeia, a saúde de Nicolau começou a sofrer e ele acabaria por morrer no Palácio de Inverno a 18 de Fevereiro de 1855. A causa de morte oficial foi gripe, mas havia quem sugerisse que tinha sido uma discussão que tinha tido com o filho que lhe tinha provocado uma apoplexia. Outros sugeriram que se tratou de suicídio e havia também muitos que afirmavam que o imperador tinha simplesmente morrido de coração partido. Apesar de ter sido um dos governantes mais temidos da Europa, a sua prioridade nunca tinha sido o poder. Tal como disse à irmã, "a única felicidade que existe é uma vida familiar agradável. Tudo o resto não passa de uma ilusão". 

Quadro alegórico de Nicolau I no seu leito de morte com a sua filha Alexandra Nikolaevna e a neta Alexandra Alexandrovna representadas como anjos.
Alexandra viveu durante mais cinco anos. Retirou-se para o Palácio de Alexandre em Czarskoe Selo, e continuou a organizar jantares enquanto a saúde lhe permitiu. Nunca deixou de se preocupar com a sua família e as suas vidas e avisou o seu filho mais velho dos perigos da reforma. De uma coisa nunca duvidou: ao recordar o dia do seu casamento, escreveu: "com toda a confiança, coloquei a minha vida nas mãos do meu Nicolau e ele nunca quebrou essa confiança".

A czarina Alexandra Feodorovna

Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat

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