Java

quarta-feira, 16 de março de 2011

A Abdicação de Nicolau II - Anna Vyrubova (2ª parte)

Anna Vyrubova quando tinha sarampo
Naquela hora de agonia suprema não se disse uma única palavra sobre a perda do trono. O coração de Alexandra Feodorovna estava com o marido, os seus únicos medos eram que ele pudesse estar em perigo ou que o seu filho lhes fosse retirado. Começou imediatamente a enviar telegramas frenéticos ao imperador, implorando-lhe que voltasse para casa o mais depressa possível. Com a crueldade refinada que lhe era característica, o governo provisório devolveu os telegramas à imperatriz, escrevendo a lápis azul: "Morada da pessoa mencionada desconhecida." 

Nem esta insolênsia nem os seus medos quebraram a coragem sublime da imperatriz. Quando na manhã seguinte ela entrou no meu quarto e viu a minha cara lavada em lágrimas por já saber o que tinha acontecido, a única emoção que lhe li no rosto foi uma certa irritação por terem sido outros lábios a darem-me a notícia. "Eles deviam saber que preferia ser eu a dar a notícia," disse. Só quando deixou as suas rondas pelos quartos e ficou sozinha é que deixou a angustia surgir. "A mamã chorou muito," contou-me a pequena Maria. "Eu também chorei, mas só o que não consegui aguentar, para bem da mamã." Nunca na minha vida, de certeza, vou contemplar tanta força de espírito como a que foi mostrada naqueles dias de tragédia e desastre pela imperatriz e pelos seus filhos. Nem uma palavra de amargura ou ressentimento saiu dos seus lábios. "Sabes, Anna," disse-me a imperatriz gentilmente, "está tudo acabado para a nossa Rússia. Mas não devemos culpar o povo ou os soldados pelo que aconteceu." Sabíamos bem que ombros carregavam o peso dessa responsabilidade.

Maria Nikolaevna
Nesta altura, a Olga e o Alexei já estavam muito melhores, mas a Tatiana e a Anastásia ainda estavam muito doentes e a Maria estava a entrar na fase mais grave da doença. A imperatriz com o seu uniforme do hospital movia-se incansavelmente de quarto para quarto. Estávamos praticamente sozinhos no palácio. Nem os meus pais me podiam visitar por estarem presos em São Petersburgo.
Os dias passavam e continuávamos sem saber nada do imperador. A paciência da imperatriz estava quase a esgotar-se quando uma jovem, esposa de um oficial obscuro, que se atirou aos pés da imperatriz e implorou para ter a permissão de cumprir a dificil tarefa de levar uma até ao imperador.  A imperatriz aceitou a oferta muito agradecida e uma hora depois a corajosa mulher estava a caminho de Mogilov.  Como conseguiu chegar ao quartel-general, como passou o cordão de segurança de soldados e finalmente conseguiu entregar a carta ao imperador prisioneiro, nunca soubemos, mas demos-lhe todo o mérito por o ter conseguido.

Olga, Tatiana e Alexandra durante a Primeira Guerra Mundial
O palácio estava agora cheio de soldados revolucionários, bastante bêbados com a sua nova liberdade. As suas botas pesadas faziam barulho pelos quartos e corredores e grupos de homens sujos e de barbas por fazer estavam sempre a tentar entrar nos quartos das crianças, gritavam com vozes roucas: "Mostrem-nos o Alexei!" Pois era o herdeiro que lhes interessava acima de tudo e despertava a curiosidade da multidão. Entretanto, por detrás das portas fechadas e esperando ansiosamente a chegada do imperador, a imperatriz e os poucos que ainda lhe eram leais estavam a preparar-se para uma possível visita de Kerensky queimando cartas e diários, registos pessoais íntimos, demasiado preciosos para caírem nas mãos do inimigo.

Alexei Nikolaevich

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