Java

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Hemofilia na Família Real (Primeira Parte)

A rainha Vitória e a sua família no casamento da sua filha mais velha, Vitória.
O caso mais conhecido de mutação espontânea de hemofilia aconteceu na família da rainha Vitória. A mulher de baixa estatura e indominável, que reinou em Inglaterra durante sessenta-e-quatro anos e que era avó de grande parte da realeza europeia era, sem o saber, portadora de hemofilia quando se casou. O seu filho mais novo, o príncipe Leopoldo, duque de Albany, sofria de hemofilia. Duas das suas cinco filhas, a princesa Alice e a princesa Beatriz, eram portadoras de hemofilia. Quando as filhas de Alice e Beatriz - as netas da rainha Vitória - se casaram nas casas reais da Rússia e de Espanha, os seus filhos, os herdeiros desses tronos, nasceram com hemofilia.


A princesa Alice, o príncipe Leopoldo, a princesa Luísa e a princesa Helena com John Brown.

Quando soube que o seu próprio filho sofria de hemofilia, a rainha ficou abismada. Aturdida, protestou, afirmando que "esta doença não existe na nossa família," e, de facto, nunca se tinha manifestado até então. Tinha ocorrido uma mutação espontânea, quer no material genético da própria Vitória ou no cromossoma X, que lhe foi transmitido pelo pai, o duque de Kent, na altura da concepção. Fosse como fosse, pouco tempo depois do nascimento de Leopoldo em 1853, era impossível não reconhecer os sintomas da doença que surgiam sob a forma de inchaços e nódoas negras. Quando tinha dez anos de idade, foi-lhe dada a tarefa, durante um casamento, de tomar conta do seu sobrinho Guilherme de quatro anos que era tão teimoso quanto ele. Quando Guilherme se impacientou e Leopoldo o reprimiu, o futuro kaiser da Alemanha deu um pontapé na perna do tio. Leopoldo não ficou ferido, mas a rainha Vitória ficou furiosa.


O príncipe Leopoldo
Leopoldo cresceu e tornou-se um príncipe alto, inteligente, afectuoso e teimoso. Ao longo da sua infância e adolescência, a sua obstinação levava muitas vezes a hemorragias e o jovem acabaria por ficar com o joelho afectado para sempre. Em 1868, o British Medical Journal relatou uma das suas hemorragias: "Sua Alteza Real, que, até agora, gozava de uma saúde excelente e de um nível de actividade normal, sofreu, ao longo de toda esta semana uma hemorragia acidental grave. O príncipe ficou reduzido a um estado de exaustão extrema e perigosa devido à perda de sangue." Em 1875, quando Leopoldo tinha vinte-e-dois anos, o mesmo diário registou: "A capacidade peculiar do príncipe para sofrer hemorragias graves, das quais sempre padeceu, é essencialmente um caso de vigilância médica e cuidados atentos. Está nas mãos daqueles que o vigiam desde o berço e que estão armados com a experiência especial da sua constituição, assim como do comando vasto de recursos profissionais."


O príncipe Leopoldo
A rainha reagiu da forma mais típica no que diz respeito a pais de filhos com hemofilia. Afeiçoou-se de forma atípica a este filho, preocupava-se com ele, protegia-o demasiado e o resultado das suas constantes advertências para que ele tivesse cuidado foi uma relação pautada por discussões frequentes. Quando ele tinha quinze anos, a rainha presenteou-o com a Ordem da Jarreteira, mais cedo do que aos outros irmãos "porque está mais avançado e porque desejo dar-lhe este encorajamento e prazer, já que tem sofrido tantas privações e desilusões." Quando Leopoldo tinha vinte-e-seis anos, a sua mãe contou ao primeiro-ministro, Benjamin Disraeli, que Leopoldo não a poderia representar na abertura da exposição na Austrália, como Disraeli lhe tinha pedido. Recorrendo a um discurso na terceira pessoa, a rainha escreveu: "a rainha não pode consentir o envio do seu filho que padece de um estado muito delicado e já esteve às portas da morte quatro ou cinco vezes e que raramente passa mais do que alguns meses sem ter de ficar de cama, para tal distância, para um clima com o qual não está familiarizado e expô-lo a perigos que ele talvez não possa evitar. Mesmo que ele não sofresse, o nível de ansiedade ao qual a rainha seria exposta faria com que não fosse capaz de realizar os seus deveres em casa e poderia colocar a sua saúde em risco."


Leopoldo com as irmãs, as princesas Luísa e Helena, a cunhada, a princesa Alexandra de Gales, os sobrinhos (Alberto Eduardo, Jorge e Luísa) e a mãe, a rainha Vitória.
Constantemente frustrado pelas tentativas da mãe para o proteger, Leopoldo procurou algo para fazer. O seu irmão mais velho, o príncipe de Gales, sugeriu dar-lhe o comando dos Voluntários de Balmoral, uma companhia militar colocada perto do castelo real na Escócia. A rainha, preocupada com o joelho de Leopoldo, recusou a sugestão e, a partir de então, Leopoldo recusou voltar a Balmoral. Quando a rainha tentou prender o filho num andar superior do Palácio de Buckingham, Leopoldo fugiu para Paris durante duas semanas. Aos vinte-e-nove anos, para grande surpresa da mãe, Leopoldo encontrou uma noiva alemã, a princesa Helena de Waldeck, que não tinha medo da doença e estava disposta a casar com ele. Os dois viveram felizes durante dois anos e tiveram uma filha. Helena estava grávida pela segunda vez quando, durante uma estadia em Cannes, Leopoldo caiu, sofreu um pequeno golpe na cabeça e morreu, aos trinta-e-um anos de idade, de hemorragia cerebral. A sua mãe sofreu por si e pela família, mas escreveu no seu diário: "não há nada que lamentar em relação ao querido Leopoldo. Havia nele um desejo inquietante por aquilo que não podia ter que parecia aumentar cada vez mais, em vez de diminuir."


Leopoldo com a sua esposa, a princesa Helena de Waldeck
O príncipe Leopoldo era tio [e padrinho] da imperatriz Alexandra. A sua doença significava que todas as suas cinco irmãs poderiam ser portadoras do gene, mas apenas Alice e Beatriz o transmitiram aos seus filhos. Dos oito filhos de Alice, duas das meninas - Alexandra e Irene - eram portadoras. Um dos seus filhos, Frederico, irmão mais velho de Alexandra, a quem todos chamavam Frittie, era hemofílico.  Quando tinha dois anos de idade, um corte que fez no ouvido sangrou durante três dias. Certa manhã, quando tinha três anos, Frittie e o seu irmão mais velho, Ernesto, entraram a correr pelo quarto da mãe quando ela ainda estava na cama. As janelas que iam até ao chão estavam abertas. Frittie desequilibrou-se e caiu a uma altura de cerca de seis metros no terraço de pedra que ficava em baixo. Não partiu nenhum osso e, inicialmente, parecia que tinha ficado apenas assustado e com algumas negras. No entanto, a hemorragia cerebral já tinha começado e, nessa mesma noite, Frittie morreu.


O príncipe Frederico (Frittie) de Hesse-Darmstadt

Texto retirado do livro "Nicholas & Alexandra" de Robert K. Massie

Sem comentários:

Enviar um comentário