Java

quarta-feira, 4 de março de 2015

O Funeral de Alexandre II e a Condenação dos seus Assassinos

A morte de Alexandre II
O funeral do czar Alexandre II [que tinha sido assassinado num ataque à bomba a 13 de Março de 1881] realizou-se sob o maior dispositivo de segurança imaginável. Vários representantes de cortes estrangeiras viajaram para a Rússia, para se juntarem à família horrorizada, mas não sem algumas reservas da parte dos seus soberanos. O genro e a filha do falecido czar, o duque e a duquesa de Edimburgo [o príncipe Alfredo e a grã-duquesa Maria Alexandrovna], partiram imediatamente de Londres assim que souberam da notícia que tinham temido e esperado durante tanto tempo. Chegaram a São Petersburgo três dias depois e enviaram imediatamente um telegrama para Inglaterra ao príncipe e à princesa de Gales [o futuro rei Eduardo VII e a princesa Alexandra da Dinamarca] onde garantiam que o novo casal imperial, o "Sasha" [Alexandre III] e a "Minnie" [Maria Feodorovna] gostariam muito de ter a sua presença.


Maria Feodorovna, Alexandre III e Alexandra do Reino Unido
Lord Dufferin, embaixador inglês em São Petersburgo, concordou que era desejável que o casal estivesse presente no funeral. A rainha Vitória deu o seu consentimento de forma relutante e avisou Dufferin que, se alguma coisa lhes acontecesse, ele seria responsabilizado. De Berlim, o imperador Guilherme I enviou o seu filho, o príncipe-herdeiro Frederico Guilherme, apesar de ter recebido cartas anónimas a avisá-lo de que a sua vida seria posta em risco se fosse. O czar e a czarina ficaram no Palácio de Inverno e os seus convidados no Palácio de Anichkov em condições de claustrofobia quase impossíveis de aguentar. O conde Loris-Melikov garantiu-lhes que nada de mal lhes aconteceria desde que não saíssem à rua na companhia do czar. Mesmo assim, o príncipe de Gales não gostou do pequeno jardim coberto de neve no Palácio de Inverno, o único local considerado seguro para o czar fazer exercício, e disse que até uma viela de Londres tinha melhor aspecto.

O príncipe de Gales, futuro rei Eduardo VII do Reino Unido
O corpo do falecido estava em câmara ardente na capela mortuária do Palácio de Inverno, sem qualquer coroa na cabeça ou condecorações no peito, como era costume nos ritos funerários dos czares. Alexandre II tinha deixado ordens por escrito nas quais dizia que não queria levar emblemas para a sepultura. Na véspera do dia em que o corpo seria levado do palácio para a catedral da Fortaleza de Pedro e Paulo, Pobedonostsev [conselheiro do falecido czar] encarregou-se dos últimos preparativos. Quando todos já se tinham retirado, viu a viúva do czar, a princesa Catarina Dolgorukov [a segunda esposa de Alexandre II], a entrar a partir da divisão ao lado e, apesar de estar apoiada na irmã, era visível que se esforçava bastante para manter o equilíbrio e a postura. Caiu de joelhos ao lado do caixão, afastou o véu que cobria o rosto do marido e beijou-lhe o rosto demoradamente em vários locais antes de se arrastar para fora da capela. Apesar de a ter ressentido pelo escândalo que tinha causado, Pobedonostsev admitiu que, daquela vez, apenas tinha sentido compaixão pela sua dor. Nessa mesma noite, a princesa acabaria por voltar à capela, levando nas mãos o seu longo cabelo, que tinha acabado de cortar, e colocou-o dentro do caixão num gesto de despedida.

Alexandre II com a sua segunda esposa, a princesa Catarina Dolgorukov, e os seus dois filhos mais velhos: Jorge e Olga
Uma vez por dia, o czar tinha permissão para sair do palácio e estar presente numa missa dada na presença do caixão do seu pai na igreja da Fortaleza de Pedro e Paulo. De acordo com a tradição russa, todos os parentes do falecido tinham de beijar o seu rosto, uma tarefa desagradável já que as suas feições tinham sido danificadas pela bomba e começaram a apodrecer alguns dias antes do funeral que se realizou a 27 de Março. É possível que os seus filhos tenham visto alguma ironia no facto de o pai ser enterrado ao lado da primeira esposa que tanto tinha feito sofrer e que tinha deixado de amar há muito tempo.


Maria Alexandrovna numa fotografia rara ao lado do marido, Alexandre II. Ao seu lado estão dois dos seus filhos: o grão-duque Sérgio Alexandrovich e a grã-duquesa Maria Alexandrovna
Antes de deixar São Petersburgo, o príncipe de Gales condecorou o seu cunhado com a Ordem da Jarreteira em nome da rainha Vitória. A cerimónia, realizada no Palácio de Anichkov, acabaria por trazer um momento de relaxamento à vida da família que tanto precisava dele. À medida que o herdeiro ao trono britânico ia caminhando pela Sala do Trono, liderando uma procissão de cinco membros da sua comitiva que levavam as insígnias em almofadas de veludo, como pedia a tradição, uma voz feminina disse num tom muito alto e em inglês que eles pareciam uma fila de amas-de-leite a carregar bebés. A princesa de Gales e a czarina olharam uma para a outra, não conseguiram manter a postura e começaram a rir descontroladamente.

Maria Feodorovna, czarina da Rússia e Alexandra, futura rainha do Reino Unido
Algumas facções da opinião russa acreditavam fervorosamente que tentar vingar o assassinato não era o caminho a seguir. Por muito que tivesse condenado a morte violenta do seu soberano, o conde Lev Tolstoi, escritor e filósofo, implorou ao novo czar que poupasse os responsáveis. Numa longa carta, o famoso escritor defendeu que os métodos decisivos de extermínio não tinham levado a uma redução do terrorismo, mas que "indulgências liberais" - nomeadamente a liberdade parcial e abrir caminho à criação de uma constituição - assim como o perdão cristão eram a melhor resposta a dar:
"Se não perdoar e executar os criminosos, irá conseguir a eliminação de três ou quatro indivíduos de um grupo com centenas de seguidores; mas o mal cria ainda mais mal e, em vez de três ou quatro, irão crescer mais trinta ou quarenta e irá deixar escapar o momento que vale por toda uma geração - o momento em que poderia ter cumprido a vontade de Deus e não o fez - e irá ignorar esta oportunidade de passar entre as ondas afastadas, quando poderia ter escolhido o bem acima do mal, e irá afundar-se para sempre a serviço do mal a que chamam o Interesse de Estado (...) Uma palavra de perdão e amor cristão, falada e executada a partir do alto de um trono e o caminho de um governo cristão, que está perante si, à espera de ser caminhado, pode destruir todo o mal que está a corromper a Rússia. Tal como a cera perante o fogo, as lutas revolucionárias irão derreter-se perante o homem-czar que cumpra a lei de Cristo."
Lev Tolstoi
Tolstoi convenceu o grão-duque Sérgio a colocar a carta na secretária do irmão e o czar leu-a, mas acabou por desdenhá-la. Ao mesmo tempo, o comité executivo da organização Vontade do Povo, acreditava, erradamente, que o novo czar iria certamente ouvir os seus conselhos para evitar sofrer o mesmo destino do pai.  Numa longa carta aberta, avisaram-no de que tinha apenas duas alternativas - "ou uma revolução inevitável, que não pode ser eliminada através de castigos corporais; ou o cumprimento voluntário da vontade do povo da parte do governo". Exigiam "uma amnistia geral de todos os ofensores políticos anteriores, uma vez que estes não eram criminosos, mas meros cumpridores do seu difícil dever cívico"; e "a convocação dos representantes de todo o povo russo para uma revisão e reforma das leis privadas do estado, de acordo com a vontade da nação". Estes seriam "os únicos meios para voltar a colocar a Rússia no caminho do progresso pacífico", e o seu partido nunca deveria ser acusado de qualquer acto de violência contra as medidas de um governo criado por tal parlamento. A carta terminava com as palavras "Sua Majestade tem de decidir. Tem dois cenários à sua frente; cabe-lhe a si decidir por qual deles irá optar."

O czar Alexandre III
Nenhum dos apelos surtiu qualquer efeito. Sua Majestade Imperial, o czar Alexandre III, czar de Todas as Rússias, já tinha decidido o que queria. Desde que soube da explosão no Palácio de Inverno, tinha vivido ainda com mais medo do que o pai e estava determinado a acabar com o terrorismo no seu império. O seu reinado ainda mal tinha começado quando começaram a ser erguidas barreiras em locais potencialmente vulneráveis. Os guardas passaram a vigiar os palácios de Inverno e de Anichkov com mais frequência e foram colocados homens com espingardas nas entradas de edifícios governamentais. Foram enviados homens armados e patrulhas montadas a cavalo para as ruas, com ordens para revistar todos os cantos à procura dos suspeitos. A nova família imperial também se adoptou às novas medidas de segurança o melhor possível e, durante os seus primeiros tempos de reinado, o czar e a czarina mal saíram à rua. Pobedonostsev aconselhou pessoalmente o czar a trancar as portas que davam acesso aos seus aposentos e a trancar a porta do quarto antes de ir dormir. Todos os seus filhos eram vigiados vinte-e-quatro horas por dia. De Berlim, o chanceler Bismark ordenou que o embaixador alemão em São Petersburgo lhe enviasse telegramas duas vezes por dia. Se não recebesse qualquer telegrama, teria de assumir que o telegrafo tinha sido destruído devido ao estado de anarquia contínua.


Alexandre III, Maria Feodorovna e os seus filhos
Esta atitude demonstra bem o clima de pânico que se vivia e, à medida que o período de calma e falta de actividade revolucionária se ia arrastando durante semanas e, depois, meses, os guardas e sentinelas começaram a ficar enfadados, à espera que algo acontecesse. Loris-Melikov recusou-se a entrar em pânico. Apesar de não ter conseguido manter o seu mestre vivo, ainda acreditava que havia apenas alguns revolucionários à solta e que estes poderiam ser apanhados através de métodos de segurança tradicionais. Temia que, se a concessão de reformas fosse adiada, a maioria dos russos com formação que simpatizavam com os revolucionários seriam atraídos por eles. Alguns oficiais achavam que o assassinato tinha destruído por completo a sua credibilidade e que Melikov seria dispensado em breve, mas o czar Alexandre III não desejava tomar nenhuma decisão precipitada relativamente a esse assunto. Talvez tenha sido esta relutância em tomar medidas à pressa que tenha sido interpretada pelo público como uma demonstração de que o novo czar era contra as medidas do seu pai ou talvez não tenha passado de uma falta de confiança temporária no seu próprio discernimento. 

Alexandre III
Foram dadas ordens aos tribunais para que julgassem os assassinos o mais rapidamente possível. Grinevitsky [um dos responsáveis pelo assassinato de Alexandre II já estava morto, mas Perovskaya ainda estava a monte. Quatro semanas depois, acabaria por ser presa juntamente com quatro dos seus colegas. Os cinco foram condenados à morte: Zelayabov, que já estava preso quando o czar foi assassinado, mas que se gabou de ser o eminence grise por detrás da operação; Kibalchich, o químico que fez as granadas; Rysakov, o último voluntário da operação; e Michelovich, que tinha participado em reuniões do grupo onde o plano para assassinar o czar tinha sido discutido. Jessica Hellman, que tinha emprestado o seu apartamento aos conspiradores foi poupada à pena de morte por estar grávida, mas foi condenada a servidão perpétua.

Sofia Perovskaya, uma das responsáveis pelo assassinato de Alexandre II
Os restantes foram enforcados a 15 de Abril naquela que seria a última execução pública alguma vez realizada em São Petersburgo. Os condenados estavam sentados em cadeiras, colocadas dentro de grandes carroças, de costas viradas para os cavalos. Cada um levava uma tableta com a palavra "Tsaryubeeyetz" ("Regicídio"). A carroça era seguida por duas bandas filarmónicas que tocavam as suas músicas alto o suficiente para impedir os condenados de falarem com uma multidão dividida entre os que aprovavam a medida e os que estavam contra ela. A música foi seleccionada sem grande consideração; uma das bandas começou a tocar Fatiniza e, sempre que os músicos faziam uma pausa, a outra banda começava a tocar Kaiser Alexander, uma marcha igualmente alegre e jovial. "A incongruência horrenda entre a música e a ocasião dava arrepios", escreveu o diplomata Lord Frederick Hamilton.

A execução dos assassinos de Alexandre II
A tensão foi diminuindo em São Petersburgo após as execuções, mas havia um sentimento sombrio por todas as zonas rurais da Rússia. Havia versões sensacionalistas do que tinha acontecido a circular de aldeia para aldeia. Alguns camponeses acreditavam que tinham sido os nobres que possuíam terras a matar o czar libertador por este ter sido gentil para com os camponeses e começaram a atacar proprietários locais para o vingar. Outros imaginaram, ou foi-lhes dito, que o novo czar desejava aproveitar a sua coroação para anunciar os seus planos para a distribuição das terras da aristocracia pelo povo e começaram a ficar impacientes por ter de esperar tanto tempo.


Texto retirado do livro "The Romanovs: 1818-1959" de John van der Kiste

Sem comentários:

Enviar um comentário