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terça-feira, 12 de janeiro de 2016

As paixões de Olga e Tatiana

Olga, Anastásia, Maria e Tatiana com dois soldados imperiais
O dia 23 de Fevereiro de 1913 foi um dia muito especial para a grã-duquesa Olga Nikolaevna de dezoito anos quando, acompanhada pelo pai, pela mãe e pela sua tia Olga, participou no seu primeiro grande baile público em São Petersburgo, na Assembleia dos Nobres. O czar e a czarina já não estavam presentes num baile desde 1903 e Alexandra estava determinada a participar pela sua filha apesar de ter passado grande parte do dia de cama. Havia planos para Tatiana, a irmã mais nova de Olga, também estar presente, mas estava doente e de cama no Palácio de Inverno. Dois dias depois do baile, os médicos viriam a confirmar que a segunda filha do czar sofria de febre tifóide.

Olga e Tatiana em 1913
Olga estava determinada a não deixar esses contratempos estragar-lhe a noite. Estava linda, "vestida com um vestido cor-de-rosa claro simples de chiffon". Tal como tinha acontecido no baile para comemorar o seu décimo-sexto aniversário em Livadia, Olga "dançou todas as danças e divertiu-se de forma simples e completa como qualquer jovem no seu primeiro baile". O relato de Olga foi bastante mais prosaico: "Dancei muito, foi muito divertido. Estavam lá muitas pessoas, foi muito bonito". A grã-duquesa divertiu-se a dançar a quadrilha e a mazurka com muitos dos seus oficiais preferidos e ficou muito contente com a presença do seu querido amigo Nikolay Sablin, um oficial do Shtandart. Meriel Buchanan, filha do embaixador inglês em São Petersburgo, ficou cativada com a grã-duquesa mais velha nessa noite, "vestida com uma simplicidade clássica" e o seu colar era um simples "colar de pérolas de uma única fila", mas, mesmo assim, era completamente impossível resistir ao seu "nariz perfeito". Olga "tinha charme, uma frescura e um encanto exuberante que a tornavam irresistível". Meriel Buchanan lembra-se de a ver "hirta, nos degraus que levavam da galeria até ao salão de baile, a tentar resolver alegremente uma disputa entre três grão-duques que protestavam todos pelo direito de ter a primeira dança". No entanto, a imagem mereceu alguma reflexão: "ao vê-la, pensei no que lhe reservaria o futuro e qual dos muitos pretendentes que eram mencionados ocasionalmente seria o escolhido para se casar com ela."

Olga em 1913
A questão do futuro casamento de Olga tinha, inevitavelmente, ganho importância durante o ano de comemorações do Tricentenário da dinastia Romanov. Até então, as irmãs imperiais tinham sido um assunto tabu para a imprensa russa, mas depois de serem apresentadas oficialmente em público pela primeira vez, houve maior liberdade em falar sobre elas. A discussão do papel de Olga como filha mais velha tinha surgido nos bastidores uma vez mais depois da crise de sucessão que pairou no ar no Inverno de 1912-13. Quando Alexei esteve às portas da morte em Spala, o irmão mais novo de Nicolau, o grão-duque Miguel, tinha fugido para Viena para se casar em segredo com a sua amante, Natalya Wulfert, uma plebeia divorciada. Sabendo que, se Alexei morresse, e ele se tornasse herdeiro da coroa, Nicolau nunca permitiria este casamento morganático, Miguel tinha esperado que, se se casasse sem o seu irmão saber, o seu acto seria aceite como um 'fait accompli', mas Nicolau ficou furioso. A sua resposta não deixou sombra para dúvidas: exigiu que Miguel renunciasse aos seus direitos de sucessão ou que se divorciasse imediatamente de Natalya para impedir um escândalo. Quando Miguel se recusou a fazê-lo, Nicolau congelou os bens do irmão e expulsou-o da Rússia. Em finais de 1912, foi publicado um manifesto nos jornais russos no qual Miguel era retirado do conselho de regência e os seus comandos e honras imperiais eram retirados. Segundo as leis de sucessão, era o filho mais velho do grão-duque Vladimir Alexandrovich, o grão-duque Kirill Vladimirovich, que se tornaria regente caso Nicolau morresse antes de Alexei cumprir vinte-e-um anos de idade. No entanto, tanto ele como os seus dois irmãos, que levavam todos vidas de moral questionável, eram muito pouco populares na Rússia. Por isso, em vez de seguir o procedimento normal, Nicolau contornou as leis existentes e ordenou ao conde Freedericksz que redigisse um manifesto no qual nomeava Olga como sua regente e Alexandra a sua guardiã enquanto Alexei não chegasse à maioridade. Foi publicado em inícios de 1913, sem passar pela Duma, como era obrigatório. O documento, como seria de esperar, enfureceu a grã-duquesa Maria Pavlovna Sénior.

Olga e Alexei                  

Da sua posição privilegiada na Embaixada Britânica, Meriel Buchanan percebeu que a família imperial estava a passar por um período complicado naquele ano:

"O casamento do grão-duque Miguel causou grande agitação e dizem que o querido imperador está com o coração partido. Ninguém sabe ao certo o que se passa com o menino e,  se acontecer o pior, a questão da sucessão irá tornar-se séria.  O Kyrill, claro, é o que está mais próximo, mas muitos duvidam que o clã Vladimir terá permissão para suceder, uma vez que a mãe deles não era ortodoxa quando eles nasceram. Se assim for, o Dmitri será o próximo e teria de se casar com uma das filhas do imperador."
Os Vladimirovich: (da esq. para a dir.) o príncipe Nicolau da Grécia e Dinamarca, o grão-duque Boris, a grã-duquesa Helena, o grão-duque André, a grã-duquesa Maria Pavlovna Sénior e o grão-duque Kyrill.

Corriam claramente rumores sobre uma união entre Olga e Dmitri. Meriel, que tinha um gosto especial por boatos, achava essa ideia um quanto divertida. Ela própria tinha passado bastante tempo com Dmitri na sociedade de São Petersburgo, na qual toda a gente andava a aprender as danças da moda mais recentes. "Tive uma lição muito exigente com o Dmitri um dia destes," escreveu ela a uma prima. "Seria muito 'chic' se um dia o Dmitri se tornasse imperador de todas as Rússias para eu poder dizer que ele me ensinou a dançar o Bunnyhug, não achas?". No entanto, todas as conversas sobre a possível união desapareceram pouco tempo depois quando Dmitri pediu outra prima sua em casamento, a princesa Irina Alexandrovna, a única filha da grã-duquesa Xenia Alexandrovna. No entanto, o seu pedido acabaria por ser rejeitado e Irina preferiu aceitar a proposta do melhor amigo dele, o príncipe Felix Yussupov. À medida que o ano foi avançando, Nicolau e Dmitri começaram a afastar-se gradualmente, mas o grão-duque manteve o seu posto de ajudante-de-campo do imperador.


Dmitri Pavlovich com a sua prima e apaixonada, a princesa Irina Alexandrovna

Quanto a Olga, os seus pensamentos românticos de adolescente estavam na altura firmemente direccionados para pessoas que ocupavam lugares muito mais inferiores na sociedade, mais especificamente para um oficial chamado Alexander Konstantinovich Shvedov, capitão da escolta do czar. No seu diário, a grã-duquesa referia-se a ele pelo acrónimo AKSH e a presença dele nos chás da sua tia Olga ao Domingo era a altura mais importante da sua parca vida social durante grande parte da primeira metade do ano. Estas ocasiões eram pouco mais do que pequenas reuniões divertidas com um grupo de oficiais favoritos escolhidos a dedo. O pequeno grupo dançava ao som do fonógrafo e jogava jogos infantis como o gato-e-o-rato, a sardinha, as escondidas e à apanhada. As quatro irmãs eram vigiadas muito levianamente pela sua tia, mas os jogos acabavam quase sempre em muitos risos e brincadeiras animadas que colocavam as quatro irmãs em contacto físico próximo com homens com quem, noutras circunstâncias, elas nunca teriam permissão de manter tal grau de intimidade.


Olga com um dos marinheiros do Standard
Era um tipo de brincadeira muito estranho e perverso, mas nem a mãe nem a tia delas via nenhum mal nele. Lá estavam as grã-duquesas imperiais da Rússia, prestes a entrar na idade adulta, a comportar-se como crianças, num tipo de comportamento que fez com que a grã-duquesa Olga se apaixonasse por um jovem que, em quaisquer outras circunstâncias, estaria fora dos seus limites. “Sentei-me com o AKSH o tempo todo e apaixonei-me profundamente por ele”, escreveu ela no seu diário a 10 de Fevereiro. “Deus tenha piedade de nós. Estive com ele o dia todo, na liturgia e à noite. Foi muito bom e divertido. Ele é tão querido.” Durante várias semanas depois desta confissão, o novo padrão da sua vida, além das suas lições, passeios com o papá, fazer companhia à mamã e ouvir o Alexei a rezar à hora de dormir, eram os dias em que, ocasionalmente, podia ir visitar a tia Olga em São Petersburgo para jogar jogos infantis e admirar AKSH, o seu belo cossaco de bigode no seu uniforme cherkeska.

Maria, Anastásia e Olga com alguns soldados numa das festas de Domingo organizadas pela sua tia, a grã-duquesa Olga Alexandrovna
Tatiana ficou triste por ter de perder grande parte das comemorações do Tricentenário em São Petersburgo, já para não falar das visitas à tia Olga, nas quais ela tinha também os seus oficiais favoritos. Devido à sua doença (que, pouco tempo depois, também transmitiu ao Dr. Botkin e a Trina Schneider), a família foi obrigada a deixar o Palácio de Inverno a 26 de Fevereiro e regressar a Czarskoe Selo; mas antes de o fazer, Tatiana pediu à sua enfermeira, Shura Tegleva para telefonar a Nikolay Rodionov para lhe dizer que ia adorar se alguns dos oficiais passassem pela sua janela no Palácio de Inverno, para que ela os pudesse ver. Rodionov e Nikolay Vasilevich Sablin tiveram todo o prazer em fazê-lo e recordou o resto da vida o momento em que passou pela janela da pobre jovem doente que lhes fez uma vénia com a cabeça.

Tatiana em 1913, já sem cabelo devido à doença que sofreu nesse ano
Quando regressou ao Palácio de Alexandre, Tatiana ficou imediatamente em quarentena das irmãs e esteve muito doente durante mais de um mês. A 5 de Março, o seu lindo cabelo castanho teve de ser cortado e Tatiana teve de usar uma peruca até Dezembro, altura em que o cabelo voltou ao tamanho original. Presa em casa com a sua mãe, uma a tomar conta da outra, só em Abril é que Tatiana se aventurou a sair para a varanda de Alexandra, mas ainda estava a nevar e demasiado frio para sair de casa durante muito tempo. Quando finalmente o tempo melhorou o suficiente para ela poder sair, sentia-se envergonhada por causa da peruca. Um dia, quando estava a jogar um jogo de saltos no parque com Maria Rasputina e alguns jovens oficiais da academia militar Corps de Pages, o cão de Alexei foi atrás dela a ladrar; Tatiana ficou com o pé preso numa corda, caiu e, de repente, a sua peruca estava no chão", recordou Maria. A pobre Tatiana "revelou-nos a nós e aos oficiais envergonhados a parte de cima da cabeça dela, onde algum cabelo começava a nascer". Ficou completamente envergonhada e "tão depressa como caiu, pôs-se de pé, pegou na peruca e correu para trás de umas árvores. Apenas a vimos corar e zangada e ela não voltou a aparecer naquele dia."


Nicolau a ler para Tatiana durante a sua doença em 1913
Durante o inverno de 1913 no Palácio de Alexandre, o diário de Nicolau mostra como ele era um pai dedicado e activo na vida das suas filhas, ocupando um lugar que a sua esposa, que estava sempre doente, não tinha forças para assumir. Independentemente da quantidade de documentos que tivesse em cima da secretária, do número de reuniões com os seus ministros, audiências públicas e revistas militares que ocupavam os seus dias, nesta altura do ano, quando a família se encontrava em Czarskoe Selo, o czar arranjava sempre tempo para estar com os filhos. A História pode condená-lo por ter sido um czar fraco e reaccionário, mas era também, sem sombra de dúvidas, o pai mais exemplar da realeza. Os meses de Janeiro e Fevereiro eram especiais para ele e para as suas filhas, uma vez que era nessa altura que eles passeavam mais juntos e iam ao ballet. Sendo a filha mais velha, Olga (e, quando não estava doente, Tatiana) teve o privilégio de assistir a óperas como Madame Butterfly, Cidade Invisível de Kitezh e Lohengrin de Wagner, um espectáculo que Olga achou particularmente belo e comovente. 



Apesar de tudo, grande parte do tempo que tinham com o pai era passado no parque do Palácio de Alexandre, independentemente do tempo, em caminhadas, a andar de bicicleta, a ajudá-lo a partir o gelo que se formava nos canais, a fazer ski, a deslizar por montes de neve e a brincar com Alexei que, quando estava bem, juntava-se a eles com as suas botas especiais de biqueira de aço. As irmãs adoravam quando tinham o pai só para si; ele caminhava depressa sem nunca se cansar e todas as suas filhas aprenderam a acompanhar o seu ritmo, principalmente Olga e Tatiana que caminhava sempre ao lado dele, uma de cada lado. Maria e Anastásia corriam de um lado para o outro à volta deles, a deslizar no gelo ou a atirar bolas de neve uma à outra. Qualquer pessoa que se cruzasse com o czar e as suas filhas do parque via perfeitamente que ele tinha muito orgulho nas suas meninas. "Ficava contente quando as pessoas as admiravam. Era como se os seus gentis olhos azuis dissessem: 'Vejam só as filhas maravilhosas que eu tenho.'"

Nicolau II com as suas filhas em 1914
Texto retirado do livro "Four Sisters: The Lost Lives of the Romanov Grand Duchesses" de Helen Rappaport

2 comentários:

  1. que lindo artigo! fiquei emocionado de lê-lo... muito obrigada por compartilha-lo conosco Sara! :) grata, faby

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  2. Parabéns por seus artigos. Muito interessante e instrutivo. Parabéns mesmo por sua perspicaz! http://www.viversemdroga.com.br

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