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sexta-feira, 28 de julho de 2017

Este Castelo Sombrio - Gatchina

O Palácio de Gatchina na actualidade (fonte)
Alexandre III ficou profundamente afectado com o assassinato do seu pai e acreditava que tinham sido as tentativas do último czar para reformar o governo do país que tinham provocado a onda perigosa de instabilidade. O caminho que o novo czar queria seguir não incluía concessões aos seus adversários: preferia governar numa posição de força, tal como o seu avô, o czar Nicolau I tinha feito. Vários anos depois, os liberais russos no exílio iriam culpar a mudança de direcção política de Alexandre III pela revolução, no entanto, havia outros que viam o seu reinado como uma época dourada. Durante o seu reino, o império esteve em paz, se não com o mundo exterior, pelo menos dentro das suas fronteiras. Alexandre sabia o que queria mas era, ao mesmo tempo, um homem de paradoxos: não se sentia confortável na sociedade desde criança, no entanto era capaz de presidir as ocasiões formais mais brilhantes, era um homem que conseguia dobrar uma barra de ferro com as próprias mãos, mas, ao mesmo tempo, conseguia ter o bom gosto e o requinte para mandar fazer as criações Fabergé mais delicadas. Nunca quis ser czar. No fundo, não havia nada que lhe desse mais prazer do que passear pelo campo com os filhos, e, de todos os palácios ligados à família imperial na Rússia, aquele que mais tem a sua marca é o Palácio de Gatchina, aquele que escolheu como residência oficial, uma vez que também Gatchina era um local de paradoxos.

Alexandre III, Maria Feodorovna e quatro dos seus filhos no Palácio de Gatchina.
"Quase consigo ver Gatchina a esta altura. Mando-te um beijo carinhoso. O teu, Misha". Em Setembro de 1913, o grão-duque Miguel Alexandrovich, filho mais novo do czar Alexandre III, estava no topo da Torre Eiffel e escreveu estas palavras num postal dirigido à mulher que amava. Para se casar com Natália Sheremetevskaya, teve de aceitar o exílio e, apesar de haver humor na mensagem, também havia tristeza. Miguel sentia a falta de Gatchina, onde tinha conhecido Natália e onde, quando era criança, tinha acompanhado o pai em passeios pelo parque coberto de neve. Gatchina era a casa dele e, em cinco gerações da família, poucos tiveram a oportunidade de conhecer e amar tanto este palácio como ele. Alguns odiavam Gatchina e outros até o temiam. Ao longo da sua história com mais de trezentos anos, o palácio ganhou uma série de contrastes, de tal forma que há até quem diga que a cor das suas pedras muda ao longo do dia, conforme a luz disponível.

O grão-duque Miguel Alexandrovich com a sua esposa Natália.
Era precisamente o contraste que o criador de Gatchina, Gregório Orlov, um dos amantes de Catarina, a Grande, tinha em mente. Queria um edifício com fachadas austeras, mas que escondesse um interior rico e czarina encontrou um arquitecto para dar vida às suas ideias. A casa original tinha dois andares e consistia em dois quadrados idênticos, um de cada lado que se uniam em galerias semicirculares. O efeito geral era uma mistura entre um castelo e um quartel militar. Por trás do edifício havia dois lagos, e a paisagem do parque que o rodeava foi cuidadosamente planeada. Quando Orlov morreu, a czarina comprou a propriedade aos seus herdeiros e ofereceu-a ao seu filho Paulo, para comemorar o nascimento da primeira filha dele. O grão-duque Paulo odiava a mãe, mas recebeu o presente de bom grado, e sua personalidade tornou-se indissociável da história de Gatchina.


O Palácio de Gatchina na época de Paulo I, em 1798.
Paulo tinha vinte-e-nove anos de idade quando recebeu a propriedade. Ressentido por ter sido excluído do governo, decidiu transformar Gatchina no seu pequeno reino, desenvolvendo uma corte rival à da mãe e impondo um sistema de disciplina militar rígida. Tinha um exército de dois mil homens vestidos com uniformes em estilo prussiano e levantava-se de madrugada para vigiar os seus exercícios militares. As pessoas queixavam-se que tudo isto era demasiado estrangeiro, diziam que Gatchina era uma Potsdam russa e, com o passar dos anos, a obsessão de Paulo continuou a aumentar. Não confiava em ninguém e tinha um forte dispositivo de segurança à sua volta, mas nem toda a sua influência foi má. Na pequena vila de Gatchina, onde viviam os criados da propriedade e as famílias dos soldados, o grão-duque construiu uma igreja para católicos e luteranos, assim como um hospital, uma escola e um orfanato. Construiu fábricas e oficinas, controlava o preço das rendas e tentou até providenciar uma espécie de organização para ajudar os mais pobres.

Estátua do czar Paulo I em Gatchina
Gradualmente, nas mãos de Paulo, a casa original foi sendo aumentada substancialmente. Paulo contratou o arquitecto Brenna para fechar as galerias semicirculares e construir um andar superior em cada uma das alas de serviço, colocando uma capela por cima das cozinhas e transformando os antigos estábulos em aposentos, com uma biblioteca, um teatro e uma sala de armas. Até aos dias de hoje, essa sala ainda é chamada do Arsenal ou Praça do Arsenal. Quando Paulo sucedeu ao trono em 1796, Gatchina voltou a ganhar uma importância especial, tornando-se a residência imperial e as suas mobílias foram melhoradas para se ajustarem ao novo estatuto. Foram também acrescentadas divisões para assuntos de estado e trazidas obras de arte da colecção do Hermitage para decorar as paredes. Foram também criados novos jardins mais formais e iniciou-se um grande projecto para gravar todos os cantos do palácio e dos seus quatro parques em aguarelas. Foi a última vez que iria florir nesse século. Em 1801, Paulo foi assassinado, alguns diziam com a ajuda do filho, e Gatchina ficou para a sua viúva.

O Palácio de Gatchina na década de 1840
Durante os quarenta anos seguintes, a história ignorou Gatchina. Maria Feodorovna visitava o palácio ocasionalmente, mas preferia Pavlovsk. Tentou despertar o interesse dos filhos mais velhos por Gatchina, mas ambos estavam demasiado concentrados em resistir a tudo o que os fizesse lembrar do pai. A mãe deles ia observando-os com preocupação e, no inverno de 1810, em sinal de protesto pela vida que eles levavam na cidade, decidiu levar os seus dois filhos mais novos, Nicolau e Miguel, até Gatchina, para que eles pudessem concluir a sua educação longe das distracções e tentações de São Petersburgo. Na altura, Nicolau tinha catorze anos e Miguel doze, e acabariam por ficar a odiar o palácio, por o associarem aos três anos mais aborrecidos das suas vidas.

O grão-duque Miguel Alexandrovich, com a sua esposa Helena Pavlovna, a czarina Alexandra Feodorovna e o czar Nicolau I
No entanto, quando eram mais velhos, as coisas mudaram. Todos os outonos, a família juntava-se em Gatchina para festas de caça e a esposa de Nicolau, Alexandra Feodorovna, que tinha achado o palácio sombrio da primeira vez que o viu, acabaria por escrever numa carta que gostava muito "desta casa de campo e da vida activa que aqui vivemos. Estávamos felizes, faladores, fomos agradáveis, cada um à sua maneira, e partimos muito satisfeitos uns com os outros". À noite, a família juntava-se para ler os romances de Sir Walter Scott e Fenimore Cooper. O salão da Praça do Arsenal tinha um palco para a família fazer peças de teatro e brincar às charadas, um escorrega que era grande o suficiente para os adultos brincarem, e outros jogos para jogar dentro de portas. Alexandra falou também da "libertação da rigidez que lá há quando comparado com outros palácios (...) os jogos tornavam tudo mais alegre. Foi lá que experimentei pela primeira vez deslizar em pé pela colina de uma montanha".

A czarina Alexandra Feodorovna
Em 1828, a czarina-viúva Maria Feodorovna morreu, deixando Gatchina a Nicolau I. Ao longo de vinte-e-sete anos, Maria tinha sempre viajado com relíquias do seu marido assassinado para onde quer que fosse: o uniforme e roupa interior de Paulo, a sua espada, a sua bengala e a cama onde dormia na noite em que foi assassinado, foram colocados nos seus aposentos em Gatchina. Com o passar do tempo, esta espécie de museu deu um certo fascínio aos aposentos e corredores do bloco central, e as pessoas começaram a acreditar que Paulo tinha sido assassinado lá. No entanto, Nicolau I sentia apenas a ternura de um filho para com os seus pais e decidiu preservar os seus aposentos como uma espécie de museu da família. Até a cama onde a sua mãe morreu foi transferida do Palácio de Inverno para Gatchina.

Galeria Gótica no Palácio de Gatchina
Se os aposentos antigos não eram para ser utilizados, então era necessário reconstruir outros novos para a família imperial e a sua comitiva. Nicolau ordenou que os quadrados fossem completamente reconstruídos, mas, antes, contratou um jovem artista, Konstantin Ukhtomsky, para fazer pinturas das suas divisões favoritas antes de elas desaparecerem. A partir desse momento, o andar superior do quadrado da cozinha teria aposentos para a comitiva, empregados e convidados, assim como uma capela, enquanto que o centro da vida em Gatchina mudou para o Arsenal. O casal imperial, o czarevich e a sua esposa tinham os seus aposentos no andar de baixo enquanto que os restantes grão-duques, grã-duquesas e senhoras que ocupavam as posições mais importantes da comitiva, ficavam alojados no andar de cima. Havia um "entresol" entre ambos os andares, onde ficavam alojados os empregados. O salão foi completamente redecorado e foi acrescentado um barco de baloiço aos jogos que já havia. As obras de arte foram levadas para o Hermitage para serem limpas e restauradas e, a 1 de Agosto de 1851, o Palácio de Gatchina voltou a abrir em grande. No ponto mais alto das comemorações, Nicolau I revelou uma nova estátua do seu pai, na praça do palácio.

O Arsenal de Gatchina durante a época de Alexandre II
Duas vezes por ano, na primavera e em Outubro, a corte viajava até Gatchina e, durante algumas semanas, o palácio voltava à vida. Os convidados vinham para relaxar, mas a presença do czar garantia uma onda constante de ministros, embaixadores e oficiais, assim como a família imperial que era numerosa e alegre. Havia jogos e charadas no Arsenal, noites musicais, passeios de carruagem, piqueniques e caçadas nas quais até as senhoras participavam. Era tudo diversão, mas alguns membros da comitiva não conseguiam perceber o encanto de Gatchina. Anna Tiutcheva, uma dama-de-companhia, descreveu a sua reacção quando chegou ao palácio:

Anna Tiutcheva
"Estou em Gatchina pela primeira vez e já estou a achar a experiência difícil de suportar neste palácio vasto, com as suas escadarias e corredores sem fim. O palácio é composto por dois blocos habitacionais enormes, unidos por um edifício semi-circular (...) vivo no bloco direito e, por isso, tenho de passar pelos salões do edifício central três ou quatro vezes por dia para chegar ao Arsenal, onde todos os ocupantes devem tomar o pequeno-almoço, jantar e tomar chá. Muitas vezes atravesso estes salões à noite, apenas com a luz fraca de uma lamparina trémula, passo pelo quarto do imperador Paulo e pelo trono com o seu tecido gasto. Confesso que o meu coração bate acelerado e que começo a andar mais depressa, sempre com medo que a figura sinistra do imperador Paulo surja de repente dos cantos escuros (...).

No parque, perto do lago, vê-se uma caverna, fechada com um portão de ferro. Dizem que se trata da saída para os túneis subterrâneos que o imperador tinha construído por baixo dos seus aposentos. Foi uma precaução inútil, uma vez que não o salvaram da morte que ele tanto temia, e, segundo percebo, bem merecia. Todas estas memórias tornam a estadia em Gatchina muito sombria e desagradável. Não percebo porque escolhem Gatchina quando se querem divertir (...) o parque é enorme. No verão até pode ser bonito, mas agora não passa de campo desfolhado e outonal, com ramos negros e secos, e o chão pantanoso, cheio de poças, que lhe dá uma imagem melancólica".

Parte do parque em Gatchina
Claramente, alguém tinha enchido a cabeça de Anna com histórias de terror, mas a sua primeira visita também aconteceu numa altura sensível. Longe, na Crimeia, as forças inimigas estavam a cercar Sevastopol e não era possível sentir grande alegria nos jogos em Gatchina nesse outono.

Quando Nicolau I morreu, Gatchina passou para o seu filho mais velho, na condição de que o palácio, o parque e as organizações caritativas na aldeia próxima deveriam ser mantidos como estavam. Alexandre II acrescentou alguns dos aposentos dos pais ao museu e mudou a cabana imperial de Peterhof para Gatchina. De resto, permaneceu tudo igual ao tempo do seu pai. Alexandre II encomendou a realização de mais uma série de quadros para registar os interiores do palácio e o parque. O artista, Eduard Petrovich Hau, recebeu aposentos privados no quadrado das cozinhas e criou uma série de cinquenta-e-oito pinturas ao longo de oito anos.

A Sala do Trono de Paulo I por Hau.
O assassinato de 1881 mudou o destino de Gatchina de forma tão decisiva como tinha acontecido oitenta anos antes. Após o assassinato de Alexandre II, o seu filho aceitou o conselho dado pelo general Loris Melikov e mudou-se para longe da cidade, escolhendo Gatchina como sua residência oficial. Foi tudo feito à pressa: a nova czarina, Maria Feodorovna, contou aos pais que não tinha havido tempo para preparar Gatchina e que os aposentos estavam ainda cheios de trabalhadores. O inverno ia a meio e o palácio era frio e vazio. Para piorar ainda mais a situação, na pressa de abandonar a cidade, o casal imperial tinha sido obrigado a deixar os seus filhos mais novos para trás: o bebé, Miguel, apanhou uma constipação e não pôde sair de casa durante algumas semanas. Maria sentia falta dos seus aposentos acolhedores e confortáveis no Palácio de Anichkov e confessou se desfazia em lágrimas muitas vezes. No entanto, acrescentou também que o marido estava feliz por estar longe da cidade e que também ela estava a começar a encontrar conforto na sua nova casa, e a gostar da paz que tão rara tinha sido na sua vida na Rússia. Gatchina tornava-se novamente no centro do império russo, vigiado de forma tão apertada como no tempo de Paulo I. Era preciso ter passaportes especiais para entrar na aldeia onde os Couraceiros Azuis e o Regimento Combinado, os guarda-costas pessoais do czar, construíram o seu quartel-general. Com o passar do tempo, os soldados fizeram amizade com a família imperial e os filhos do czar gostavam de fugir até ao quartel para ouvir os soldados cantar e, talvez, serem atirados ao ar por um par de braços fortes.

Alexandre III, Maria Feodorovna e os seus filhos em Gatchina.
Alexandre III impôs controlos rigorosos ao país, mas essa era a única semelhança que tinha com o seu bisavô, o czar Paulo I. A nível pessoal, Alexandre era extremamente humilde, e detestava todo o tipo de cerimonial. Optou por viver nos aposentos de abóbada baixa do "entresol", que costumavam estar reservados aos criados. Levantava-se cedo, vestia-se, fazia o seu próprio café e sentava-se a trabalhar até a sua mulher estar pronta para o pequeno-almoço. Quando não tinham convidados, os membros da família optavam por jantar juntos no andar de baixo numa sala que, anteriormente, tinha sido a casa-de-banho da avó do czar, Alexandra Feodorovna. A banheira tinha sido enchida com azáleas e colocada no jardim.

Alexandre III e Miguel Alexandrovich em Gatchina
Além de ser o centro do governo, Gatchina era também uma casa de família. Alexandre guardava boas memórias da sua infância e, no escritório, escondia uma colecção de animais em miniatura feitos de vidro e desenhos de "Mopsopolis", o mundo de fantasia que tinha criado juntamente com o seu irmão Nicolau no pico da Guerra da Crimeia. Eram criaturas estranhas para um homem alto e forte, mas Alexandre adorava partilhá-las com os filhos. Sentia-se mais à vontade com os membros mais novos da família. Em certa ocasião, levou os seus filhos numa expedição ao parque de veados de Gatchina para ir buscar dois burros para acrescentar à já extensa colecção de animais de estimação. Com o passar dos anos, a família juntou animais, um papagaio, um corvo albino, uma lebre e uma cria de lobo.

Olga Alexandrovna e Miguel Alexandrovich em Gatchina
Olga, a filha mais nova, recordou a magia especial que sentia quando ia passear com o pai e com Miguel, o irmão que tinha a idade mais aproximada da sua: "Caminhávamos até ao parque dos veados, só nós os três, como os três ursos do conto de fadas. O meu pai levava sempre uma pá grande , o Miguel levava outra mais pequena e eu tinha uma muito mais pequena do as deles só para mim. Cada um de nós também levava um machado, uma lanterna e uma maçã. Se estivéssemos no inverno, ele ensináva-nos a limpar a neve para criar um caminho e como cortar uma árvore morta. Ensinou-me a mim e ao Miguel a fazer uma fogueira. No fim, assávamos as maçãs, apagávamos a fogueira e, com a ajuda das lanternas, lá encontrávamos o caminho para casa. No verão, ensinava-nos a distinguir os animais uns dos outros, Queria que soubéssemos ler o livro da natureza tão bem quanto ele". Olga e Miguel eram os verdadeiros filhos de Gatchina e as suas memórias estavam repletas de alegria. Uma vez, fugiram para um telhado a meio da noite para ver o parque à luz da lua. Nem o fantasma de Paulo I os assustava: na verdade, Olga queria até vê-lo, mas nunca conseguiu.

Alexandre III com os filhos Miguel e Olga.
Era uma existência estranha, algures entre a simplicidade e o esplendor. Eram crianças do campo que dormiam em camas amovíveis em quartos decorados com a mobília mais simples possível e, no entanto, os seus tutores usavam casacos de cerimónia. Olga tinha os aposentos mais sumptuosos da família porque a ama dela, Mrs. Franklin, achava que o "entresol" apertado e abafado prejudicava demasiado a saúde da criança. A sua comitiva de amas estava instalada nos aposentos do andar superior, por cima do Arsenal, onde havia tapeçarias com imagens de cenas das Bíblia penduradas nas paredes. As crianças brincavam às escondidas na galeria chinesa, onde havia vasos de valor incalculável grandes o suficiente para elas se puderem esconder. Aos domingos, Miguel e Olga podiam convidar os seus amigos para brincar nos salões estatais. Os seus brinquedos eram também saídos dos sonhos de qualquer outra criança da época: um dos mais populares em Gatchina era uma linha de comboio eléctrica em miniatura, que tinha sido presenteada por uma empresa de construção. "As carruagens e as carrinhas eram cópias exactas de outras que existiam mesmo e os motores conseguiam atingir velocidades de oito e dez quilómetros por hora. As linhas estavam equipadas com estações, túneis e pontes, que deixavam qualquer criança encantada".

Alexandre III com a sua filha Olga
O encanto terminou cedo demais. Num dia, na primavera de 1894, Olga estava a caminhar com o pai no parque em Gatchina quando se apercebeu que ele estava doente. O czar acabaria por morrer antes do final do ano. O palácio passou para a sua viúva, que deu ordens para que não se voltasse a mudar nada nos seus aposentos, nem sequer o seu lenço. Maria Feodorovna continuou a utilizar Gatchina, mas nunca tinha gostado tanto da vida no campo como Alexandre e preferia passar mais tempo na cidade. O seu filho, Nicolau II, continuou a visitar a cabana de caça no inverno e, nos primeiros anos após a morte do pai, visitava o palácio com frequência na companhia da esposa quando a sua mãe se encontrava lá.

Olga Alexandrovna e Miguel na Galeria Chinesa em Gatchina
As tensões começaram a aumentar de forma quase imperceptível entre as cortes da czarina-viúva e da jovem czarina Alexandra. Uma dama-de-honra de Czarskoe Selo descreveu a sua primeira visita a Gatchina com a jovem czarina que se realizou numa noite, em finais de 1894. Sophie Buxhoeveden achou a atmosfera tão opressiva quanto Anna Tiutcheva a descrevera cinquenta anos antes. A sala-de-estar para onde foi levada parecia "a fantasia de um decorador profundamente deprimido" e as damas-de-companhia mais velhas bombardearam-na com perguntas, condenando a forma como as coisas eram feitas na corte mais jovem. Sophie sentia-se cada vez mais desconfortável e, no andar de cima, a sua senhora não se estava a sair melhor com a czarina-viúva. Alexandra Feodorovna tinha até dificuldade em respirar quando estava nos aposentos abafados e demasiado aquecidos da sua sogra e estava tão ansiosa quanto Sophie para ir embora.

Maria Feodorovna com a neta Olga Nikolaevna nos braços, a grão-duquesa Olga Alexandrovna, Alexandra Feodorovna e, de pé, a grã-duquesa Xenia Alexandrovna com a filha Irina e o irmão, Nicolau II.
No entanto, a noite acabaria de forma divertida: Alexandra aceitou de bom grande o convite do grão-duque Miguel para ir dar um passeio de trenó ao luar pelo parque coberto de neve. No momento em que Alexandra e Sophie começavam a relaxar e a desfrutar da paisagem encantada, o trenó derrapou e as duas foram atiradas para fora dele. Havia neve suficiente para amparar a queda e, depois de horas de tensão, a jovem czarina não conseguia parar de rir. "O que é que as velhotas não diriam se tivessem visto esta cena?" disse ela. "É melhor nunca saberem que aconteceu: não iriam encontrar palavras para descrever o horror". Ajudei-a a levantar-se e tiramos a neve das capas uma da outra com os nossos lenços. Depois voltámos para o trenó".

Miguel Alexandrovich com a cunhada Alexandra Feodorovna e o irmão Nicolau II.
Durante aquela época, Gatchina perdeu um pouco a sua vida, mas, no Natal, a czarina-viúva e os seus filhos mais novos organizavam festas no Salão de Banquetes para os oficiais da guarda. Durante muitos anos, as famílias dos oficiais guardaram com carinho os doces embrulhados em papel dourado e os presentes que a própria Maria Feodorovna lhes entregava em mãos. No entanto, quem passava mais tempo no palácio era Miguel. Era comandante dos Couraceiros Azuis, um dos regimentos de Gatchine, e foi nessa capacidade que conheceu a sua futura esposa, Natália, que, na altura era casada com um dos oficiais e foi convidada para uma recepção no palácio. No entanto, essa não seria a única história de amor que começou em Gatchina. Miguel era um das poucas pessoas que sabia que, em 1903, a sua irmã mais nova, Olga, que sentia profundamente infeliz com o seu casamento, tinha conhecido e se tinha apaixonado por Nikolai Kulikovsky, outro oficial do seu regimento. Foi um segredo que se manteve durante treze anos.

Miguel Alexandrovich com a sua futura esposa, Natália Brassova e Olga Alexandrovna com o seu futuro marido, Nikolai Kulikovsky.
Depois de serem enviados para o exílio por terem casado sem autorização do czar, em 1914, com o rebentar da Primeira Guerra Mundial, Miguel e Natália receberam permissão para regressar à Rússia. Miguel passava muito tempo longe, na frente de batalha, mas a sua esposa estabeleceu-se na aldeia de Gatchina e abriu um hospital militar. Nunca seria aceite na família do marido, mas tinha pouco tempo para eles. Uma pessoa sociável por natureza, Natália continuou a organizar festas em Gatchina, mesmo depois da Revolução de Fevereiro e Miguel não interferia nas suas vontades, apesar de não partilhar o mesmo prazer pela vida social. Um amigo descreveu mais tarde uma noite durante a qual ele e Miguel evitaram a companhia que se encontrava no palácio: "ele [Miguel] não queria nenhuma luz, apesar de ter escurecido cedo e estarmos a olhar um para o outro no crepúsculo. Deitado num sofá, a tremer por causa da febre, o Miguel falou numa voz triste sobre como era difícil viver com as lamentações, maldade e enganos dos homens e disse que Deus estava longe (...) Estava com medo do futuro. Tentei consolá-lo, mas não consegui encontrar palavras que diminuíssem a intensidade da sua dor. A sua voz estava embargada pelas lágrimas. Ficou muito escuro. Quando liguei a luz, fiquei chocado com o desespero puro que se via no seu rosto pálido e tive a sensação clara de que estávamos prestes a sofrer um grande infortúnio".

Miguel com a sua esposa Natália durante a Primeira Guerra Mundial
Infelizmente foi exactamente isso que aconteceu e a história voltou a Gatchina. Nicolau II abdicou do trono a favor do Miguel e, durante algumas horas, o palácio foi a residência do último czar. Mais tarde, Kerensky mudou-se para o Palácio de Gatchina numa última tentativa para salvar o seu governo. Quando uma multidão de bolcheviques se aproximava do palácio, Kerensky fugiu pelo parque: algumas relatos dizem que terá utilizado o túnel que tinha assustado Anna Tiutcheva muitos anos antes. Miguel e Natália ficaram na aldeia de Gatchina durante a primavera de 1918, até Miguel ser exilado e, mais tarde, assassinado em Perm, nos Montes Urais. Natália e a família fugiram para ocidente, e palácio ficou abandonado com as suas memórias.

Miguel Alexandrovich
Actualmente, o Palácio de Gatchina está a ser restaurado, depois vários anos de negligência. O edifício sofreu alguns danos na altura da Revolução e alguns objectos valiosos foram roubados e vandalizados enquanto que outros se perderam nos leilões de arte soviéticos da década de 1920, mas fotografias tiradas em 1940 mostram os aposentos de Miguel no Arsenal tão cheios de pessoas e de vida como se o dono tivesse saído rapidamente e pudesse voltar a qualquer momento. Quem quisesse visitar as salas de estado, os aposentos do czar Paulo, onde o seu fantasma costumava passear, e os aposentos da família no Arsenal só tinha de pagar alguns kopecks. Foi a Segunda Guerra Mundial que quase destruiu tudo: quando os alemães bateram em retirada em 19414, deixaram uma concha queimada e vazia e os tesouros que tinham sido salvos foram levados para outros locais. A aldeia de Gatchina foi uma zona militar fechada até 1977, ano em que se deu início ao restauro, recorrendo aos quadros de Ukhtomsky e Hau como referência.

O Palácio de Gatchina após a Segunda Guerra Mundial
O trabalho é lento, mas a habilidade dos restauradores é incrível e, um dia, todo o palácio irá voltar à vida. Talvez até os seus fantasmas regressem. Havia algumas pessoas que odiavam Gatchina, mas outros pertenciam ao palácio. Exilado em Perm na primavera de 1918, o grão-duque Miguel escreveu: "é horrível não estar no nosso querido palácio de Gatchina nesta altura do ano. Costumava passar lá todas as primaveras e tenho muitas memórias perfeitas e felizes de infância passadas lá e também de anos posteriores. Parece que lá é sempre primavera".

Parque do Palácio de Gatchina em 2009
Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat

Nota: desde a publicação do livro em 2001, a maioria do Palácio de Gatchina já se encontra restaurado e aberto ao público.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

O Nosso Cantinho Favorito - Alexandria Peterhof

O chalet de Alexandria Peterhof no tempo de Nicolau I
A propriedade que o czar Alexandre I ofereceu à grã-duquesa Alexandra Feodorovna quando ela estava a sofrer com as saudades que sentia de Berlim foi um presente generoso: 115 hectares de floresta na costa do Golfo da Finlândia, a este do grande parque de Peterhof. Pedro, o Grande tinha oferecido estas terras ao príncipe Alexandre Menshikov, que  nelas construiu um palácio de pedra chamado "Moncourage". No século XVIII, a sobrinha de Pedro, a czarina Ana Ivanovna, voltou a comprar as terras para a coroa e utilizou-as para a caça. Em 1828, com o novo nome de "Alexandria Peterhof", em honra da sua nova proprietária, o parque tornou-se um recreio de verão, com um sentimento especial para todas as gerações de descendentes do czar Nicolau I e da czarina Alexandra, até à queda da dinastia.

O chalet de Alexandria Peterhof nos dias de hoje
Alexandre não podia ter escolhido nem um local nem um presente melhor. A sua cunhada ficou encantada com Peterhof quando visitou o local pela primeira vez ainda como noiva do grão-duque Nicolau Pavlovich no verão de 1817: "quando encontrei o mar, as árvores antigas perto da costa, e todas as fontes do jardim, dei gritinhos de felicidade", recordaria ela mais tarde, "fiquei verdadeiramente encantada". Mas Alexandra achava que o Grande Palácio de Peterhof era demasiado grandioso, com os seus interiores luxuosos e quilómetros de talha dourada que faziam doer os olhos. Para a agradar, o seu marido contratou o arquitecto inglês Adam Menelaus para construir uma casa em estilo gótico, que estava muito em voga na época, e que não se parecia em nada com os outros palácios dos Romanov. O "Chalet" foi construído em cima de uma colina, com árvores em três lados e uma vista magnifica do mar e para a base naval de Kronstadt.

O novo palácio de Alexandria Peterhof
A partir do momento em que ficou concluído em 1829, o chalet tornou-se uma casa de família, com espaço suficiente apenas para Nicolau, Alexandra, os seus filhos e dois criados. Tinha um jardim particular e, à sua volta, o parque tinha sido modelado cuidadosamente, com vários edifícios mais pequenos, casas de verão e follies, alguns dos quais tinham um objectivo prático e serviam de casa para os empregados, mas outros foram construídos por motivos puramente estéticos. Menelaus construiu uma casinha em estilo gótico, a chamada "Quinta", perto do chalet, que tinha salas de aula extra para as crianças imperiais, e a família tinha também uma capela imperial dedicada a São Alexandre Nevsky. A capela foi também construída em estilo gótico, quase como se se tratasse de um pedaço de uma das grandes catedrais europeias que foi colocado no parque.

A capela gótica em Alexandria Peterhof
O poeta Zhukovsky, que ensinou Alexandra a falar russo quando ela chegou à Rússia, criou um emblema único para Alexandria Peterhof: um escudo rodeado por uma coroa de rosas com uma espada no centro. O objectivo era representar Nicolau e Alexandra e o amor que tinha sido sempre constante desde o seu primeiro encontro. O emblema foi utilizado para decorar as paredes exteriores do chalet e surge também em mobílias e outros artigos mais pequenos encomendados para a casa. Havia bandeiras com o emblema hasteadas no telhado de todos os edifícios do parque, e as gerações posteriores viam-no como um símbolo romântico. Havia histórias na família de que o emblema tinha sido criado para comemorar o primeiro encontro do casal imperial em Berlim, no final das Guerras Napoleónicas, quando se realizou um torneio no qual Nicolau participou em nome do irmão, o czar. Segundo esta história, a filha do rei da Prússia atirou-lhe uma coroa de rosas brancas e ele apanhou-o com a sua espada. Os torneios estavam na moda na altura, por isso é possível que a história tenha mesmo um fundo de verdade, mas, independentemente das suas origens, os torneios medievais tornaram-se parte da mitologia de Alexandria Peterhof.

Imagem comemorativa do noivado da princesa Carlota da Prússia e do grão-duque Nicolau Pavlovich
O parque era o santuário do casal imperial, no qual se podiam isolar da vida pública que nunca desejaram e passar mais tempo com os seus filhos. Mas, inevitavelmente, o mundo exterior começou a intrometer-se. O chalet tornou-se demasiado pequeno para receber o czar e todos os seus deveres oficiais. Em 1842, foram acrescentados uma sala de jantar e um terraço, apesar de Nicolau se ter arrependido mais tarde de o fazer, uma vez que continuava a defender a ideia de que aquela era apenas uma simples casa de família. No verão de 1846, um casal de ingleses com o apelido de Bloomfield foram convidados para jantar e ficaram sensibilizados com o toque de intimidade que havia no local: "nada poderia ser menos formal e agradável do que o jantar", recordou a senhora Bloomfield, "suas majestades conversaram bastante e, durante o jantar, os dois filhos mais velhos do czarevich e os seus dois primos, os filhos da grã-duquesa Maria Nikolaevna, entraram na sala e ficaram a brincar. Foi encantador ver como o imperador e a imperatriz interagiam com os filhos e os netos; foram muito gentis e afectuosos, e os pequeninos foram do mais alegre e brincalhão que se pode imaginar (...) Quando acabámos de jantar, e nos dirigimos para a sala-de-estar, a imperatriz disse que tinha de queria ser ela a mostrar-me os seus aposentos privados. Levou-me a ver a salinha dela, o quarto e o quarto-de-vestir e depois fomos até ao jardim".

A imperatriz Alexandra Feodorovna (Carlota da Prússia)
As divisões do challet eram pequenas - quando comparadas com as dos palácios - e coloridas, decoradas com pequenos ornamentos e retratos da família. No sótão, Nicolau tinha um escritório com uma vista magnífica para o mar e passava lá muitas horas a assistir às manobras da marinha. Em 1833, Nicolau tinha mandado instalar uma torre de madeira com um telégrafo óptico na costa que lhe permitia comandar os seus navios e comunicar com a base em Kronsdadt. Apesar de a base ser visível no challet, o czar preferia sentar-se na torre: com o passar do tempo, foram-se construindo divisões na torre para que Alexandra e o resto da família se pudessem juntar a ele para tomar chá. O telégrafo óptico transformou-se noutro pavilhão do parque. No verão de 1854, a sombra da Guerra da Crimeia chegou a Peterhof. "Durante vários dias, foi possível ver claramente toda a frota inimiga a partir da varanda do challet", contou o czarevich Alexandre à sua tia Helena.

Nicolau e Alexandra (na carruagem) em frente ao challet de Alexandria Peterhof.
À medida que os quatro filhos do czar foram crescendo, foram recebendo as suas próprias dachas em Alexandria: a Quinta foi aumentada para servir de residência de verão do czarevich Alexandre, que se casou em 1841, enquanto que Constantino recebeu uma dacha conhecida como a "Casa do Almirante" (desde muito cedo que foi decidido que o futuro de Constantino seria na Marinha). Nicolau e Miguel mudaram-se para as "Casas da Cavalaria". Depois de se casarem, todos os três irmãos mais novos compraram propriedades para si em Peterhof e encomendaram emblemas baseados no escudo de Alexandria. Cada um deles representava os seus deveres regimentais: o de Constantino tinha uma âncora rodeada de rosas, o de Nicolau tinha dois machados cruzados, que representavam o regimento dos pioneiros, e o de Miguel tinha uma arma da artilharia. Estes emblemas foram utilizados em Strelna, Znamenka e Mikhailovskoe respectivamente, mas a linha principal da família manteve-se fiel à sua espada. Alexandra Feodorovna começou a dizer, de forma bastante pessimista, que o challet se tinha tornado demasiado grande para ela e para o marido depois de os filhos crescerem e começarem as suas vidas.

Nicolau I (centro) com os seus quatro filhos: Alexandre, Miguel, Nicolau e Constantino
Após a morte de Nicolau I, o Parque de Alexandria continuou a pertencer a Alexandra e não passou para a nova czarina, a sua nora Maria Alexandrovna. Alexandra continuou a utilizar o challet, mas a parte mais importante do parque passou a ser a Quinta, que se tinha tornado na residência de verão do novo czar. Maria Alexandrovna herdou o parque após a morte da sua sogra, mas o challet ficou abandonado com as suas memórias até o seu filho mais velho, o czarevich Nicolau, ter idade suficiente para precisar de uma casa própria. Infelizmente, a sua presença foi demasiado curta: após a sua morte em 1865, o edifício passou para o seu irmão Alexandre.

Alexandra Feodorovna nos seus últimos anos de vida.
A Quinta tinha um estilo semelhante ao do challet, mas era muito maior. Os seus exteriores eram percorridos de varandas suportadas por colunas de metal, que eram camufladas e pintadas para se parecerem com bétulas. A maioria dos quartos do andar superior tinha varandas viradas para o jardim, com toldos às riscas para as abrigar do sol, e as paredes exteriores eram pintadas de amarelo com o emblema de Alexandria Peterhof pintada em cada um das arestas mais altas do telhado. Os retratos de finais da década de 1850, mostram que havia uma casa de brincar no jardim, com a forma de uma cabana campestre tradicional.

A Quinta de Alexandria Peterhof, com a casa de brincar à esquerda.
Por dentro, a Quinta tinha muita luz, era arejada, moderna e criada para proporcionar conforto. No seu grande hall de entrada, as paredes amarelas estavam cobertas de gravuras e havia uma grande janela saliente coberta de cortinas de renda. Uma escadaria simples e curvada com um balaústre de ferro levava até ao andar superior e havia cadeiras de madeira simples encostadas por todas as paredes. Maria Alexandrovna coleccionava ornamentos de vidro e expunha algumas das suas peças favoritas na sua salinha na Quinta. Esta era uma divisão muito feminina, com as paredes decoradas com papel de parede às flores lilases e verdes, cores que eram repetidas num padrão desenhado até ao tecto e acima da janela saliente. Havia bimbos cobertos de era que separavam a janela, a mesa e as cadeiras do resto da divisão, na qual a czarina tinha a sua cama para sestas durante o dia. O escritório do marido, onde ele tratou de algumas das reformas mais importantes do novo reinado, era dominado por tons azuis fortes, tapetes e estofos. Havia um grande retrato de Nicolau I, em frente do challet, do outro lado da secretária do filho, que estava sempre a observar.

A salinha da imperatriz Maria Alexandrovna
Na década de 1870, havia novamente crianças a passar o verão no Challet, e uma nova geração estava a aprender a gostar de Alexandria Peterhof. O filho mais velho de Alexandre II, Alexandre Alexandrovich, a sua esposa dinamarquesa, Maria Feodorovna, e os seus filhos deram uma nova vida à casa. Os seus filhos adoravam as varandas e as escadarias, e todos os cantos que eram completamente diferentes de tudo aquilo que estavam habituados a encontrar nos palácios maiores. Na maioria dos dias, os dois rapazes mais velhos, Nicolau e Jorge, iam visitar o avô à Quinta e brincavam no seu escritório enquanto ele trabalhava. O jovem Nicolau recordava com carinho um dia em que tinha ido às Vespertinas com o avô na Capela Gótica. Enquanto lá estavam, rebentou uma forte tempestade, o céu ficou escuro e parecia que a capela tremia com o vento e os trovões. "As rajadas de vento que vinham das portas abertas faziam com que as chamas os círios que ardiam debaixo dos ícones vibrassem com violência. Houve alguns trovões mais fortes do que os outros e, subitamente, vi uma bola de fogo a entrar por uma das janelas e a passar mesmo por cima da cabeça do imperador. Rodopiou pelo chão, passou ao lado de um candelabro e, tão depressa como entrou, saiu pela porta para o parque. Não me conseguia mexer. Olhei para o meu avô. O rosto dele estava calmo e não parecia perturbado. Fez o sinal da cruz calmamente, sem se mexer um milimetro quando a bola de fogo passou por cima da cabeça dele (...). Depois de a bola ter desaparecido, olhei novamente para o meu avô. Tinha um pequeno sorriso no rosto e acenou com a cabeça. O meu medo tinha passado (...) e a partir desse momento decidi que iria seguir sempre o exemplo de calma que o meu avô mostrou". Foi uma lição de coragem e fé de uma futura vítima de um ataque terrorista para outra.

Alexandre II com o seu neto Nicolau e a nora Maria Feodorovna.
A czarina Maria Alexandrovna morreu em 1880 e Alexandria Peterhof passou para Maria Feodorovna, que estava destinada a ser a última dona imperial do parque. Juntamente com o seu marido, o czar Alexandre III, continuou a utilizar o Challet como residência de verão e foi a vez de a Quinta passar a ser novamente o edifício secundário, utilizada ocasionalmente por um dos irmãos do czar ou outros convidados como casa de veraneio ou então como local de festas. Pouco depois de subir ao trono, Alexandre III reparou que o telégrafo óptico do seu avô se encontrava em mau estado. A torre original era apenas um edifício de madeira e estava a deteriorar-se devido aos ventos marítimos. Quando surgiu o telégrafo eléctrico, o óptico tinha caído em desuso, mas Alexandre decidiu que o objecto tinha importância histórica e pediu ao arquitecto Anthony Tomishko para construir novamente a torre em pedra. Terá dito que "será suficiente para os meus filhos", mas os primeiros a utilizar a torre foram a sua prima, a grã-duquesa Olga Nikolaevna, o marido dela, o rei Jorge I da Grécia e os seus filhos. Foi por causa disso que o edifício foi baptizado de "Villa Baboon", uma vez que "Baboon" era alcunha que o rei da Grécia tinha dado à sua filha mais velha, a princesa Alexandra da Grécia e Dinamarca.

Olga Constantinovna (sentada, ao centro), Jorge I da Grécia e os seus filhos (na primeira fila, a princesa Maria e o príncipe André e, atrás, os príncipes Nicolau, Constantino, a princesa Alexandra e o príncipe Jorge).
Foi na mesma altura que a villa passou a ser visitada por outro membro da família que teria um grande impacto na história dos Romanov. Em Junho de 1884, o irmão mais novo do czar, o grão-duque Sérgio Alexandrovich, casou-se com a princesa Isabel de Hesse-Darmstadt e, entre os convidados que ficaram alojados em Alexandria Peterhof antes e depois do casamento, encontrava-se a irmã de doze anos da noiva, a princesa Alix. O czarevich Nicolau que, na altura, tinha dezasseis anos de idade, descreveu os longos dias de verão no seu diário, incluindo pormenores sobre os jantares de família, os passeios e os jogos no jardim: "Fomos todos saltar durante algum tempo na rede (...) fui passear com o Ernie [Ernesto Luís de Hesse-Darmstadt] e com a Alix no feriado, e o papá foi a conduzir (...) brincámos muito nos baloiços. O papá ligou a mangueira e nós corremos na direcção do jato e ficámos todos molhados". Nicolau começava a interessar-se cada vez mais pela jovem Alix, e os dois cravaram os seus nomes, um à beira do outro, no vidro de umas das janelas da villa que tinha sido construída recentemente. Na altura, parecia tratar-se apenas de um romance infantil que seria rapidamente esquecido, mas, na verdade, o seu destino foi selado naquele verão.

Nicolau, Alexandra, Xenia e Maria Feodorovna em Alexandria Peterhof.
Quando Nicolau tinha idade suficiente para precisar de uma casa para si, implorou as pais para utilizar as divisões na torre e passou a partilhar a villa com o seu irmão mais novo, Jorge. Depois de subir ao trono e se casar com Alix em 1894, contratou Tomishko para aumentar o edifício e criar uma casa de verão para a família que esperava ter com a sua nova esposa. As obras demoraram muito tempo. Em inícios do verão de 1897, Alix deu à luz a sua segunda filha, Tatiana, na Quinta, onde ela e Nicolau ficaram hospedados enquanto o seu palácio estava em obras. O grão-duque Jorge escreveu uma carta ao irmão do Cáucaso a perguntar como estavam a correr as obras. "Quando é que a casa à beira-mar fica pronta? Estou curioso para ver como irá ficar e como ficará ligada à antiga. Estou sempre a pensar como era agradável quando vivíamos juntos. Já passaram sete anos desde essa altura, é assustador como o tempo voa". Na verdade, a nova casa de dois andares ficou unida à villa antiga através de uma galeria fechada por cima de um arco grande o suficiente para deixar passar uma carruagem ou um carro. Foram acrescentadas cozinhas e casas-de-banho, mas o edifício continuou a ser dominado pela grande torre com a bandeira de Alexandria Peterhof a esvoaçar no cimo. Havia uma pequena estrada que percorria a costa até ao Portão Marítimo, na fronteira oeste do parque, que unia os jardins da propriedade dos Mikhailovich em Znamenka.

A torre do Novo Palácio de Alexandria Peterhof no tempo de Nicolau II.
O centro da vida em Alexandria Peterhof voltou a mudar e, apesar de a mãe do czar continuar a ser a dona do parque e utilizar o Challet durante o verão, o edifício mais importante durante os últimos anos da dinastia foi o "Novo Palácio" de Tomishko. Dentro das suas paredes, um novo Nicolau e uma nova Alexandra aprenderam a amar Alexandria e os seus três filhos mais novos, Maria, Anastásia e o czarevich Alexei, nasceram neste palácio à beira mar, onde, em tempos, o primeiro Nicolau tinha comandado a sua frota.

O Novo Palácio
O Novo Palácio era luminoso e confortável, e era visto mais como uma casa do que um palácio. A divisão preferida da família era o escritório de Nicolau II, no segundo andar do edifício antigo. As paredes tinham painéis de nogueira para combinarem com a secretária do czar, estofos de cabedal marroquino verde escuro que tinham sido encomendados em Inglaterra, e, apesar da decoração escura, a divisão estava sempre cheia de luz. Uma das janelas viradas para oeste e com vista para Kronstadt, tinha uma varanda com uma mesa que estava sempre cheia de jornais, revistas e livros. A secretária tinha sido colocada num ângulo ideal com as outras janelas, que tinham vista para norte, para o golfo. No seu escritório, Nicolau recebia os seus ministros e concedia audiências especiais: havia uma sala-de-espera que tinha sido criada para se parecer com uma divisão a bordo de um navio.

Alexei Nikolaevich e Luís Mountbatten em frente ao Novo Palácio de Alexandria Peterhof
No segundo andar da villa, a galeria coberta levava até ao novo edifício onde se encontravam os aposentos da czarina e da sua dama-de-companhia, assim como os quartos, quartos-de-brincar e salas-de-aula das crianças imperiais. A salinha da imperatriz tinha trabalhos em madeira pintada a branco, desenhos de flores nas paredes e cadeiras confortáveis forradas a cretone com um padrão de rosas. Os quartos das suas filhas eram decorados com papel de parede de Art Noveau, enquanto que a cor dominante no quarto de Alexei era o azul. Tudo era luminoso, moderno e criado com simplicidade e conforto. As gerações foram-se sucedendo umas às outras, mas Alexandria Peterhof foi sempre um santuário onde um casal imperial se podia isolar das pressões da vida pública e aproveitar tempo de qualidade com os seus filhos.

Anastásia, Tatiana e Alexei com alguns dos seus primos, filhos da grã-duquesa Xenia Alexandrovna, em Alexandria Peterhof.
No entanto, depois da Revolução, os portões de Alexandria abriram-se e o público teve acesso a este mundo que tinha sido seguro e privado. Em 1925, pagavam-se 15 kopecks para visitar o Challet e 15 para visitar a Quinta, mas a entrada para o Novo Palácio era mais cara: 25 kopecks. Os guias diziam que os edifícios não tinham qualquer valor artístico, à excepção de um retrato de Alexandre III pintado por Serov, mas o público sentia-se atraído pelo palácio devido à sua associação com o último czar e a sua família. Ainda era possível ver os seus objectos pessoais, e os brinquedos do czarevich ainda enchiam o berçário.

Olga, Maria, Anastásia e provavelmente um dos seus primos em Alexandria Peterhof.
Os guias também expressavam o repúdio que o regime sentia pela família imperial, mas surgiu uma nova geração de conservadores de museus que se apaixonou pelos palácios, devido à sua beleza e à história silenciosa que contavam. Quando surgiram notícias de que estava próxima uma invasão alemã em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, estes conservadores fizeram todos os possíveis para salvar o que podiam dos exércitos que se aproximavam da cidade. O Grande Palácio de Peterhof foi a sua prioridade, mas quatro quintos dos objectos registados no Challet e outras peças da Quinta e do Novo Palácio foram embalados em caixas e levados numa viagem perigosa para a Sibéria, juntamente com outras colecções de outros palácios fora da cidade. Os conservadores continuaram a empacotar objectos até ao último minuto, quando já se ouviam os sons da batalha no parque. Durante quase três anos, os conservadores guardaram os seus tesouros e esperaram até ao final de 1944, quando souberam da libertação de Peterhof, para regressar. Quando a notícia foi confirmada, abriram uma das caixas preciosas e fizeram um brinde à libertação com os copos de cristal feitos para o Challet, decorados com a espada e a coroa de rosas.

Anastásia, Alexandra Feodorovna e Maria na varanda do Novo Palácio de Alexandria Peterhof
Aquilo que viram quando regressaram foi doloroso. Uma vez que não tinham conseguido conquistar Leningrado, como vingança, os alemães decidiram destruir os antigos palácios imperiais e quase conseguiram fazê-lo com todos. O Grande Palácio foi queimado quase por completo e o parque tinha sido minado. O Challet foi saqueado e destruído e a Quinta foi utilizada como quartel-general local dos alemães. O Novo Palácio, mesmo à beira mar, tornou-se no alvo ideal para ataques a partir do mar. Os soviéticos destruíram o pouco que restou dele na década de 1960.

O Grande Palácio de Peterhof após o ataque alemão na Segunda Guerra Mundial
Hoje em dia, o Challet está novamente aberto ao público depois um trabalho de restauro extraordinário, que foi completado em 1978. A maioria dos turistas que vai visitar o Grande Palácio, perde o Challet, que está escondido entre as árvores e só tem um caminho de acesso que não está assinalado. Mas perdem um tesouro. O edifício está praticamente igual ao que era em pintuas da década de 1840, apesar de as árvores estarem mais grossas e mais altas do ue eram na altura, algo que teria encantado a sua dona, Alexandra Feodorovna, que adorava estar sozinha. Os turistas começam a visita com uma pequena exposição naquele que era o quarto da primeira habitante do Challet. Durante o regime soviético, a lei não permitia que os quartos fossem restaurados como quartos; hoje em dia os guias referem estas estranhas curiosidades dos "dias maus". A exposição inclui algumas das aguarelas pintadas por Eduard Petrovich Hau durante o século XIX de como as divisões eram na época e que foram um guia imprescindível para as obras de restauro.

Alexei, Anastásia e Nicolau no Novo Palácio em Alexandria Peterhof
As divisões restauradas do Challet são coloridas e cheias de mobília, muito parecidas com Frogmore e Osborne em Inglaterra, ou até Hohenschwangau na Baviera, embora a casa tenha um charme próprio e a sua escadaria pintada seja magnífica. A maioria das decorações mantiveram o seu estilo gótico original, mas uma das divisões do andar de cima tem um certo aspecto de Art Nouveau, devido aos anos em que Maria Feodorovna passou lá os seus verões. O Challet é mais pessoal e caseiro do que qualquer um dos grandes palácios, com retratos de Nicolau I e da sua família e é possível ver o emblema da espada rodeada pela coroa de flores criado por Zhukovsky em todo o lado, desde as paredes até às varandas, passando pelas cadeiras e pelos copos de cristal.

Escritório de Alexandra Feodorovna na actualidade.
Além do Challet e do seu jardim, o Parque de Alexandria está finalmente a começar a acordar do seu longo sono. A Capela Gótica, onde o jovem Nicolau II aprendeu uma lição de coragem do seu avô, foi completamente restaurada e também já começaram as obras de restauro na Quinta. O edifício ainda se encontra encerrado e negligenciado, mas as árvores que cresceram à sua volta, e que o rodeiam quase como se se tratasse do castelo da Bela Adormecida, já desapareceram e, incrivelmente, após todo este tempo, continuam a haver pequenas lembranças do passado. Há um pequeno pavimento em mosaico, trabalhos decorativos em ferro forjado, que agora estão enferrujados e pendurados com ângulos estranhos. Ainda sobram alguns fragmentos da tinta amarela antiga agarrados às paredes e, resistente a todas as suas provações, ainda sobra um escudo com rosas na aresta mais alta do telhado. [Nota: as obras de restauro foram concluídas em 2010 e a Quinta já se encontra agora aberta ao público.]

Edifício da Quinta após o seu restauro. Fonte.
Dentro de algum tempo, a Quinta será restaurada. O Novo Palácio já não tem salvação possível, apesar de ser possível visitar as ruínas entre as árvores e arbustos à beira mar. É possível reconhecer algumas partes do edifício: a base da torre, o arque que chegou a unir o edifício novo e o edifício antigo, algumas aberturas que dantes eram portas e janelas, perdidas num monte de tijolos sem sentido - o palácio perdido que já foi colorido e luminoso, principalmente durante o verão. As fotografias dos filhos do último czar a brincar junto ao mar mostram que a linha costeira era delimitada por uma linha de pedras que ainda são visíveis, apesar de terem crescido corais à volta delas.

As irmãs Romanov nas traseiras do Novo Palácio
Este devia ser um local triste, mas não é. Em Czarskoe Selo, é fácil lembrar-nos do final trágico da dinastia. Num dia de verão em Alexandria Peterhof, o silêncio e o ar livre fazem lembrar as gerações que se divertiram no parque e das épocas em que foram felizes. A família de Nicolau I ainda é recordada visivelmente no Challet. Quando a Quinta estiver restaurada, a época de Alexandre II vai ganhar uma nova vida e nem a família de Nicolau II é esquecida. Em Agosto de 1994, para celebrar aquele que teria sido o 90.º aniversário do czarevich, foi inaugurada uma estátua em bronze dele, ao lado do Challet, num local onde, anteriormente, existia um memorial dedicado a Nicolau I, o seu bisavô. Num cenário que junta o início e o final da história de Alexandria Peterhof, o menino surge encostado a uma árvore, a observar as ruínas escondidas do Novo Palácio onde nasceu.

Alexei Nikolaevich com o Novo Palácio como pano de fundo
Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat