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terça-feira, 15 de março de 2011

A Abdicação de Nicolau II - Anna Vyrubova (1ª parte)

Nicolau II em 1900
Na manhã seguinte, fui para a porta e vi o carro do imperador desaparecer dos terrenos do palácio, a imperatriz e os filhos foram com ele até à estação. Como era normal nestas ocasiões, houve uma mostra de bandeiras dos guardas que se posicionavam para o saudar e o dobrar dos sinos das igrejas a despedirem-se. Tudo parecia igual, no entanto, as bandeiras, os soldados e o dobrar dos sinos estavam a acelerar o czar de todas as Rússias para a sua ruína. 

Senti-me doente nessa manhã, doente mental e fisicamente, contudo cumpri o meu dever e fui para o meu hospital onde um soldado por quem me interessei especialmente, ia ser operado e, temendo-a, implorou-me que estivesse presente. Enquanto lhe estavam a administrar a anestesia, fiquei ao lado do pobre homem, segurando-lhe a mão, mas ao mesmo tempo percebi que estava a ficar com febre e que a minha dor de cabeça estava a aumentar insuportavelmente. Quando regressei ao palácio deitei-me no meu quarto, depois de ter escrito uma nota à imperatriz onde dizia que não estaria presente para tomar chá. Uma hora depois chegou a Tatiana, complacente como sempre, mas preocupada porque tanto a Olga como o Alexei estavam de cama com temperaturas altas e os médicos achavam que eles podiam ter sarampo.

Uma semana ou duas antes, alguns cadetes da escola militar tinham passado a tarde a brincar com o Alexei e um destes rapazes tinha tosse e o rosto tão corado que a imperatriz tinha chamado a atenção de M. Gilliard para a criança, temendo que esta estivesse doente. No dia seguinte soubemos que ele tinha sarampo, mas como as nossas cabeças estavam tão preocupadas com outras coisas, nenhum de nós pensou muito no perigo de contaminação. Quanto a mim, mesmo depois da Tatiana me dizer que a Olga e o Alexei poderiam estar a sofrer a doença, não me ocorreu nem uma vez que iria ficar doente. A minha temperatura continuou a subir e a minha dor de cabeça a aumentar. Fiquei de cama durante o dia seguinte, até à hora de jantar quando a Mme. Dehn veio ter comigo e fiz um esforço inútil para me levantar e vestir. A Mme. Dehn obrigou-me a deitar outra vez e, olhando para mim cuidadosamente, disse: "Está com muito mau aspecto. Acho que vai ter de ser vista pelo médico." No instante seguinte, assim me pareceu, o médico estava no meu quarto e ouvi-o dizer: "Sarampo. Um caso grave." Depois adormeci ou desmaiei.

Anna Vyrubova com a imperatriz Alexandra
Nesse mesmo dia a Tatiana ficou doente e agora a imperatriz tinha quatro pessoas nas mãos. Vestiu o seu uniforme de enfermeira e passou todos os dias seguintes entre os quartos das crianças e o meu. Quase inconsciente, sentia-a, agradecida, as suas mãos hábeis a arranjar-me as almofadas, a acariciar-me a testa a ferver e a colocar-me medicamentos e bebidas frescas nos lábios. Ouvi vagamente que a Maria a Anastásia tinham começado a tossir, mas esta notícia preocupou-me apenas como um sonho passageiro. Estava consciente da presença da minha mãe, do meu pai e da minha irmã mais nova e, ainda dentro de uma espécie de pesadelo, percebi que eles e a imperatriz falavam em murmúrios agitados de revoltas e desordem em São Petersburgo. Mas não sei nada sobre os primeiros dias da Revolução, das greves em São Petersburgo e Moscovo, das revoltas e das manifestações e da hesitação das milícias meio-disciplinadas em restaurar a ordem, excepto sobre o que depois me aconteceu a mim. Contudo sei que a imperatriz da Rússia estava completamente calma e corajosa e que a minha irmã, depois de testemunhar as cenas selvagens de São Petersburgo, tinha dito à imperatriz que o fim estava próximo. A imperatriz acalmou-a com palavras de confiança.


Alexandra e Anna Vyrubova
Foi o devoto grão-duque Paulo, como a imperatriz depois me contou, quem lhe deu as primeiras impressões oficiais sobre o que se estava a passar e fê-la compreender que a maior das calamidades entre todas as tragédias, uma revolução política a meio de uma guerra mundial, estava a acontecer. Até nessa altura, ela não perdeu nenhuma da sua maravilhosa coragem. Não queria chamar os ministros ou os embaixadores da Aliança para a proteger a ela ou aos filhos. Com dignidade, sem vacilar, assistiu a cada dia à covarde fuga de homens que tinham vivido na Corte durante vários anos e que tinham desfrutado da confiança e amizade da família imperial. Um a um, eles foram desaparecendo, o General Racine, o conde Apraxin, oficiais e homens do corpo de segurança, criados dos mais antigos e confiáveis, sempre com desculpas suaves de quem apenas se queria salvar a si mesmo. 

Alexandra em 1916
 Uma noite chegou o barulho de revoltas e de metralhadoras que pareciam estar cada vez mais próximas do palácio. Eram cerca das onze da noite e a imperatriz estava a descansar na ponta da minha cama. Levantando-se rapido e colocando um xaile em volta dos ombros, ela foi buscar a Maria, a única dos seus filhos que estava saudável, e saiu do palácio para o ar frio para enfrentar o que a ameaçava. A guarda naval e os cossacos Konvoi ainda estavam em dever apesar de até eles se estarem a preparar para desertar. É bem possível que eles tivessem ido embora naquela noite se não fosse pela aparição da imperatriz e da sua filha. Elas foram de guarda em guarda, a imperatriz com o seu ar imperial e a Maria com coragem, e deram palavras de encorajamento, fé pura e simples e confiança, enfrentando a fúria mortal deles. Não foi preciso mais nada para que os homens permanecessem nos seus postos durante aquela noite horrível e impediu que os manifestantes atacassem o palácio. No dia seguinte os guardas desapareceram. Os guardas navais, liderados pelo grão-duque Cyril Vladimirovich, marcharam com bandeiras vermelhas para a Duma e apresentaram-se a Rodzianko como alegres revolucionários. Os mesmos homens que na noite anterior tinham louvado a imperatriz com as saudações tradicionais de "Saúde e vida longa a Vossa Majestade!"

Maria Nikolaevna
Agora não havia praticamente ninguém dentro ou fora do palácio para defender a família imperial no caso de a multidão decidir atacar. Mesmo assim a imperatriz permaneceu calma, dizendo apenas que esperava que nenhum sangue tivesse de ser derramado para a proteger. Um telegrama do imperador revelou que ele já sabia da crise e por isso implorava que a imperatriz e os filhos se juntassem a ele no quartel-geral. No mesmo momento chegou uma mensagem espantosa de Rodzianko, agora chefe do Governo Provisório, a avisar a imperatriz de que ela e a sua família tinham de deixar o palácio de uma vez. A sua resposta para ambas as mensagens foi a de que não podia sair porque todos os seus filhos estavam gravemente doentes. A resposta de Rodzianko a este apelo desesperado de uma mãe foi: "Quando a casa estiver a arder, é altura de deitar tudo fora." A imperatriz consultou médicos e enfermeiras desesperadamente. As crianças podiam ir para outro sitio? E a Anna? O que poderia fazer se o governo se revelasse impiedoso?

Anastásia, Tatiana e Maria durante a Primeira Guerra Mundial
A este dilema da mãe, acrescentou-se a terrível notícia da abdicação. Não pude estar com ela nesta hora de dor, nem sequer a vi até á manhã seguinte. Foram os meus pais que me deram a notícia, mas estava demasiado doente para a compreender. A Mme. Dehn, que estava com a imperatriz na noite em que o grão-duque Paulo chegou com a fatal notícia, descreveu a cena quando a imperatriz, de coração partido, deixou o grão-duque e regressou ao seu quarto. 

"A cara dela estava distorcida com a agonia, os seus olhos estavam cheios de lágrimas. Mancava em vez de andar e eu suportei-a até ela conseguir chegar à secretária que ficava entre as janelas. Encostou-se fortemente contra ela e, segurando as minhas mãos nas suas, disse tristemente: 'Abdique'. 

Mal podia acreditar nos meus ouvidos. Esperei pelas suas próximas palavras. Mal as consegui ouvir. Finalmente [ainda a falar francês porque a Mme. Dehn não falava inglês] disse: 'Pobrezinho - sozinho ali e a sofrer - Meu Deus! O que ele deve ter sofrido!'

Fotografia de noivado de Nicolau e Alexandra

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