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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Um Voo de Pombas - Os primeiros anos de Alexandre II - Primeira Parte

A imperatriz Alexandra Feodorovna com os seus dois filhos mais velhos: Maria e Alexandre
Em meados do século XIX, a ideia de um trono passar pacificamente de pai para filho era uma novidade na Rússia, onde, ao longo de duzentos anos, a sucessão tinha sido problemática e, muitas vezes, violenta. Alexandre I tornou-se czar após o assassinato do pai e muitos suspeitavam que ele tinha estado envolvido no mesmo; a sombra dessa dúvida nunca o abandonou. O seu irmão mais novo foi obrigado a subir ao trono que não queria devido à repressão violenta da Revolta Dezembrista. Por isso, quando Nicolau I morreu na sua cama e deixou um filho capaz, com experiência e pronto para assumir o governo do país, até os inimigos da dinastia estavam prontos para acreditar num futuro melhor. Mas este tipo de esperança já rodeava o czar desde o seu nascimento.

Alexandre II com a sua irmã Maria Nikolaevna
Os presságios favoráveis e ruinosos acompanham sempre os príncipes como uma sombra. Quando a criança que se tornaria no "Czar Libertador" da Rússia nasceu no Kremlin em Abril de 1818, todos os sinos de Moscovo estavam a tocar para celebrar a Páscoa. Diz-se que um bando de pombas brancas sobrevoou o telhado do Mosteiro Chudov, onde, tradicionalmente, os bebés imperiais eram baptizados. Muitas vezes repetida, esta história acabaria por simbolizar o pesado fardo de esperança e expectativa que Alexandre Nikolaevich sempre carregou consigo. Ao descrever o seu nascimento muitos anos depois, a sua mãe lembra-se de se ter sentido "um tanto solene e melancólica, ao pensar que aquele menino seria um dia o imperador". 

Alexandre Nikolaevich
Existem pequenos vislumbres da infância de Alexandre Nikolaevich nas cartas da sua avó, a imperatriz Maria Feodorovna. "O menino (...) muda todos os dias. É uma criança encantadora (...) sobe às árvores, mas acho que consegue livrar-se das situações mais perigosas. Baloiça-se nos ramos, salta por todo o lado (...) o Sasha é ágil como um macaquinho". Protegido por uma família anormalmente chegada e afectuosa, Alexandre não tinha noção da importância da sua posição. O seu pai, o grão-duque Nicolau Pavlovich, era severo, mas também sabia dar o braço a torcer e brincar com os filhos nas alturas certas e, muitas vezes, tinha um papel activo nos seus jogos. Quando Alexandre tinha seis anos de idade, o gentil capitão Karl Merder foi nomeado para substituir as suas amas e governantas, mas o padrão pacifico da sua vida não foi perturbado por esta mudança.


Alexandre com a sua irmã Maria Nikolaevna
Uma outra mudança que teve um impacto mais palpável aconteceu em 1825, quando o seu pai Nicolau subiu ao trono da Rússia num período de caos e violência. Quando os Dezembristas dispararam os primeiros tiros na Praça do Senado, a ideia de russos a derramar sangue uns dos outros parecia uma novidade assustadora, no entanto, com o passar do tempo, tornar-se-ia em algo demasiado familiar. O pequeno Alexandre não deve ter percebido o que estava a acontecer à sua volta. Durante alguns dias mais tensos, teve de sair de sua casa e foi colocado sob a protecção dos Guardas Finlandeses, no pátio iluminado a tochas do Palácio de Inverno, e ficou ao lado da sua mãe destroçada enquanto ela rezava pela protecção do marido. Foi uma apresentação assustadora ao mundo do poder político. Desde cedo que Alexandre começou a ser educado para levar a cabo as reformas que a Rússia tanto precisavam nas temia as forças que as reformas mal executadas poderiam libertar. A sombra daqueles dias de Dezembro nunca o abandonou. Mas nunca houve um príncipe melhor preparado do que ele: em 1826, Nicolau I ofereceu ao poeta Zhukovsky a posição de tutor do herdeiro, em parceria com Merder.

Alexandre Nikolaevich
Perante os acontecimentos, Zhukovsky parece ter sido uma escolha improvável. Filho ilegítimo de um proprietário das províncias, a sua mãe tinha sido uma refém adolescente, levada para a Rússia depois de uma das guerras do império contra a Turquia. O seu pai proporcionou-lhe uma boa educação, com o objectivo de o preparar para o serviço público, mas o jovem Zhukovsky nunca se sentiu atraído por essa área. Foi andando de emprego em emprego até que os seus poemas chamaram a atenção da imperatriz-viúva Maria Feodorovna. Foi na sua casa que Zhukovsky floresceu e, quando o seu filho Nicolau casou com a princesa de Berlim, o poeta foi o escolhido para lhe ensinar a língua russa. Seria Alexandra a pedir ao marido para nomear Zhukovsky para tutor do seu filho mais velho. O poeta mostrou ser imune às tentações da vida na corte. Honesto e idealista, dizia aquilo que pensava sem temer represálias e nunca se aproveitou da sua posição privilegiada junto dos imperadores. Acabaria por morrer relativamente pobre.

Vasily Zhukovsky, tutor de Alexandre.
Ainda antes de iniciar o seu trabalho, Zhukovsky emitiu um proteste veemente contra a introdução do czarevich de oito anos à vida militar. Tinha sido permitido ao rapaz andar de cavalo ao lado das tropas durante a parada da coroação do seu pai: as multidões adoraram o momento e Nicolau não conseguiu esconder o seu orgulho, mas Merder reparou que Alexandre ficou demasiado entusiasmado depois e não se conseguia concentrar nas suas lições. "Senhora, perdoe-me," escreveu Zhukovsky à czarina, "uma paixão demasiado desenvolvida pela arte da guerra - mesmo se encorajada durante uma parada - seria prejudicial para o corpo e para a mente (...) ele acabaria por ver o seu povo como um regimento gigantesco e o seu país como um quartel". Inicialmente, o czar ficou furioso, mas quando o tutor ameaçou demitir-se, acabou por ceder e ouviu as ideias do poeta.

Alexandre Nikolaevich
Zhukovsky definiu um programa de estudos de nove anos para o czarevich. Alexandre teria dois colegas com quem iria partilhar as suas lições, num ambiente escolar estruturado que não deveria ser interrompido por qualquer dever cerimonial. Os três iriam dormir, comer, trabalhar e brincar juntos: a competição entre eles eram mal vista, e os rapazes foram encorajados a discutir os livros que andavam a ler uns com os outros, assim como a escrever diários. As áreas mais importantes da sua formação foram história, línguas e uma temática religiosa. À medida que foram progredindo, os rapazes também começaram a aprender ciências, direito e filosofia. O bom-comportamento era recompensado com a oportunidade de colocar dinheiro na caixa para os pobres - algo que poderia ser uma receita para o desastre noutras salas-de-aula. O treino militar era uma parte secundária do programa, durante o qual aprendiam esgrima, ginástica e equitação. Aos domingos as aulas eram substituídas por trabalhos manuais e passeios.

Alexandre Nikolaevich
Quando estava bem-disposto, Alexandre era uma criança educada e honesta, era visivelmente inteligente e tinha uma natureza generosa. Ficava comovido com qualquer sinal de sofrimento e tristeza. Mas, apesar de tudo, não deixava de ser um rapaz normal que também tinha momentos de travessuras e preguiça, e os seus tutores repararam que tinha a tendência preocupante de transformar qualquer pequeno percalço numa crise. Chorava com demasiada facilidade e, muitas vezes, sem motivo. Com paciência e com o passar do tempo, Zhukovsky descobriu temia a sua herança, por ter ainda na memória a violência da Revolta Dezembrista, que associava à subida ao poder do pai. Alexandre tinha onze anos quando a sua mãe deu à luz um segundo filho varão. Alexandre terá dito: "Estou tão feliz. Assim o papá vai poder escolhê-lo a ele para herdeiro".

Nicolau I (centro) com Alexandre (esquerda), Constantino (direita), Nicolau e Miguel durante a Guerra da Crimeia.
Apesar de Zhukovsky ser gentil, o seu idealismo exacerbado também pode ter contribuído para os medos do seu aluno. Em certa ocasião, deu a Alexandre um ensaio no qual definia aquele que, do seu ponto de vista, era o governante ideal, e o futuro czar guardou-o consigo o resto da vida. "Respeita a lei," escreveu Zhukovsky, "uma lei que seja negligenciada pelo czar nunca será cumprida pelo povo (...). Respeita a opinião pública, pois esta ilumina muitas vezes o soberano (...). Governa pela ordem, não pelo poder (...). Ama o teu povo; a não ser que o czar ame o seu povo, o povo não pode amar o seu czar". O tutor também deixou a seguinte nota na secretária de Alexandre: "Serás tu a entrar na História um dia. Isso é inevitável pelo acaso do teu nascimento. A História irá julgar-te antes do resto do mundo e esse julgamento será para todo o sempre". Era uma perspectiva aterrorizante para um rapaz de onze anos.

Alexandre Nikolaevich
Nesse mesmo ano, em 1829, Alexandre participou em manobras militares pela primeira vez. O seu pai notou uma certa falta de entusiasmo, o que levou ao aumento das tensões entre o czar e os tutores do filho. Nicolau queria que se desse mais importância às ciências militares e ficou chocado quando Zhukovsky escolheu para tutor de História do filho o professor Arseniev, que tinha sido expulso da universidade onde dava aulas por ter atacado a corrupção do sistema judicial. Zhukovsky argumentou que Alexandre tinha de compreender em que estado se encontrava realmente o país. Um professor de religião de quem ele gostava particularmente foi dispensado devido às suas simpatias por dissidentes. À medida que as tensões entre a escola e a corte aumentavam, Alexandre começou a levar as aulas menos a sério e a discutir com os seus companheiros. Em 1832, Merder sofreu um pequeno ataque cardíaco. Arseniev culpou Alexandre pelo sucedido e ele desfez-se em lágrimas e prometeu que se iria portar melhor.


Alexandre Nikolaevich
Alexandre estava prestes a iniciar uma nova etapa da sua vida. Em 1834, quando fez dezasseis anos de idade, tornou-se no primeiro príncipe Romanov a fazer um juramento de lealdade ao czar - com o passar do tempo, este iria tornar-se num ritual de passagem importante para todos os homens da família imperial. As palavras e o cenário eram esmagadores: na capela do Palácio de Inverno, perante uma congregação de cortesãos, representantes do governo, convidados estrangeiros e do clero, o jovem prometeu obedecer ao pai "em tudo, sem poupar o meu corpo, até à minha última gota de sangue". "Pushkin recordou que todos os presentes "ficaram profundamente comovidos". Muitos não conseguiram segurar as lágrimas. Alexandre herdou a sua fortuna naquele dia e, por opção própria, ofereceu quantias de dinheiro generosas aos governadores-gerais de São Petersburgo e Moscovo para que eles as distribuíssem pelos pobres. Só muito mais tarde é que soube que Merder, que tinha ido para Itália para descansar e recuperar a saúde, tinha sofrido outro ataque cardíaco alguns dias antes da cerimónia e que a última palavra que tinha dito antes de morrer tinha sido o nome do seu aluno.


Alexandre Nikolaevich
O czarevich voltou para a sala de aulas com a determinação de ter sucesso. Sentia-se culpado e triste por Merder e a única forma que encontrou para se sentir melhor foi através do trabalho. Ainda faltavam três anos para concluir o sistema de nove criado por Zhukovsky e, no exame final, o jovem de dezanove anos mostrou que dominava várias áreas de conhecimento e que possuía uma compreensão profunda do mundo à sua volta. Mas, além das aulas, Alexandre também passou os seus três últimos anos de estudo a conhecer a sociedade. Todos os queriam ver e, para um rapaz habituado a camas de campanha e a salas-de-aula funcionais, esta nova vida deve ter parecido cheia de tentações. Inevitavelmente, começaram a surgir alguns rumores de que o czarevich estava apaixonado, mas nada escandaloso. Além do mais, Alexandre detestava lisonjas. Não demorou muito até toda a corte estar rendida ao seu futuro imperador.

Alexandre Nikolaevich
Com a sua educação formal concluída, Alexandre foi enviado para uma visita de sete meses pela Rússia, com uma agenda de visitas exigente elaborada pelo pai. Na companhia de Zhukovsky e do General Kavelin, o substituto de Merder, o herdeiro viajou por todo o país a uma velocidade estonteante. "Até quando estamos na cama à noite," queixou-se Zhukovsky à czarina, "sentimos que ainda estamos a galopar". As vilas que iam surgindo pelo caminho organizaram recepções civis, missas nas igrejas, banquetes e bailes, e os dignitários locais faziam fila para conhecer o seu futuro governante. Os camponeses faziam caminhadas de vários quilómetros só para ver a carruagem de Alexandre a passar. O grupo visitou escolas, hospitais, fábricas, instituições caritativas e igrejas; Alexandre observava e ouvia com interesse, mas sabia que ainda lhe faltava ver muita coisa.

Alexandre Nikolaevich
Alexandre começou a pedir para parar nas aldeias mais sujas e negligenciadas, nas quais saía da carruagem e caminhava, entrando nas cabanas dos camponeses como convidado. Não se importava que estas visitas não planeadas atrasassem a sua agenda. Para os camponeses devem ter parecido visitas fora deste mundo, mas se alguém se sentisse demasiado intimidado para falar, pelo menos Alexandre podia ver com os seus próprios olhos como viviam. O seu itinerário incluía uma visita à Sibéria, onde a família imperial nunca tinha estado. Enquanto lá esteve, decidiu ir visitar os campos de prisioneiros para falar com eles enquanto estes arrastavam as suas correntes. Em Tobolsk, fez um desvio especial para conhecer os Dezembristas exilados, responsáveis por uma rebelião da qual ele tinha as piores recordações. As condições do seu exílio deixaram-no de tal forma chocado que Alexandre escreveu uma carta arrebatadora ao pai a pedir-lhe clemência. O czar ouviu, mas não fez nada.

Nicolau I e Alexandre Nikolaevich
É fácil ver estas histórias com algum cinismo. Alexandre vinha do nível mais privilegiado da sociedade e quando a sua visita acabasse, ele podia regressar aos seus palácios. Mas os seus sentimentos eram genuínos e duradouros: ele insistiu em ver o verdadeiro estado em que se encontrava a Rússia, e não admira que tenha sido a fonte de grandes esperanças. O desafio seria quando o seu desejo de fazer o bem tivesse de ser traduzido em acções políticas duras. Nessa altura, as certezas dos ensinamentos de Zhukovsky, de que a opinião pública ficaria sempre do lado de um governante justo, e de que, se um governante que amasse o seu povo, este iria sempre amá-lo em troca, já não fariam tanto sentido.


Alexandre Alexandrovich
No entanto, por agora, tudo o que Alexandre fazia se transformava em ouro. A Rússia adorava-o e a sua missão seguinte seria uma digressão pela Europa pela qual os seus pais ansiavam com urgência uma vez que os rumores sobre as paixões de Alexandre se tinham transformado em realidade. Em inícios de 1838, Alexandre tinha-se apaixonado profundamente por uma dama-de-companhia polaca chamada Olga Kalinovskaya e, apesar de o czarevich saber que nunca se poderia casar com ela, os pensamentos de como poderia ser uma vida ao pé dela atormentavam-no. Alexandre iria apaixonar-se com demasiada facilidade e demasiado envolvimento o resto da vida. O seu pai compreendia-o e estava ansioso por o levar a conhecer o mundo, por o manter ocupado e por lhe encontrar uma esposa adequada. O czar planeou um calendário exaustivo para o filho que Alexandre seguiu com vontade, mas não demorou muito até o ritmo o começar a afectar. No início do verão de 1838, quando se encontrava em Copenhaga, Alexandre apanhou uma constipação que rapidamente se agravou e transformou numa bronquite que o obrigou a passar vários dias de cama. Finalmente a sua comitiva chegou até Ems, mas acabaram por ficar retidos na cidade durante três meses, devido aos ataques de tosse agoniantes e às febres que o czarevich não conseguia curar. Durante o resto da viagem, sofreu de asma.

Olga Kalinovskaya 

Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

O outro Nicolau e a outra Alexandra - Nicolau I e Alexandra Feodorovna (Carlota da Prússia) - Segunda Parte

Nicolau I e Alexandra Feodorovna
A ascenção de Nicolau ao trono foi um golpe duro para a família. Alexandra passou o dia em que o marido subiu ao trono a rezar com os filhos. Estava aterrorizada. Quando era criança, tinha visto a sua família a fugir de Berlim por causa dos exércitos de Napoleão e, agora, o seu marido enfrentava homens armados nas ruas da sua capital. As horas de ansiedade, à espera de notícias do marido, deixaram-na com um tique nervoso na cabeça que um grupo de pessoas que visitou a corte vinte anos depois ainda viu. A sua saúde nunca recuperou completamente. O pequeno czarevich também ficou afectado. Os seus tutores repararam num certo nível de timidez que nunca tinha existido e uma tendência para desistir das coisas quando elas se tornavam demasiado complicadas. Alexandre temia o dia em que o trono iria cair nas suas mãos.

O futuro czar Alexandre II
A família precisava de privacidade e sentiam-se mais felizes em Alexandria Peterhof, a propriedade que Alexandra tinha recebido do seu cunhado. Este era o palácio privado deles, "o nosso cantinho favorito neste mundo". Em 1832, tinham sete filhos e Nicolau adorava-os a todos. O czarevich era bonito e alegre. Quando cavalgou com as tropas na coroação do pai, o czar quase rebentou de orgulho. Nicolau adorava o filho, apesar de se preocupar com o facto de ele ser demasiado sonhador e não se entusiasmar muito com o exército. Maria era baixa para a idade, enquanto que Olga já tinha a mesma altura da mãe aos doze anos de idade. A pequena Alexandra era "uma querida" e quando Constantino, o seu segundo filho varão, nasceu, o seu pai chorou de alegria. Disse que Constantino era "pequeno e feio, mas muito invulgar". Depois, tiveram ainda mais dois rapazes, Nicolau e Miguel, que o pai dizia serem "muito simpáticos (...) os meninos dos meus olhos."

Olga e Alexandra Nikolaevna, filhas do meio de Nicolau e Alexandra
Nicolau e Alexandra eram pais excepcionais e não permitiam nenhum tipo de bajulação que complicasse a vida dos filhos. Os jovens Romanov mantinham-se afastados da corte e foram criados de forma simples; até os criados recebiam ordens para não os tratar pelos títulos, mas sim pelo nome próprio e pelo patronímico, como era normal na Rússia. Passavam sempre os seus serões com os pais, ou pelo menos com a mãe, a jogar jogos, a representar em peças de teatro e a tocar música. Uma vez, o embaixador francês perguntou se podia conhecer o czarevich. Esperava ter uma audiencia no Palácio de Inverno e ficou espantado quando foi levado até ao parque em Czarskoe Selo para ver o rapaz a brincar com as irmãs. O czar explicou que temia que apresentar o filho a pessoas importantes num ambiente formal poderia ser uma má influência para ele.

Nicolau I e Alexandra Feodorovna a chegar de carroça a Alexandria Peterhof
Nicolau estava a preparar o czarevich para um futuro em mudança e, apesar de o seu próprio reinado ser repressivo, o czar compreendia os pedidos de reforma e reconhecia que a escravatura era injusta. No entanto, sabia também que era fundamental para a organização do império e não podia ser abolida facilmente. O Conde Kisselev, ministro dos domínios imperiais, recebeu ordens para analisar as medidas que poderiam ser tomadas e chegaram mesmo a haver algumas mudanças tímidas, mas Nicolau nunca conseguiu apoio para a abolição completa. Acreditava na autocracia e via-se como o único defensor do povo. Era ele que tratava até dos pormenores mais mundanos pessoalmente e viajou extensamente por todo o império para ouvir as preocupações individuais dos seus súbditos. Nicolau era severo, mas também conseguia ser gentil: em certa ocasião, saiu da sua carruagem para caminhar numa procissão fúnebre de um homem que não tinha mais ninguém. Entretanto, a vida na corte era uma ronda constante de bailes de máscaras, jantares e entretenimento de todos os tipos. "Gosto que as pessoas se divirtam," contou Nicolau à sua irmã Ana, "assim ficam ocupados e ficam sem tempo para dizerem disparates".

Festa de Natal na corte russa na época de Nicolau I
Assim que a ordem foi restabelecida, Nicolau esforçou-se por reforçar e aumentar as fronteiras do império. Lutou contra os turcos e impôs a sua vontade nos povos do Cáucaso; em 1830, a Polónia revoltou-se e o czar reprimiu as revoltas com uma eficácia sem escrúpulos. Apesar disso, quando os outros países europeus o apelidaram de "novo Átila", Nicolau ficou ofendido. "Este pobre Átila só quer ficar calmamente em casa, feliz na companhia da sua esposa grávida de cinco meses e dos seus filhos; os seus gostos são domésticos; resumidamente, é a pessoa menos hostil e mais pacífica do mundo; - que destino tão estranho!" Os contemporâneos do czar teriam ficado espantados se soubessem que era assim que ele se via. À medida que a Europa sofria uma série de revoltas armadas, a Rússia de Nicolau tornou-se uma fortaleza construída para aguentar as influências ocidentais e na qual o czar surgia como o defensor dos valores tradicionais.

Nicolau I da Rússia
Os historiadores liberais costumam guardar os seus melhores insultos para Nicolau I. Já lhe chamaram cruel, brutal, tirânico e déspota e raramente alguém lhe dá créditos pelos feitos positivos que conseguiu ao longo do seu reinado. Mas ele era mais russo do que qualquer outro czar em mais de um século, e deu resposta ao novo movimento que surgiu no seu país, que tentava compreender o que significava verdadeiramente ser russo. Isto era mais positivo do que simplesmente fechar as fronteiras. Desde o início do seu reinado que Nicolau iniciou um programa de obras públicas e apoiava os artistas que estavam a tentar criar um novo estilo, baseado nos melhores elementos do antigo. Ajudou financeiramente Feodor Solntsev, que viajou por todo o império à procura de exemplos de desenhos tradicionais, e permitiu a publicação das descobertas que ele fez. Na década de 1830, houve um plano ambicioso para restaurar o Kremlin e acrescentar-lhe novos edifícios, para harmonizar as catedrais antigas e os palácios novos. Pouco sobrou do interior do Palácio de Terem, por exemplo. Sempre rigoroso, Nicolau rejeitou catorze esquemas decorativos antes de encontrar um que lhe agradasse.

Todo o trabalho foi feito com seriedade: o czar via o Kremlin como um património nacional que devia ser preservado para o seu povo. Tal como Pedro, o Grande tinha obrigado a Rússia a virar-se para o ocidente, Nicolau estava a tentar fazê-la voltar às suas origens. Redesenhou o aspecto da sua corte, tendo emitido um decreto em 1834 no qual voltava a instaurar vestidos de corte para as senhoras baseados nos trajes tradicionais russos. Este decreto definia o corte, cor e tecido, assim como os ornamentos exactos que as senhoras deveriam usar, dependendo do seu estatuto. Os oficiais do governo teriam de usar sempre uniforme. Com estas medidas, o czar estava a criar um cenário russo impressionante e único para a vida pública na corte.

A corte russa no tempo de Nicolau I
Em privado, Nicolau I também era um construtor ambicioso. Criou casas, pavilhões e capelas no Alexandria Peterhof e os aposentos privados da sua família no Palácio de Inverno foram redecorados no início do seu reinado. Em 1837, grande parte do Palácio de Inverno foi destruído num incêndio. Nicolau coordenou o resgate bem sucedido de muitos tesouros em pessoa enquanto o palácio ardia. Quando terminou, Nicolau declarou que o seu restauro era uma prioridade. Foi também um mecenas generoso, mas era muito exigente com os prazos. Gostava de descobrir novos artistas e não era estranho que um pintor que estivesse a trabalhar calmamente num dos parques imperiais fosse convidado a tomar chá com o czar. Em 1844, Nicolau encomendou um gigantesco programa de reconstrução do Palácio de Gatchina, mas, uma vez que tinha passado a sua infância e juventude nesse palácio, ordenou primeiro que pintassem todas as divisões antes das obras começarem, para guardar um registo visual do passado. Era extremamente emocional em tudo o que estava relacionado com a família, dando instruções para que determinadas divisões fossem mantidas exactamente como estavam. Sob a sua orientação, partes dos palácios maiores tornaram-se museus da família.

Nicolau I com a sua esposa e as filhas mais velhas
Todos os membros da família imperial eram leitores ávidos. A censura do estado era apertada, mas foi durante o reinado de Nicolau I que houve uma avalanche de livros que, actualmente, são considerados clássicos: Pushkin, Dostoevsky, Turgenev, Lermontov e Gogol floresceram nesta época. Todos criticavam o regime nas suas obras e os censores oficiais interferiam com o seu trabalho, mas nunca os impediram de escrever. Nicolau chegou mesmo a estar presente na estreia da peça "O Inspector Geral" de Gogel, no Teatro Alexandrinsky. Parece um paradoxo, mas Nicolau I era, ao mesmo tempo, profundamente repressivo e tolerante. Continuava a ser fiel ao lema que tinha no anel da Triopatia, um anel que usou a vida inteira, "Firmeza e Esperança", a firmeza autocrata que nunca diminuiu e a esperança no progresso e reforma para o futuro.

Nicolau I com Pushkin e a sua esposa Natália
Em 1842, Nicolau e Alexandra comemoraram as suas bodas de prata com um torneio medieval em Czarskoe Selo, no qual participou toda a família. A ideia de cavalheirismo apelava ao lado romântico de Nicolau, que era um grande admirador de Sir Walter Scott. Os romances de Scott eram lidos em voz alta para toda a família com grande frequência. Os dois tinham-se cruzado em 1816, quando Nicolau foi enviado a Inglaterra para estudar o sistema constitucional. Quando o seu filho mais velho chegou à idade adulta, Nicolau voltou a encontrar tempo para viajar, deixando o futuro czar Alexandre II como regente. Visitou novamente a Inglaterra e acompanhou a sua esposa Alexandra em visitas a spas europeus; em 1845 e 1846, os dois passaram algum tempo em Itália.

Nicolau I, Alexandra Feodorovna e os seus filhos nas comemorações das suas Bodas de Prata em 1842
Nesta altura, os dois já eram avós. A sua filha mais velha, Maria, tinha-se casado com o duque Maximiliano de Leuchtenberg e o czarevich tinha-se casado com a princesa Maria de Hesse-Darmstadt, e ambos os casais já tinham filhos. Nicolau e Alexandra adoravam ver a nova geração a crescer, mas também passaram por grandes tristezas. A sua primeira neta, a princesa Alexandra de Leuchtenberg, morreu aos três anos de idade e o czarevich perdeu a sua filha mais velha, a grã-duquesa Alexandra Alexandrovna pouco antes de ela fazer sete anos de idade. Em Janeiro de 1822, a filha mais nova de Nicolau e Alexandra, a grã-duquesa Alexandra Nikolaevna, casou-se com o príncipe Frederico Guilherme de Hesse-Cassel. Tal como a mãe, engravidou poucas semanas depois, mas adoeceu no verão quando estava de férias em Czarskoe Selo e deu à luz prematuramente. Segundo algumas fontes, teve febre escarlate, enquanto que outras dizem ter tido sarampo. Qualquer que tenha sido a doença, tanto ela como o bebé morreram antes do fim do dia. Os pais dela ficaram destroçados. "A nossa dor é para toda a vida", escreveu Nicolau, "é uma ferida aberta que vamos levar connosco para as nossas sepulturas". Depois destes acontecimentos, a família começou a considerar que o nome Alexandra estava amaldiçoado.

A grã-duquesa Alexandra Nikolaevna
A devoção de Nicolau e Alexandra um para o outro nunca esmoreceu. Em finais da década de 1840, a saúde de Alexandra estava cada vez mais fraca e a vida do casal tornou-se mais calma. Lady Bloomfiel, esposa do representante britânico em São Petersburgo, viu-os juntos em várias ocasiões e reparou que o comportamento de Nicolau com a esposa era "comovente e encantador (...) era tão atento e afectuoso, e, ao mesmo tempo, tão respeitador". Com a idade e a experiência, o czar tinha conseguido aprender as boas maneiras impecáveis que a sua mãe tanto tinha desejado quando ele era mais novo, e Lady Bloomfield ficou impressionada com o seu charme, gentileza e beleza que ainda não tinha esmorecido. Achou que a czarina estava "muito magra, mas não tão doente como esperava, e o rosto dela tinha vestígios de grande requinte e beleza. Os seus olhos, que eram azuis, estavam fixos no fundo da cabeça e a sua expressão era mais inteligente do que agradável. A voz dela era suave, mas falava depressa e com decisão". Ficou comovida com a gentileza de Alexandra e surpreendida e agradada por ser recebida nos aposentos privados da família imperial sem cerimónias nem formalidades.

A czarina Alexandra Feodorovna
Mas, fora do refúgio doméstico, o final da década de 1840 foi marcada por um aumento das tensões na Europa. As revoluções de 1848 não chegaram à Rússia, mas Nicolau aumentou o controlo no país e enviou um exército para ajudar o jovem imperador Francisco José na Hungria. A Rússia de Nicolau tinha-se tornado uma força admirável, mas o ajuste de contas estava próximo. Há já várias gerações que os governantes da Rússia ansiavam por anexar os países dos Balcãs que, na altura, se encontravam sob domínio turco. Nicolau esperava estabelecer-se como protector dos súbditos ortodoxos do sultão e, em 1853, os seus exércitos ocuparam as províncias da Moldávia e da Valáquia. Foi uma expansão que o ocidente não podia permitir. A guerra que se seguiu na Crimeia expôs todas as fissuras na armadura do czar e o seu império, que tinha parecido tão forte, não tinha os recursos ou a organização para competir com a aliança ocidental. Deprimido pela fraqueza do seu exército na Crimeia, a saúde de Nicolau começou a sofrer e ele acabaria por morrer no Palácio de Inverno a 18 de Fevereiro de 1855. A causa de morte oficial foi gripe, mas havia quem sugerisse que tinha sido uma discussão que tinha tido com o filho que lhe tinha provocado uma apoplexia. Outros sugeriram que se tratou de suicídio e havia também muitos que afirmavam que o imperador tinha simplesmente morrido de coração partido. Apesar de ter sido um dos governantes mais temidos da Europa, a sua prioridade nunca tinha sido o poder. Tal como disse à irmã, "a única felicidade que existe é uma vida familiar agradável. Tudo o resto não passa de uma ilusão". 

Quadro alegórico de Nicolau I no seu leito de morte com a sua filha Alexandra Nikolaevna e a neta Alexandra Alexandrovna representadas como anjos.
Alexandra viveu durante mais cinco anos. Retirou-se para o Palácio de Alexandre em Czarskoe Selo, e continuou a organizar jantares enquanto a saúde lhe permitiu. Nunca deixou de se preocupar com a sua família e as suas vidas e avisou o seu filho mais velho dos perigos da reforma. De uma coisa nunca duvidou: ao recordar o dia do seu casamento, escreveu: "com toda a confiança, coloquei a minha vida nas mãos do meu Nicolau e ele nunca quebrou essa confiança".

A czarina Alexandra Feodorovna

Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

As visitas da imperatriz Alexandra Feodorovna (Carlota da Prússia) à Prússia

A imperatriz Alexandra Feodorovna, nascida Carlota da Prússia
No início de cada Verão, os parentes russos dos Hohenzollern faziam a sua peregrinação anual à Prússia, inundando Berlim e Potsdam com "uma cheia" de grã-duquesas russas e os seus empregados. Além das implicações políticas destas visitas, Vicky [Vitória, Pincesa Real do Reino Unido, filha da rainha Vitória e casada com o futuro kaiser Frederico III da Alemanha] andava sempre ocupada de um lado para o outro, entre Berlim e Potsdam, em paradas, lanches, jantares, bailes e recepções que, muitas vezes, a obrigavam a mudar de roupa seis vezes por dia. Até Fritz [futuro kaiser Frederico III] se queixava que as suas tias o obrigavam a ele, à esposa e a toda a corte prussiana a correr de um lado para o outro como se fossem "empregados". Vicky, cujos dias começavam quase sempre às 7 da manhã, hora em que apanhava o comboio para Potsdam, e acabavam muito depois da meia-noite, quando tinha finalmente permissão para sair das soirées nocturnas, andava a sofrer de dores de cabeça, pés inchados e ressentimento.

Vitória, Princesa Real do Reino Unido, pouco depois da sua chegada à Prússia
No Verão de 1859, Vicky foi a única responsável pelas honras sociais a prestar aos Romanov, uma vez que Augusta [de Saxe-Weimar, sua sogra] se encontrava em Weimar, de visita à sua mãe, a grã-duquesa Maria Pavolovna da Rússia, que estava muito doente e prestes a falecer. Durante a sua visita, as senhoras russas tentaram convencer o seu sogro a não declarar guerra contra Napoleão III. Embora nem a irmã de Guilherme [futuro Guilherme I da Alemanha], Carlota, nem a sua cunhada pró-russa, a rainha Isabel [esposa do rei Frederico Guilherme IV da Prússia] tivessem conseguido convencer Guilherme a mudar de opinião, Vicky nunca mais conseguiu voltar a confiar nos parentes russos do marido.

Maria Pavlovna da Rússia, mãe da futura imperatriz Augusta da Alemanha e cunhada da imperatriz Alexandra Feodorovna
Em 1860, a viagem anual da imperatriz-viúva Alexandra da Rússia para assinalar o aniversário da morte do seu pai, o rei Frederico Guilherme IV da Prússia, coincidiu com as últimas semanas da segunda gravidez de Vicky. Com tudo pronto para o nascimento da bebé, Vicky teve ainda de lidar com os russos que apareceram em Potsdam um mês antes da data prevista para o parto. Embora lhe tivessem sido oferecidos aposentos em outros dois palácios, um dos quais tinha sido recentemente restaurado e redecorado para ela, a imperatriz Alexandra (viúva do czar Nicolau I), insistiu em ficar no Neues Palais, ocupando os aposentos que ficavam mesmo por baixo dos de Vicky.

Alexandra Feodorovna (Carlota da Prússia)
De todos os visitantes russos, a imperatriz-viúva era a mais venerável. Alta, magra e erecta, a antiga czarina de sessenta-e-um anos andava, de dia, sempre vestida de petro com um lenço de renda preto no cabelo e, à noite, vestia-se de branco e cobria-se com cascatas de pérolas. No Verão anterior, a imperatriz-viúva tinha mostrado a sua colecção de jóias a Vicky, uma colecção pela qual os Romanov eram muito conhecidos. "As tuas são mais bonitas", Vicky tinha garantido numa carta à mãe. "As dela são coisas enormes e de uma variedade tal que quase parece magia - safiras, esmeraldas, pérolas, rubis, etc., mas a qualidade não é muito boa - excepto os diamantes que são magníficos."

Alexandra Feodorovna, vestida de luto
A imperatriz-viúva viajava sempre com "um grande número de criados" que incluía quatro damas-de-companhia (que usavam vestidos negros de caxemira), que, por sua vez, possuíam várias criadas cada uma. Os criados russos dormiam sempre no chão, e era considerado necessário retirar toda a mobília dos quartos e redecorá-los após cada visita imperial.

Alexandra Feodorovna nos seus últimos anos de vida
"O barulho mesmo debaixo de mim não tem fim e não é nada agradável," queixou-se Vicky à mãe. "O que mais se ouve é o barulho de portas a bater e passos no chão que está sem carpetes - depois também se ouve os criados russos a conversar e a fumar (...) Ela sabe quanto tempo falta para me deitar [entrar em trabalho de parto] e onde ficam os meus aposentos, porque esteve aqui o ano passado. (...) É difícil não pensar que esta atitude não é a mais considerável, viver com uma multidão de gente na nossa casa. (...) Enfin, não me incomodo muito com isto, mas tenho pena dos nossos criados quando estes russos sujos estão cá."
Vicky
O pior de tudo era que o quarto onde os russos estavam a pensar reunir-se para chorar o aniversário da morte de Frederico Guilherme III era a sala-de-estar privada de Vicky, de onde se tinha retirado toda a mobília e cujas paredes tinham sido cobertas de papel-crepe negro. Um aspecto deprimente que durou toda a visita.

O Neues Palais em Potsdam, onde Vicky vivia e a imperatriz Alexandra ficou hospedada em 1860
O momento de irritação final aconteceu quando Vicky recebeu um convite formal da parte da rainha Isabel [da Baviera, esposa de Frederico Guilherme IV] para estar presente no Neues Palai no dia sete de Julho, data em que se assinalava a morte de Frederico Guilherme III. "Acho que se pode considerar um abuso ser convidada a estar presente na minha própria sala (...)", escreveu Vicky à mãe. Para mostrar o seu desagrado, Vicky enviou convites da sua parte a todos os que tinham sido convidados pela rainha para a cerimónia "para que pelo menos saibam quem é a dona da casa!" - e depois recusou estar presente. Acabou por ser uma boa decisão, uma vez que a tia mais conservadora de Fritz, a princesa Alexandrina da Prússia, tinha anunciado que nunca iria pôr os pés no Neues Palais enquanto a liberal Vicky lá estivesse. Furiosa, a princesa escreveu à mãe: "Pode ficar com a grande satisfação de lá ir no dia 7, já que eu não vou lá estar para a irritar com a minha presença."

Alexandra Feodorovna
Texto retirado do livro "An Uncommon Woman - The Empress Frederick" de Hannah Pakula

Notas:

A imperatriz Alexandra Feodorovna nasceu a 13 de Julho de 1798 como princesa Carlota da Prússia. Era filha do rei Frederico Guilherme III da Prússia e da princesa Luísa de Mecklenburg-Strelitz, o que a tornava irmã do rei Frederico Guilherme IV da Prússia e do primeiro imperador da Alemanha unida, Guilherme I da Alemanha. Casou-se em 1817 com o czar Nicolau I da Rússia de quem teve dez filhos, incluindo o czar Alexandre II. Morreu poucos meses depois da visita descrita acima, no dia 1 de Novembro de 1860.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Casar na Família (Parte 1)

A imperatriz Alexandra Feodorovna (Carlota da Prússia) rodeada pelas suas noras Maria Alexandrovna (esq) e Alexandra Iossifovna (dir).
Uma das soberanas que teve mais êxito na dinastia Romanov foi Catarina, a Grande que reinou entre 1762 e 1796. Deixou uma marca tão profunda na história do país que é fácil esquecer que a Rússia não era o seu país-natal. Atravessou a fronteira quando era ainda uma menina de catorze anos. Chamava-se Sofia de Anhalt-Zerbst e era alemã. Nas gerações que se seguiram, quase todas as noivas que se casavam com um Romanov eram estrangeiras: os membros da família tinham o dever de escolher uma companheira de origens reais, o que tornava este facto quase inevitável. Ano após ano chegavam estas princesas, retiradas das suas famílias, língua, cultura, religião e forçadas a aprender tudo novamente ao mesmo tempo que se adaptavam à vida de casadas. Até os nomes tinham de deixar. A transição nunca era fácil; para algumas era mesmo um pesadelo. As barreiras culturais tornaram-se ainda mais evidentes à medida que o século XIX avançava: por exemplo, na família do czar Nicolau I, os pais e filhos mais velhos falavam francês como língua principal enquanto os mais novos falavam russo. Este sentimento crescente de identidade nacional tornava a pressão cada vez mais forte. Contudo, as noivas Romanov provaram ser um grupo de senhoras inteligente que contribuiu de várias formas para o seu país adoptivo e influenciaram também a família Romanov.

Alexandra Feodorovna (Carlota da Prússia)
As duas representantes das gerações mais antigas das quais se conseguem encontrar fotografias: a imperatriz Alexandra Feodorovna, esposa do czar Nicolau I, e mãe do czar Alexandre II, que começou a sua vida com o nome Carlota da Prússia. Conheceu o grão-duque Nicolau Pavlovich, na altura irmão mais novo do czar Alexandre I, na corte do pai em Berlim quando ele tinha dezassete anos e ela quinze. Chegou à Rússia no verão de 1817, quando tinha dezoito anos, mudou de nome no seu baptismo ortodoxo, e casou-se na grande capela do Palácio de Inverno no dia em que completou dezanove anos. Tornou-se imperatriz em 1825 quando o seu marido sucedeu ao irmão. Alexandra Feodorovna pertencia a uma geração de mulheres de quem se esperava pouco além de um papel decorativo e dar à luz filhos e ela fê-lo na perfeição. O seu marido era atencioso e adorava-a. Alexandra presidia a corte, onde a vida era uma série de entretenimentos, com uma graciosidade natural. Lady Londonderry, que  visitou a Rússia em 1837, ouviu dizer sobre a imperatriz: "ela já nos deu tantas alegrias nestes vinte anos em que esteve no trono e nunca fez mal a uma alma".

Helena Pavlovna
A cunhada de Alexandra, a grã-duquesa Helena Pavlovna, nascida princesa Carlota de Württemberg. Depois de ter tido uma educação pouco convencional na Paris pós-revolucionária, o futuro de Carlota foi decidido pela sua família quando ela tinha quinze anos. Nunca tinha conhecido o grão-duque Miguel Pavlovich, irmão mais novo de Alexandre I e Nicolau I e ele não tinha qualquer interesse em casar. Apesar de tudo, um ano depois do noivado, o grão-duque recebeu-a na fronteira onde a princesa impressionou tudo e todos com a sua pose e inteligência. Os dois casaram-se em Fevereiro de 1824, mas foram miseráveis. Apesar de Helena ter dado à luz uma série de bebés, todas elas meninas, Miguel tratava-a com indiferença. Apenas o seu irmão mais velho viu o desespero da cunhada: "Temos de concordar que esta jovem e encantadora mulher foi sacrificada de forma muito graciosa e útil. A situação dela é assustadora." Helena tentou deixar a Rússia em 1827, mas a família imperial apenas permitiu uma separação temporária. Apesar de tudo, depois disto, a sorte dela mudou consideravelmente e a lista das suas conquistas na Rússia é formidável. As artes, música, instituições médicas, entre outras, receberam o seu patrocínio. Também foi ela a força por detrás da mudança política russa, encorajando os seus sobrinhos Alexandre II e Constantino a seguir o caminho da reforma.


Maria Alexandrovna
Maria Alexandrovna, Maria de Hesse-Darmstadt, tinha catorze anos e ainda usava o cabelo longo e solto da infância quando conheceu o futuro czar Alexandre II. Estava a comer cerejas quando foi chamada a aproximar-se e teve de cuspir as sementes para a mão antes de conseguir falar com ele. "Esta era a Maria, a nossa adorada Maria, que se tornou a felicidade do Sasha," escreveu a irmã do czar, Olga. "Os sentimentos dele despertaram assim que ela disse a primeira palavra. Não era uma boneca como as outras, não havia nada de convencido nela, nem ela esperava nada deste encontro." O noivado foi aprovado e os dois casaram três anos depois. Maria era inteligente e profundamente séria. Não foi capaz de se converter à religião ortodoxa antes de sentir que o queria realmente, acabando por se tornar ainda mais ortodoxa do que a maioria dos russos. Preocupava-se muito com o seu país e discutia com Alexandre, que respeitava muito a sua opinião, o seu trabalho. Também apoiou a educação das mulheres e a medicina. Maria Alexandrovna era adorada pela família, mas faltavam-lhe o à-vontade e os talentos sociais que tornaram outras imperatrizes populares.

Alexandra Iosifovna
A grã-duquesa Alexandra Iosifovna pertencia à família de Saxe-Altenburg e Nicolau I reparou nela em 1846, no dia em que ela completou dezasseis anos: no outono do mesmo ano, o seu segundo filho, Constantino, já estava em Altenburg. O efeito do seu primeiro encontro foi electrizante. "Não sei o que me aconteceu," escreveu Constantino de dezoito anos, "Sou uma pessoa completamente diferente. Há apenas um pensamento que me move, só tenho uma imagem perante os meus olhos: sempre e só ela, o meu anjo, a minha estrela. Acredito plenamente que estou apaixonado. Mas há quanto tempo a conheço? Só algumas horas e já me sinto a transbordar de amor." Constantino aguentou o seu entusiasmo até ao dia do casamento a 30 de Agosto / 11 de Setembro de 1848, e durante muitos anos depois. Alexandra sentia-se mais à-vontade na sociedade do que Maria e era menos dada a sentir saudades de casa. Segundo uma das suas damas-de-companhia, Anna Tiutcheva, a grã-duquesa não era esperta nem especialmente bem-educada: "adoptou o lugar de uma criança mimada na família e todos tratam a sua frequente falta de sensibilidade e mau-comportamento como brincadeiras engraçadas." Mas este comportamento apenas aconteceu nos seus primeiros anos. Com o passar do tempo, Alexandra tornou-se uma figura respeitada dentro da família.

Olga Feodorovna
A grã-duquesa Olga Feodorovna, princesa Cecília de Baden, nasceu em Karlsruhe em 1839. A história do seu primeiro encontro com o grão-duque Miguel Nikolaevich não foi registada, mas o casamento aconteceu por amor e Cecília teve sorte: dos quatro filhos do czar Nicolau I, apenas Miguel foi fiel durante todo o casamento. Cecília tinha dezasseis anos quando ficou noiva. Miguel disse à sua cunhada Maria Alexandrovna, que tinha escolhido o nome "Olga Fedorovna" porque não gostava de "Cecília". Os dois casaram-se no Palácio de Inverno a 16/28 de Agosto de 1857: "Rezei fervorosamente", escreveu Miguel no seu diário, "e agradeci a Deus com todo o meu coração por poder viver este dia." Os "Michels" eram um casal muito adorado no geral e a rainha Vitória achava-os "muito amáveis e amigáveis" e, sobre a grã-duquesa, disse: "tem muito bom humor, é alegre, muito encantadora - tão calma e gentil (...) Ficamos encantados com ele e ouvi dizer que, para onde quer que ele vá, todos os adoram, classes altas e baixas." A sua filha chamou-a "uma criatura de Deus em todos os sentidos".

Olga Feodorovna com o filho Sérgio

Em 1862, o grão-duque Miguel foi nomeado vice-rei do Cáucaso, uma posição que manteve durante quase vinte anos. O casal tinha a sua corte no Palácio de Tiflis e quatro dos seus sete filhos nasceram nesta região - Nesta fotografia, Olga Fedorovna pode ser vista com o seu quinto filho, Sérgio. Apesar de viver longe da capital, Olga adaptou-se completamente ao estilo de vida do país do marido e achava-se completamente russa.  A posição de vice-rainha permitia-lhe um certo nível de autonomia ao lado do marido e foi ela que abriu a primeira escola para meninas no Cáucaso, bem como um instituto técnico exclusivamente feminino. Também se envolveu em trabalhos médicos, principalmente durante a Guerra Russo-Turca de 1877-78. Gostava de saber o que se passava à sua volta e as suas observações eram reveladoras. Uma das suas damas-de-companhia descreveu-a mais tarde como "uma mulher anormalmente esperta, com um sentido crítico afiado. Alguns círculos sociais temiam-na profundamente devido aos seus comentários maldosos. Pessoalmente, não senti nada senão gentileza e consideração da parte dela (...)"

Alexandra Petrovna
A duquesa Alexandra de Oldemburgo pertencia a uma família alemã, mas tinha crescido em São Petersburgo. O seu pai era neto do czar Paulo I. Alexandra casou-se com o grão-duque Nicolau Nikolaevich em 1856, tornando-se grã-duquesa Alexandra Petrovna, e o primeiro filho do casal nasceu antes do final do ano. Alexandra Petrovna era uma artista de talento. Não tinha tempo para a vida da corte e não se interessava por roupas - algo que não agradava ao marido. A medicina fascinava-a:  o grão-duque ofereceu-lhe um hospital e ela dedicou todo o seu tempo a trabalhar lá. Criou um instituto técnico para enfermeiras em São Petersburgo ao mesmo tempo que o marido seguiu o exemplo dos irmãos e arranjou uma amante. Esta fotografia, tirada na década de 1870, mostra-a com o seu uniforme de enfermeira. No final desta década, Alexandra mudou-se para Kiev, onde abriu um convento que tinha o seu próprio hospital e clinica para dar tratamento gratuito aos pobres. Entrou no convento, adoptando o nome "Irmã Alexandra" e tornou-se abadessa: hoje em dia, a sua campa nos jardins do convento ainda é cuidada pelas freiras que lá trabalham.

Texto retirado do livro "The Camera and the Tsars" de Charlotte Zeepvat